Qual o perfil do advogado que atua no mercado marítimo e portuário, suas competências e habilidades?
Antes de responder a essa pergunta, ressaltamos o potencial do advogado brasileiro atuar no mercado marítimo e portuário que tem à sua frente um cenário muito promissor: o Brasil ocupa posição de destaque na economia mundial e 95% do comércio exterior brasileiro se realiza pela via aquaviária e passa pelos portos brasileiros.
No entanto, trata-se de ambiente institucional complexo. que não oferece segurança jurídica e que envolve infraestrutura nacional precária. Essas são algumas das dificuldades para atuar nesse setor, com escassez de profissionais qualificados suficientemente para produzir, interpretar e aplicar o direito de maneira adequada, como deveriam fazer.
No que tange à falta de segurança jurídica, tem-se que raramente o profissional poderá oferecer soluções prontas e definitivas, mormente quando se lida com práticas de governos em diversas esferas, ou ainda com os conflitos de normas e regulamentos. Apesar da criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq e da edição de normas infraconstitucionais que regulam o setor de transportes aquaviários, como a que ordena o tráfego aquaviário (Lei 9.432/97) e a Lei dos Portos, observa-se, ainda, grande insegurança jurídica entre os agentes econômicos que fazem uso de navios e portos, bem como os que se submetem ao controle aduaneiro da Receita Federal.
O profissional deve saber interligar disciplinas, como Direito Marítimo, Portuário, Aduaneiro, Comercio Exterior e Regulatório dos Transportes, que têm características próprias e importantes e não podem se dissociar. Abrangem desde a regulação e o licenciamento, a praticamente todos os setores que acompanham o crescimento da atividade econômica do País.
Por sua vez, no aspecto da infraestrutura, para se ter ideia, sequer 1% desse mercado é atendido por empresas nacionais de navegação. O País não possui frota mercante à altura da sua economia, algo que, por si só, é uma dificuldade para o profissional brasileiro do direito ingressar na área. E soma-se a essa carência de infraestrutura nacional, o aspecto de que o Estado participa no domínio econômico (regulação) com diversas autoridades intervenientes.
Somente no transporte aquaviário e nos portos brasileiros, atuam cerca de trinta autoridades intervenientes, das três esferas de governo, dentre as quais: Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), SEP (Secretaria Especial de Portos), Receita Federal, Marinha do Brasil, IBAMA, Tribunal de Contas da União, Polícia Federal, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Secretarias Estaduais da Fazenda.
Assim, para o aperfeiçoamento do Direito Marítimo e da regulação de transportes no Brasil e construção de um Direito Marítimo revigorado, autônomo e dialético, o profissional deve defender sobretudo os interesses dos usuários dos serviços, destinatários principais das políticas de transporte, e das empresas de navegação brasileiras. Ao mesmo tempo, estimular a economia, de forma sustentável, por meio da iniciativa privada dos agentes econômicos do setor de transporte brasileiro, e proteger os interesses do País, que tem grande dependência de navios de outras bandeiras.
O profissional deve ter como base que o Direito Marítimo brasileiro deve ser republicano e preservar os princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, (art. 1º, I a IV, da CF/88), especialmente das micro, pequenas e médias empresas, pela sua grande vulnerabilidade no setor de transportes, especialmente o marítimo. Muitas vezes terá que se posicionar de maneira crítica a normas internacionais adaptadas ao nosso ordenamento para atender interesses econômicos de países que exploram o transporte marítimo, mas não recepcionada com base na ordem pública pátria, em especial naquilo que contraria os interesses dos usuários e empresas de navegação brasileiras.
Toda a gama de atividades que orienta o setor marítimo e portuário de maneira especializada e autônoma é evidentemente de grande potencial. A advocacia tem excelente campo para desenvolver ao interagir de maneira mais intensa possível com a amplitude da circulação de mercadorias em escala global, principalmente nos segmentos de carga geral e de petróleo, no agronegócio e nos serviços de turismo e lazer.
Uma das dificuldades apontadas é a carência de ensino jurídico especializado no País, com a falta de professores qualificados para ministrar disciplinas que regulam o setor e de pesquisadores para fazer produção científica de qualidade, com o objetivo de desenvolver as indústrias marítimas (transporte), portuária e da construção naval.
Para desenvolver tais habilidades, é necessário prestar um bom serviço dentro do balizamento legal vigente. Sempre bom lembrar, que Direito Marítimo possui, inclusive, em face da sua relevância, assento constitucional (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988). Essa área de concentração do campo jurídico é cada vez mais significativa e requisitada pelo mercado, sobretudo temas de contexto administrativo, elaboração e revisão de contratos ou ainda em questões ambientais.
