O WebSummit Nova Abertura dos Portos consultou o ex-superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), Daniel Lúcio Oliveira de Souza, e agora publica a visão do entrevistado, que considera "falido" o atual modelo de administração dos portos e lamenta o distanciamento do "modelo da saudosa Portobras". Apesar de ter exercido cargo no sistema em que critica, Daniel Lúcio diz que não existe "um sistema portuário brasileiro, e sim um arquipélago de portos, muitos com delegação de gestão a municípios e estados". "A ingerência política e a corrupção ainda são mazelas com esse modelo", lamenta.
Daniel Lúcio em atividade na Appa - Foto: Portos do Paraná
Leia também
* Regionalização dos portos pode ser a propulsora de novo ciclo econômico para o Brasil
* Membro do Consad da CDP defende autonomia para os CAPs e seleção interna para diretores
* Descentralização do Porto de Santos é fundamental
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Portogente - É desejável implantar a regionalização dos portos entendida como descentralização e autonomia das administrações dos portos do sistema portuário nacional? Por quê?
Daniel Lúcio Oliveira de Souza - Primeiramente gostaria de dizer que sou a favor da centralização, mas de forma descentralizada. Como isso é possível? Afinal, parece contraditório. Explico: toda legislação portuária brasileira é federal e regulamentada pela Antaq. Portanto, nenhum espaço do marco legal sobra para outros entes federados. Sempre me agradou o modelo da saudosa Portobras, extinta em 1990 no Governo Collor. Naquela época foram implantados os corredores de exportação de grãos. Tínhamos as dragagens gerenciadas e realizadas pelo governo federal. Hoje, esse é o gargalo de muitos portos brasileiros. Não temos ainda um sistema portuário brasileiro e sim um arquipélago de portos, muitos com delegação de gestão a municípios e estados. A ingerência política e a corrupção ainda são mazelas com esse modelo.
Portogente - Como foi sua experiência à frente dos portos paranaenses, controlados pela esfera estadual?
Daniel Lúcio Oliveira de Souza - Foi uma experiência gratificante, pois mostrou para mim a dificuldade do administrador mover-se num emaranhado legal difuso. Dou exemplos: as licenças ambientais para dragar ou fazer obras eram questionadas pelo Ministério Público Federal (MPF) quando emitidas pelo órgão ambiental estadual. Uma luta insana pra fazer a gestão portuária andar. Fui comissionado nomeado pelo governador Roberto Requião, que sempre teve uma visão estadual independente e séria sobre o porto paranaense, mas mesmo assim, no dia-a-dia da gestão, lidando com tribunal de contas estadual, Antaq, SEP, TCU e uma variedade de órgãos intervenientes, aprendi que a pulverização e sobreposição de autoridades dificultam e entravam uma administração portuária. Esse foi meu grande aprendizado.
Portogente - Deve ser alterada a forma de seleção dos executivos da alta direção dos portos, hoje centralizada no Governo Federal?
Daniel Lúcio Oliveira de Souza - Se fizermos um benchmarking com os portos de alta performance no mundo, veremos que muitos modelos de sucesso podem ser parâmetros para o Brasil. Em Roterdã, na Holanda, por exemplo, os gestores obrigatoriamente têm que possuir notório saber e expertise na área de logística portuária. A gestão tem forte governança e permanente com baixa influência política, com conselhos de administração compostos pela comunidade empresarial, o município e o governo central. Mas são conselhos com poderes, e não os decorativos Conselhos de Autoridade Portuária (CAPS) que nada podem fazer contra uma estrutura piramidal autocrática. Não gosto da discussão em cima do "executivo" que vai presidir o Porto, mas sim dos pré-requisitos profissionais e do modelo de gestão.
Portogente - Como deve ser estabelecida a duração do mandato de uma diretoria de Autoridade Portuária? A permanência dos diretores deve ser condicionada ao cumprimento de metas?
Daniel Lúcio Oliveira de Souza - Como afirmei anteriormente, tudo começa com um novo modelo. O atual é falido desde os anos 1990. A Lei 8.630/1993 aprimorou alguns aspectos, mas não mexeu na qualidade da delegação a estados e municípios, que é ineficiente como já frisei. Mas, se queremos melhorar o marco regulatório da gestão portuária dos portos do País, comecemos pelo fim das indicações políticas sem o devido currículo por competência dos diretores. O saber logístico alinhado com a macrologística nacional é fundamental. As metas de custos e performance devem ser estabelecidas por um CAP forte e com poder deliberativo sobre os diretores-executivos. Um bom começo é admitir que as indicações de diretores sejam do delegatário do Porto, mas a aprovação dos nomes e as metas da gestão local devem ser responsabilidade da governança, que poderá ser auxiliada pelos CAPs com um novo poder legal.