Sexta, 13 Setembro 2024
 
Da parede aoporão, o dia de um estivador
[A Tribuna (SP) - 27/09/2005]
 

Sexta-feira, dia 23 de setembro, 6h30. A primeira manhãde primavera mal começou. O comércio do centro ainda dorme. Mas LuizMoreira Guimarães, 65 anos, já está a todo vapor para mais um dia detrabalho como estivador no Porto de Santos. É tudo o que sabe — egosta — de fazer. Há ‘‘mais ou menos 50 e poucos anos’’, explica,como que perdendo a conta. ‘‘Todo mundo na minha família eraestivador. E tenho um filho que também é. O outro é militar’’.

A conversa é travada num dos terrenos das três‘‘paredes’’ do cais santista, termo para designar o local onde otrabalho é distribuído entre os cerca de 3.400 estivadores que aindaestão na ativa — Guimarães incluído na lista. Orgulhoso, mostra acarteira com o número 8, indicando ter sido um dos primeiros nouniverso de milhares.

A ‘‘parede’’, que começa dali a 15 minutos, ficanas proximidades do Armazém 11, no Paquetá, onde geralmente sãooferecidos os trabalhos nos navios de açúcar. A cada dois dias dasemana os estivadores têm, obrigatoriamente, de mudar o ponto deescala, de tal forma que todos atuem nos diversos tipos de operação(de contêineres, de granéis químicos, por exemplo) do Porto deSantos.

Os trabalhadores começam a chegar, somente umaminoria vem de automóvel. A maioria tem moto, mais acessível aobolso do estivador, acostumado com uma média salarial mensal de R$1.850,00. ‘‘O sonho de todo estivador é ter um carro’’, destaca oprimeiro-secretário do Sindicato da Estiva, João Barbosa Soares.

Por ter sido chamado para trabalhar por umperíodo de seis horas, o estivador recebe R$ 30,00, faça chuva oufaça sol. ‘‘Mesmo que quebre alguma coisa no navio que impeça onosso trabalho, ganhamos os R$ 30,00’’, explicou Soares.

Caso haja um excedente de produção durante otrabalho, o ganho passa a ser correspondente à tonelagem embarcada.Vem daí o senso comum de que trabalhar com contêiner dá mais lucro.De fato.

Mas, a despeito disso, Soares explica que otrabalho no açúcar é um dos mais procurados por ser, nos diasatuais, um dos mais genuínos. É ali que se faz propriamente aestivagem (arrumação) da carga.

No caso do açúcar ensacado, são dois homenscarregando a saca e acomodando-a no porão de um navio. Não raro, oaçúcar escorre, um ou outro saco fura, a carga, exposta ao sol, seaquece e o cheiro toma conta do navio, podendo ser sentido mesmo porquem passa de carro ao largo da embarcação atracada, na viaportuária.

Já com o contêiner o trabalho é mais impessoal,asséptico — arrumam-se os cofres sem saber o que há dentro. Asensação é traduzida por Soares: ‘‘o açúcar tem aquele romantismo doporto de antigamente. A essência da estivagem foi absorvida pelomecanismo do contêiner’’.

Cena

Quando batem as 6h45 começa a distribuição dostrabalhos. A memorável cena em que os estivadores erguem os braçoscom a carteira de trabalho em riste, duelando entre si para ser oescolhido pelo mestre (que também é um estivador), ainda permanece,enquadrada às devidas proporções.

Apesar da Lei de Modernização dos Portos(8.630/1993) implantar um rodízio, em que todos os trabalhadoresavulsos são escalados — o que não acontecia antes, daí o ‘‘duelo’’—, há hoje uma competição para participar do terno (composto por 13homens, no caso do açúcar) supostamente mais forte ou onde haja maisamigos, indiretamente mantendo a antiga tradição.

A diferença fundamental, explica Soares, é que naépoca anterior à Lei, o mestre escolhia os trabalhadores. E hoje éao contrário. Os trabalhadores é que se oferecem para atuar nesse ounaquele navio.

Feita a escala, os grupos seguem para a zonaprimária do cais, onde estão atracados os navios. Em poucos minutos,o terreno onde a parede acabara de ser feita fica vazio. Mais um diade trabalho está começando.

Trabalhadores debatem segurança a bordo

Da Reportagem

No porto, muita gente ainda lembra ou conhece ahistória do navio Ais Giorgis, que em 1974 explodiu e hoje tem seusrestos afundados no estuário. Mas o sindicalista João Barbosa Soarestem uma lembrança especialmente particular do episódio.