Pode-se afirmar, portanto, que o aumento do comércio exterior brasileiro é um processo disruptivo não muito bem ordenado e que conta com infraestrutura logística que enfrenta gargalos, é precária, e carece de investimentos necessários para a promoção da eficiência no setor. A atuação profissional se dá em ambiente institucional com diversas autoridades intervenientes, barreiras regulatórias em escala na circulação de mercadorias, e um dos elementos estratégicos é pessoal qualificado para prestar juridicidade adequada e eficaz.
A fim de melhor compreensão do tema, primeiramente, essencial a compreensão dos conceitos de “direito custo” e “direito prevenção”. Via de regra, o Direito hodierno é no sentido de se evitar judicialização e promover competência específica de negociação, que atenua o impacto das normas e das regras de direito no custo dos produtos e serviços.
Advocacia que se exige nessa área não pode ser estritamente contenciosa, pois a clientela necessita de advogados que considerem prioritariamente o mercado portuário como ambiente de negócios que é, consistente em proprietários de cargas, empresas portuárias e toda a dinâmica dos negócios envolvidos.
O advogado contencioso puro é o advogado à moda antiga que tem dificuldades em compreender a essência do melhor interesse dos clientes, não tem percepção para o as finanças, o business, ele só sabe atuar dentro do processo e falar com o juiz e com o promotor. Pessoas que tecnicamente falando são excelentes, mas que não tem traquejo muito bom para negociação e não funcionam bem nesse mercado de Direito Marítimo. Exige-se do profissional espírito investigativo e inovador, ser diplomático, determinado, sistêmico, precisa ter habilidades de advocacia contenciosa, mas também considerar a advocacia consultiva como uma das principais ferramentas.
O cliente precisa entender que os custos dos honorários são investimentos e não ônus. É um mercado extremamente complexo, específico, em que detalhes podem fazer a diferença na competitividade e na lucratividade da empresa. Então, o profissional deve ter visão abrangente. Não basta conhecer só de Direito, precisa de um panorama interdisciplinar, relacionar-se com Comércio Exterior. Ter visão sistêmica de como são firmadas as operações principalmente no mercado de fretes, no comércio internacional de mercadorias e transporte.
Desenvolver network é indispensável, porque parcerias nessa área são fundamentais. Deste modo, entre as inúmeras competências e habilidades que devem ser orientadas e desenvolvidas para a formação de um advogado marítimo são, principalmente: a inovação (criação de novas ideias e alternativas), apresentar comprometimento com os processos e clientes, conhecer os processos, habilidades de aparente solução e, fundamentalmente, saber negociar e precificar o valor dos serviços prestados. Também merece atenção ser flexível, ter criatividade, desenvolver capacidade de trabalhar em equipe, conectar-se e interagir. Por fim, ter pensamento crítico, liderança; inteligência emocional e, sobretudo, capacidade de resiliência ao enfrentar crises.
O advogado deve propiciar ao seu cliente ferramentas de tomada de decisão consciente dos riscos que envolvem as circunstâncias dessas decisões tomadas. Estar atento e plenamente atualizado acerca dos efeitos econômicos das normas vigentes sobre a atividade empresarial e como as obrigações decorrentes dessas normas impactam os custos dos produtos e serviços.
Os desafios para os advogados são, portanto, inúmeros. Para se capacitar e desenvolver essas competências e habilidades é necessário preparo para a segurança no exercício da advocacia.
A busca da maior segurança jurídica envolve profissionalismo bem formado, ética, estratégia, bons pesquisadores, para desenvolver teses amparadas em referenciais teóricos consistentes. Além, é claro, de boa redação, argumentação e tecnicidade desenvolvida com nível de excelência. Escrita fluida, de fácil compreensão, que considere principalmente a gestão de riscos, o direito custo e a prevenção.
TÉRCIO NEVES ALMEIDA
Advogado e engenheiro civil, mestre em Direito da Saúde, especializado em Gestão Empresarial (UNISANTOS), pós-graduado em Relações Internacionais (NUPRI/USP) e MBA Gestão Portuária (POLI/USP). Atua nas áreas de Fomento Mercantil, Recuperação de Créditos, Contratos, Recuperação Judicial e Falência, Direito do Consumidor e Propriedade Intelectual, Direito Civil, Previdenciário e Criminal. É sócio do site Portogente.