Sábado, 23 Novembro 2024

Aos 57 anos de idade, o engenheiro naval Mauro Santos Salgado será homenageado com o prêmio Personalidade PortoGente 2006  no próximo dia 30, às 18h30, na Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos. A homenagem é concedida aos que se destacaram no meio portuário por seu espírito empreendedor voltado para o aspecto humanitário.

 

Salgado preside o Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp) e a Libra Terminais. Carioca e há oito anos vivendo com a esposa Ângela em Santos, Mauro comanda um dos principais terminais de contêineres do país. Aos 20 anos, iniciou o estágio no estaleiro Ishikawajima do Brasil (Ishibrás), de origem japonesa, no Rio de Janeiro e por lá ficou duas décadas. Aprendeu o estilo japonês de comandar e trouxe na bagagem profissional a disciplina e paciência oriental.

 

Em entrevista ao PortoGente, Mauro Salgado revelou lembranças da sua juventude, a filosofia adotada na Libra Terminais e passagens emocionantes da sua vida.

 

PortoGente: O sr. começou sua vida profissional estagiando num estaleiro japonês e por lá ficou durante 20 anos. Como foi esse período?

Mauro Salgado – Foi uma experiência muito boa. Entrei como estagiário e saí como diretor. Mais da metade desse tempo que fiquei no estaleiro, minha atividade era produção. Na verdade no início eu comecei construindo andaime. Era uma atividade bastante pesada. O japonês faz com que quem está aprendendo saiba pelo menos alguma atividade com mais profundidade, como um operário. Eu tive chance de passar por vários setores. Inclusive trabalhando no Brasil e no exterior. Trabalhei no Japão por quase um ano ainda no início da carreira.

 

PortoGente - O sr. foi responsável pela construção de 75 navios. Era realmente o último a olhar os navios antes de serem lançados ao mar?  

Salgado - Na verdade, eu fazia questão de sempre que o navio ia ser lançado ao mar, inspecionar se os buracos do casco do navio estavam todos fechados e outras coisas mais. Quando as pessoas diziam está tudo pronto, tudo ok, eu fazia questão de ver se realmente estava tudo pronto. Levava de meia a uma hora para olhar tudo, para ter certeza de que não havia nenhum problema. Nunca aconteceu de precisar adiar um lançamento.

 

PortoGente – O sr. já reencontrou um de seus navios?

Salgado – Muitos deles passam na minha frente por aqui. Alguns operam aqui dentro do terminal da Libra. É uma grande emoção.

 

PortoGente - O convívio com os japoneses deve ter lhe trazido uma referência muito boa de liderança. O que aprendeu com os orientais?

Salgado – Eles são muito disciplinados. Os japoneses têm uma forma de ver o trabalho muito interessante. No início da vida profissional existe um japonês mais velho que “apadrinha” um novato. Não é o chefe. Existe a hierarquia formal que é respeitada, mas existe a figura do padrinho que é aquele que vai olhar com mais cuidado o iniciante. O chefe aperta, exige, orienta, mas é chefe. O que ele diz tá falado. Mas já uma terceira pessoa com mais experiência pode dar orientações diferentes daquelas que o chefe está dando, só que sem pressão. Isso é um ponto interessante da cultura japonesa. Outra coisa interessante é que o japonês é disciplinado e ponto. Ele tem isso como uma doutrina. E essa disciplina não impede o japonês de contestar o chefe. Disciplina é uma coisa, submissão é outra. O japonês não é submisso. Japonês é disciplinado. A cultura japonesa exige que o subordinado provoque positivamente, instigue o chefe. E isso funciona bem. O chefe japonês se sente o tempo todo contestado, vigiado pelo subordinado. Ele está o tempo todo preocupado se está sendo coerente.

 

PortoGente – E essa forma de trabalho funciona?

Salgado – Alguns, às vezes, criticam por tornar as empresas japonesas morosas. Diz-se que os japoneses levam dois anos para tomar uma decisão e dois dias para executar. E que os ocidentais levam dois dias para tomar uma decisão e dois anos para executar.

 

PortoGente – E o sr. adota essa filosofia hoje como um executivo?

Salgado - A minha esposa fala brincando que eu fui criado por japoneses. Quando a gente é criado numa cultura dessa, você não consegue abandonar e nem faria sentido nenhum já que tem aspectos muito positivos. Eu acho que disciplina é ouvir. Uma postura que eu trouxe dessa experiência com os japoneses foi aprender a ouvir. Acho que realmente eu aprendi a ouvir. Eu acho que para o chefe, para o gerente, para o supervisor e mesmo para quem não tem nenhum subordinado, mas trabalha em equipe, ouvir é mais importante do que falar.  

 

PortoGente – Quais características fizeram com que o sr. alcançasse o cargo de diretor do estaleiro no meio de tantos japoneses?

