Editorial | Coluna Dia a Dia
Portogente
De vez em quando, os ventos mudam de lado, ainda mais quando há uma trombeta soando nos ares (vejam o significado popular da palavra ‘trump’ na língua inglesa, vai além do instrumento musical). Então, o que era para ser um canal dos EUA em seu quintal latino pode terminar como nova travessia estratégica centro-americana da China.
O valor do projeto, míseros US$ 65 bilhões, pode virar ninharia diante da importância geopolítica para os asiáticos dessa futura passagem interoceânica. Até a importância de portos brasileiros como o de Santos pode ser alterada (para menos). Abaixo, veremos como.
Planejado desde o século XIX, esquecido em 1914 com a opção ianque pelo canal do Panamá, ampliado de 248 para 445 km por questões ambientais, morto em 2018 com as dificuldades financeiras da construtora chinesa HKND e enterrado em maio de 2023 pelo governo nicaraguense, o projeto voltou à baila em 2025 com o afã chinês em criar rotas bioceânicas que não dependam dos humores do Tio Sam. E com o interesse da Nicarágua em 2024, num novo traçado que evitaria criticados danos ambientais.
Veja mais: Projeto do Canal e Desenvolvimento da Nicarágua - Wikipédia/EN-(traduzido)
Dentro da ideia da ‘Nova Rota da Seda’ – um megacinturão de transporte multimodal de cargas que atravessa a América do Sul e economiza uns 20 mil km na ligação com a China, todas as alternativas estão em jogo, desde a ferrovia do litoral brasileiro até o porto sino-peruano de Chankay, até a rodovia desde Santos, passando por Paraguai (com mais de 180 novas indústrias brasilguaias no caminho...) e Chile.
Aliás, nunca se descarte sumariamente rotas como a passagem pelo Ártico e a tradicional de Fernão de Magalhães pelo sul do território sulamericano...
Veja mais: Nicaragua Canal Project Description - 5/1/2015 - HKND Group (WebArchive)
As opções de leitura permitem aprofundar o tema. O projeto inicial consegue ser mais antigo que o do túnel Santos-Guarujá e do aeroporto da Baixada Santista. A diferença é que Trump reassumiu o cargo de xerife do mundo e seus concorrentes abriram os olhos para o perigo geopolítico, tratando de rever opções e correr contra o tempo, até porque (avaliando o perigo de não agir rápido) o valor do investimento se torna irrelevante.
Veja mais: O Plano da China para Transformar a América Central - Capital Financeiro/Youtube, 31/3/2023
É neste ponto que estamos. Cada movimento no cenário é cuidadosamente analisado. As belonaves estão no tal Golfo Americano do México e mais ao sul, supostamente para combater narcotraficantes venezuelanos.
O jogo de cena esconde o interesse americano em controlar, na verdade, o petróleo venezuelano e fincar uma base melhor para servir de ‘referência’ aos governos sulamericanos (entendido?).
Trump até agradece o convite dos infames que gostariam de estender a briga e prejudicar o Brasil, mas está até se mostrando mais maduro no trato desse assunto (leitor, desculpe o trocadilho infame...)
Veja mais: Nicarágua cancela plano chinês para canal controverso 10 anos depois - The Guardian-UK, 8/5/2024
A instabilidade política peruana (comentada recentemente neste espaço), as confusões colombiana e venezuelana, a instabilidade econômica argentina, as milícias e os ‘comandos’ brasileiros e até a velocidade com que avançam os projetos de expansão no porto de Santos são pesadas em balanças chinesas, podendo reduzir/desencorajar investimentos na América do Sul. Ou não.
Seria este um objetivo de Trump ao tensionar relações e desestabilizar a região? E a revitalização do interesse pelo canal da Nicarágua seria um efeito colateral indesejado pelo xerife, uma espécie de contramedida sendo estudada pelos chineses? Como diria o Garrincha: combinaram com os russos? A ver.
Veja mais: O Projeto de US$ 64 bilhões para Substituir o Canal do Panamá - Construction Time/Youtube, 4/2/2025
Cenário atual lembra Tio Sam num cartum de 1895 do Minneapolis Tribune
Imagem: Inteligência Artificial CoPilot sobre cartum em domínio público na Wikipédia