Em 8 de janeiro daquele ano, então com 20 anos,Soares estivava a carga em um dos porões da embarcação de produtosquímicos, que estava atracada no cais do Armazém 32 da margemdireita (Santos), quando um dos tambores explodiu.
O fogo se alastrou mas a notícia demorou a chegar ao local ondeestava o hoje primeiro-secretário do Sindicato da Estiva. Quando elee os companheiros que estavam no porão descobriram, era tarde.

‘‘O navio estava em chamas e a escada estavaobstruída. Tive de me jogar para o cais. Foram cinco metros dealtura. Um amigo se jogou no mar para se salvar’’, recordou. Umoutro morreu.

‘‘Este era da Cipa (Comissão Interna de Prevençãode Acidentes) das Docas’’, disse. Ele teria sido o último a tentarsair da embarcação.

A segurança sempre foi um tema controverso nahistória do porto. Ainda hoje, surpreende trabalhadores e asautoridades responsáveis pela fiscalização das embarcações. Para opresidente do Sindicato da Estiva, Rodnei Oliveira da Silva, amodernização do porto ocorreu só em relação aos equipamentosportuários. ‘‘Não houve investimento no homem. Para o estivador, nãohouve melhorias. Principalmente em relação à qualificação. Hojetemos uma lentidão muito grande na realização de cursos práticos deatualização. 90% deles são teóricos’’, revelou.

Em relação à segurança do trabalho, Nei (como osindicalista é conhecido no cais) é especialmente crítico. ‘‘Arigor, todo o navio que escala no porto tem de ser fiscalizado. Masisso acontece mais quando fazemos alguma denúncia. Na maioria dasvezes operamos em más condições’’, afirmou.

O estivador Givaldo França Matos, com 27 anos deprofissão, sabe bem disso. Na semana passada, a bordo de umaçucareiro, criticava as condições da catarina (peça do guindastepor onde passam os cabos), que, segundo ele, estava sem óleo egraxa. ‘‘Se isso solta, morremos todos nós aqui’’, afirmou.

Segundo a Marinha, uma das autoridades que têm deentrar a bordo para vistoriar os navios, são visitadas cerca de 15%a 20% das 30 embarcações que chegam a Santos diariamente.

Em relação à utilização do equipamento desegurança, o presidente do Sindicato afirma ser difícil para otrabalhor fazer uso dele uma vez que não há vestiário para oportuário se trocar.

Cenas e sustos no carregamento

Da Reportagem - Para um ‘‘marinheiro de primeiraviagem’’, a chegada a um navio pode ser assustadora. Ainda mais se aembarcação estiver vazia, com os porões abertos, prestes a ter asmercadorias embarcadas. Como é o caso de um açucareiro de grandesdimensões.

Os estivadores descem aos porões por umaescadaria dentro de um tubo. São cerca de 30 metros de alturacontados a partir do convés do navio (mais ou menos o equivalente aum prédio de três andares).

Lá embaixo, os trabalhadores de Bloco — uma entreas diversas categorias que atuam no porto — forram o chão com umpapelão, preparando o piso para a chegada da carga. O trabalhoportuário é todo feito em equipe.

Os estivadores entram em cena para manusear alingada de açúcar (várias sacas da mercadoria unidas por cabossuspensos pelo guindaste) feita pelos trabalhadores de capatazia(antigos doqueiros), uma espécie de ‘‘estivadores de terra’’.
‘‘Pô, Sidnei, 30 anos de cais e não aprende’’, grita o doqueiroFábio, brincando com o companheiro, que não teria amarrado bem assacas de açúcar para a suspensão do conjunto ainda no cais.

Reparação feita, a cena que se segue é digna defoto. A lingada é içada pelo operador de guindaste do lado de terrae lentamente deslocada para o lado de mar, descendo em seguida até ofundo do porão, onde estão os estivadores. ‘‘Isso aqui é fascinante.Quem bebe dessa água não esquece’’, explica o primeiro-secretário doSindicato da Estiva, João Barbosa Soares. As roupas de trabalho sãoum capítulo à parte. O que se observa hoje no porão difere em muitoda ”moda” dos idos anos 30, quando, conforme pode ser atestado nagaleria de fotos na sede do Sindicato da Estiva, o antológicoNavalhada — combativo estivador, ícone da categoria — apareciatrajando terno, gravata borboleta e chapéu para trabalhar. Igual aele, havia muitos. ‘‘Lógico que conforme a operação começava, elesiam tirando os apetrechos’’, explica Soares. ‘‘Mas o estivador eramuito vaidoso, sim’’, completou. Pudera. Naquela época, a categoriaera uma das que melhor recebiam no porto. Hoje, relegando osequipamentos de proteção (que consistem em luva, macacão ecapacete), os trabalhadores usam, via de regra, bermuda e camiseta.Quando o sol está a pino, apenas bermuda. Mas quando o calor sufoca,só cueca.

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