Salgado – A evolução na vida profissional tem muito a ver com o momento, com o seu perfil estar adequado àquilo que a empresa precisa no momento. Como eu trabalhava numa empresa muito grande, isso foi um fato que me favoreceu. Existiam várias áreas que podiam se adequar ao perfil dos trabalhadores. No meu comportamento eu posso citar coisas que fiz por convicção, que na época eu não sabia se estava certo. Mas hoje eu acho que estava certo. Por exemplo, japoneses são muito exigentes no trabalho. Eu sempre procurei entregar mais do que me exigiam. Sempre procurei fazer mais do que era esperado de mim. Nem sempre conseguia, mas tentava. Outro aspecto importante na minha vida profissional foi nunca pedir um aumento de salário. O que eu dizia era que eu queria mais oportunidades, mais trabalho. Hoje parece tão lógico, mas na época eu ficava em dúvida, porque os outros colegas diziam que eu era louco, trabalhava muito e não ganhava tanto. Hoje eu acho que essas duas posturas são a chave para você conseguir um bom resultado.

 

PortoGente – Qual é o perfil ideal do trabalhador?

Salgado – Quando a empresa está no início da atividade, você precisa da potência das pessoas. Tem que fazer de qualquer jeito. Tem que fazer na raça. Mas isso não pode perdurar ao longo da vida da empresa. O que eu acho importante é que o grupo de pessoas que trabalha na empresa e a própria empresa têm que evoluir juntos. Quando há uma divergência na forma como a empresa evolui e como o grupo de pessoas evolui, você tem problemas. A Libra está em atividade em Santos há 11 anos e nós temos um grupo de pessoas que trabalha há muito tempo conosco. O que eu acho importante é que cada vez mais a empresa tenha a cara das pessoas. Nós queremos que a personalidade desse grupo seja a personalidade da empresa. Nós queremos que exista um entrosamento das duas personalidades. Deve haver uma adaptação mútua.  

 

PortoGente – Trabalhando mais de 12 horas por dia, como alivia a mente?

Salgado – Hoje em dia, com a função que eu tenho, eu trabalho o tempo todo. Os problemas são muito abrangentes, o que faz você pensar a toda hora. Quem segue pela carreia gerencial, acaba lidando cada vez mais com problemas subjetivos, de gestão de pessoas, e isso acaba fazendo com que você pense o tempo todo. Pode ser um perigo, é preciso separar de vez em quando. Gosto muito de ler livros, adoro golf, mas gosto mesmo, de fato, é de velejar. Quando morava no Rio, eu velejava quase todos os finais de semana. Quando mudei para Santos, há oito anos, pensei: agora vou velejar sempre. Até hoje, só velejei seis vezes. Eu vendi o barco no Rio para comprar um barco em Santos...mas não comprei até hoje. Eu prometo que esse ano eu vou comprar.

 

PortoGente – O que há de comum entre o Rio e Santos? O povo santista é arrogante?

Salgado – Cariocas e santistas não são arrogantes, são um pouco convencidos. Que me perdoem os paulistanos, mas cariocas e santistas têm motivos para estarem convencidos. E com toda a razão, porque eles são convencidos de que moram em cidades lindas. Com a vantagem de Santos ter uma qualidade de vida superior a do Rio no aspecto de segurança, de trânsito, e por ter esse jardim lindo que o Rio não tem.

 

PortoGente – O sr. se considera mais racional ou emocional?

Salgado – Eu tenho três defeitos sérios. Sou engenheiro, trabalhei com japoneses por 20 anos e sou virginiano. Com esses três aspectos, você nota um perfil de racionalidade muito grande. Essa racionalidade, às vezes, exagera um pouco. Mas como sou músico, toquei piano por oito anos, meu avô era maestro, tenho um outro lado. Eu gosto de rock. Comecei a tocar numa banda de rock aos 16 anos e fiquei por alguns anos (ele tocou com Renato e seus Blue Caps, acompanhou cantores e acabou ajudando a criar a banda Roupa Nova).

 

PortoGente – E os japoneses sabiam que você era roqueiro?

Salgado - Eles não sabiam, não. Eu saí da banda exatamente porque havia situações em que os funcionários diziam que tinham me visto tocando...Aí, resolvi deixar a banda.

 

PortoGente -  O que mais emociona o sr.?

Salgado - Existe uma frase de Che Guevara que diz “você tem que estar em guerra, mas parar para ver as flores”. Isso eu pratico. Durante o trabalho tem situações tão emocionais, tão bonitas. Eu aproveito essas oportunidades. 

 

PortoGente – Que boas emoções o sr. gostaria de relembrar?

Salgado – Sempre me emociona lembrar das inspeções que eu fazia. De alguma forma quando eu fazia isso, eu estava deixando um pouquinho da minha alma ali. Não podia esquecer de que todos os lançamentos de navio eram muito emocionantes. Outro momento emotivo, mais recente, foi nascimento do meu neto no mês passado. Quando nascem os filhos é um momento especial. Mas quando nasce o filho do seu filho, é um momento muito mágico. E um outro momento marcante foi quando voltei do Japão e, depois de um longo período, pisei no Brasil. Foi quando eu percebi a diferença grande entre o Rio de Janeiro e o Japão. Eu senti muito forte que eu tinha uma missão. O fato de eu voltar para o Brasil com uma carga daquela de informação me tornava responsável por ser multiplicador daquilo. Eu tinha que fazer uso de tudo o que eu aprendera.

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