Domingo, 24 Novembro 2024

Quando a Associação dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro (USUPORT-RJ) tomou ciência dos novos, absurdos e abusivos procedimentos adotados pela transportadora marítima francesa CMA-CGM S.A. para devoluções de contêineres, condicionando-as aos pagamentos (forçados) das sobre-estadias (demurrages), exigindo, ainda, 48 horas de antecedência para as programações das devoluções para, somente após contato, os usuários serem informados sobre os locais de devoluções das unidades vazias, um enorme sentimento de revolta tomou conta da associação, porque ficou evidente a intenção da empresa em faturar mais com essas cobranças (que deveriam apenas indenizá-la), espremendo ainda mais os donos de cargas, já tão vitimados por um mercado altamente concentrado/oligopolizado, com fiscalização ineficiente.

Aqui cabe um parêntese importante, para expor uma contradição: para empresas, como a CMA-CGM, que ajuízam ações cobrando indenizações caríssimas a título de sobre-estadias de contêineres, exigem depósitos cauções (na marra) e obrigam os usuários a assinarem termos de compromissos leoninos, retendo suas cargas como reféns, caso não atendam suas imposições; tudo em nome da pressa de ver seus contêineres devolvidos, por causa de supostos prejuízos logísticos, essa nova metodologia contribui para retardar ainda mais o retorno das unidades às suas frotas. Em outras palavras, a armadora francesa teve a intenção clara de aumentar os problemas, em vez de mitigá-los. Será que ela precisa do contêiner tão rápido assim?

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Imagem de Onkel Ramirez por Pixabay

A verdade é que temos, no Brasil, no setor de maneira geral, uma verdadeira indústria de sobre-estadias de contêineres, enchendo os bolsos de diversas empresas e estimulando a parasitagem de intermediários que colocam sobrepreços na cobrança. O frete? Este aí, há muito tempo, virou acessório, pois ainda tem os elevados ganhos com câmbios e as malditas e vergonhosas sobretaxas, rol que se inclui o Terminal Handling Charge (THC), que ainda será objeto de muitos problemas.

Retomando, por meio de medida cautelar, a USUPORT-RJ buscou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) contra esta nova metodologia abusiva que, sem sombra de dúvidas, logo seria adotada por todos os transportadores estrangeiros (se o mercado aceitasse o absurdo) e obteve a primeira vitória desta guerra. Por meio da Resolução nº. 7.574, de 13 de fevereiro de 2020 (DOU14/02/2020), por unanimidade, os três diretores da Agência determinaram, liminarmente, até julgamento de mérito, que a transportadora marítima francesa se abstenha da prática de condicionar as devoluções dos contêineres aos pagamentos de sobre-estadias.

Definitivamente, a USUPORT-RJ não gostou da conduta da armadora francesa, por entender que atingiu todos os limites de desrespeito com usuários, sendo certo que isso trará consequências graves. Por isso, a partir de agora, a USUPORT-RJ declara, abertamente, guerra contra todos os abusos que os usuários vêm sofrendo por parte de todo e qualquer prestador de serviço do transporte marítimo nacional e internacional, sejam os cometidos por armadores, sejam os cometidos por agentes intermediários.

A farra vai acabar, porque a USUPORT-RJ fará novas denúncias, tomará medidas judiciais, incluindo Ações Civis Públicas, ou seja, atuará ainda mais forte para que exista regulação eficiente, acompanhamento de perto, constante e diário do mercado pela Antaq, objetivando que os usuários possam dispor de serviço adequado e serem realmente respeitados e protegidos.

Em que pese ser excelente a Antaq ter acolhido o pedido da USUPORT-RJ (digna de elogios pela rapidez), que não foi limitado às suas associadas, mas sim, a todos os usuários, protegendo-os dessa nova e abusiva sistemática da empresa francesa, a associação entende que a forma de fiscalizar e supervisionar os prestadores de serviços, mediante recebimento de denúncias, é altamente ineficiente, deficitária e perniciosa. Assim, a primeira nova batalha da associação será para que os modos operantes de fiscalização da Agência sejam proativos, de forma que o regulador se antecipe aos fatos e não mais fique aguardando por demandas.

Em um mercado altamente dinâmico e extremamente oligopolizado como o de transportes marítimos em contêineres (tanto no longo curso, quanto na cabotagem), que atende à massa de empresas donas de cargas, fiscalizar apenas mediante denúncias dos usuários, que estão expostos às mais diversas retaliações, externalidades negativas e condutas oportunistas e lesivas, é algo que inibe demandas, porque pouquíssimas serão as empresas que irão colocar suas caras para receberem pancadas. Em outras palavras, neste ambiente oligopolizado, tal método fiscalizatório é feito para que denúncias não sejam recebidas, mais parecendo uma Lei do Menor Esforço Regulatório.

Vale ressaltar que, mesmo diante da decisão cristalina da Antaq, existe o risco de a CMA-CGM não a cumpri-la. Isso, porque, recentemente o Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que há anos vem fazendo um trabalho maravilhoso no combate aos abusos de armadores, denunciou a ilegal cobrança por parte da armadora suíça Mediterranean Shipping Company (MSC), de uma sobretaxa denominada Export Logistic Fee (ELF) ou Taxa de Logística de Exportação. A Antaq, por meio da Resolução nº 7518 de 10 de fevereiro de 2020 (DOU 11/02/2020), determinou imediata cessação da cobrança.

Pergunta que não quer calar: A MSC acatou a determinação da Agência e parou de cobrar a sobretaxa ELF, após publicação no DOU? Claro que não! A armadora estrangeira “tirou a Antaq para nada” e, simplesmente, afirmou que continuaria a cobrar, sob alegação de que o processo administrativo ainda não teve seu trânsito em julgado e que, portanto, o assunto ainda está em discussão, mesmo que a determinação da Agência tenha sido clara. Em outras palavras, quem decide sobre a decisão da Antaq é a MSC. De fato, a fiscalização da Antaq acostumou muito mal a armação estrangeira e pagará um preço caro por isso, que vem em forma de desmoralização.

A USUPORT-RJ esperou pacientemente os dois primeiros anos de vigência da Resolução Normativa nº 18 Antaq de 21 de dezembro de 2017 (RN-18) para entender quais seriam as posturas dos prestadores de serviços e do regulador. A triste constatação é a de quase nada mudou. Então, agora chega! Se é guerra que desejam, é guerra que terão. Existe um leque enorme de ilegalidades a ser trabalhado que inclusive cairão nos colos dos Diretores da Antaq que, há anos, estão cientes dos problemas. Aguardem, porque, como se diz aqui no Rio de Janeiro, “o bicho vai pegar”! Está dado o recado!

A Antaq se omitiu, seja na criação da RN/18, seja em seu processo de revisão, de regular as sobretaxas, as sobre-estadias e os métodos dos armadores para obrigarem os usuários a assinarem documentos leoninos e a realizarem depósitos caução. Isso se chama o tripé da vergonha, que agora está sendo cobrado da Agência e que, se providências não forem tomadas, servirá para desmoralizá-la. Há mais de 05 anos a USUPORT-RJ vem avisando o regulador, que insiste em se omitir nestes temas.

Opinião de André de Seixas, diretor-presidente da Usuport-RJ

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