O segundo aspecto da questão ésobre a natureza que informa o contrato de fretamento. O contrato,genericamente, é o ato jurídico, em virtude do qual duas ou mais pessoas seobrigam, por consentimento recíproco, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa; ouse constitui no acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar,transferir, modificar ou extinguir direitos (art. 81, do Código Civil).
À luz desses princípiosgerais, forma-se o contrato de utilização do navio, sendo o elemento essencialdo negócio jurídico a manifestação da vontade comum das partes. Os instrumentoscontratuais devem, necessariamente, refletir a expressa intenção dessas partes epor isso mesmo ser empregados termos próprios, dentro dos usos e costumesmarítimos. O art. 566, do Código Comercial, trata da natureza e forma docontrato de fretamento e das cartas-partidas.
O Código Comercial só serefere ao contrato de fretamento, que consiste no ato jurídico de dar o navio afrete através da carta-partida ou carta de fretamento, instrumento escrito queestabelece os termos e as condições contratuais entre fretador e afretador.
Muito embora faça distinçãoentre os instrumentos contratuais – carta de fretamento e conhecimento – oCódigo se reporta claramente, apenas, ao contrato de fretamento por viagem,misturando, portanto, as noções jurídicas de instrumento e negócio.
O instrumento é o ato jurídicoreduzido a escrito, em forma apropriada, com o fim de constituir um documentoque o torne concreto, autêntico, provável e oponível contra terceiros.
O negócio jurídico é adeclaração da vontade tendo por objeto lícito e imediato adquirir, resguardar,transferir, modificar ou extinguir direitos.
Atualmente, os navios operamem grande número entre os portos do mundo todo. Embarcam e desembarcammercadorias seguindo a imposição do load factor, que é a estimativa delucro nas operações de carga e descarga de mercadorias em número e volumesuficientes que compensem o exercício do navio. Todos os novos empreendimentos eas novas formas de atividades não foram devidamente acompanhados pelos códigoscomerciais, então conhecidos, cujos textos regulavam apenas o tipo tradicionaldo fretamento por viagem.
Essas operações diferentestiveram sua origem concreta e imediata no aparecimento dos navios tramps– que aceitavam carga para qualquer parte, por qualquer tempo, sem plano fixo deida-e-volta, sem tabela fixa de frete; e dos navios liners – pertencentesa Conferências de Fretes, empresas de linhas regulares, com percurso certo,horários e rotas determinadas e obedecendo fretes tabelados. Tanto um como outrotipo de atividade criou novas modalidades de transações comerciais, exigindonovos diplomas legais e tipos de contratos diferentes. Por isso, quando osvelhos Códigos (ainda não reformados) pretendem disciplinar as operaçõesinerentes à navegação e transporte marítimo, o fretamento se torna um contratovago e indefinido.
O contrato de fretamento é,nestas circunstâncias, o ato jurídico pelo qual o contratante, denominadofretador, percebe de seu co-contratante, chamado afretador, uma soma dedinheiro, conhecido por frete, em contraprestação de um certo serviço que eledeve fazer por meio do seu navio. No fundo o fretamento é o contrato pelo qual ofretador se obriga, em retribuição do frete combinado, a pôr à disposição doafretador um navio em bom estado de navegabilidade e, algumas vezes, a manterneste bom estado, durante a execução do contrato.
O fretamento parcial, de quefala o Código, é impraticável hoje em dia porque nas relações entre partestorna-se difícil a divisão de gestão náutica, o que não acontece com ofretamento total. O contrato de transporte marítimo de carga é, na suaconstrução obrigacional, diferente do contrato de fretamento. Aqui se trata dequem vai assumir a obrigação de resultado, que é a de transportar a mercadoriapor via marítima do lugar do embarque para o lugar do destino.
Na arquitetura dos institutosobrigacionais, a prestação é de interesse primordial. Resumindo ascaracterísticas essenciais, temos:
a) o fretador cede o navio aoafretador, que tomará posse e controle para o emprego ou exercício comercial,conforme o contrato. O navio ficará sob a responsabilidade do afretador e asobrigações decorrem das cláusulas contratuais, de acordo com as modalidades defretamento. Por exemplo, a modalidade de fretamento a casco nu é diferente dofretamento por tempo. No primeiro, a obrigação de dar o navio é do afretador,que conservará a gestão náutica e comercial; no segundo o navio é armado eequipado pelo fretador, que conservará a gestão náutica.
b) a qualificação do contratose determina pela natureza e extensão das obrigações assumidas pelas partes enão pelo gênero da prova ou, ainda, por uma descrição econômica (transporte demercadorias de um lugar para outro) e por um critério de indicação de grandeza(carga total ou parcial). Neste sentido, entra em consideração a figura do navionão apenas como bem jurídico, mas também visto no processo econômico como fatorde produtividade industrial, seja na prestação direta dos serviços detransportes, seja através do setor organizado da atividade econômica danavegação (construção e engenharia naval, gestão do navio, administração dosportos e infra-estrutura marítima).
Diante dessa complexidade defatores intervenientes é que se torna difícil, nos dias de hoje, a colocaçãoexata do fretamento total dentro do antigo instituto da locação. O problema todoque se apresenta é, nas diversas circunstâncias negociais, estabelecer a nítidaseparação do instituto da locação, regido pelo direito civil, e o instituto dofretamento, ordenado pelo direito comercial.