Sexta, 22 Novembro 2024

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Hilda Rebello - docente na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina, especialista em gestão portuária e comércio exterior - defende a retomada da armação nacional, por meio de políticas dirigidas e uma melhor regulamentação do setor. Para ela, os portos brasileiros são competitivos, mas, apesar da movimentação e dos investimentos realizados, continuam precários e não atendem às demandas. Nesta entrevista, Rebello fala da participação da mulher no mercado de trabalho portuário.

Portogente - Como evoluiu a participação dos armadores estrangeiros no mercado nacional? E qual o impacto dessa presença na circulação de mercadorias no Brasil?
Hilda Rebello - A evolução da participação dos armadores estrangeiros no Brasil está relacionada aos investimentos realizados pela iniciativa privada nos portos brasileiros, o que levou a um melhor aparelhamento do sistema, despertando o interesse dos armadores internacionais para a movimentação de cargas. Hoje, as trocas comerciais do comércio exterior brasileiro são feitas integralmente por armadores internacionais. Entretanto, apesar dos investimentos realizados, do aumento da movimentação de contêineres no País, da presença de operadores portuários internacionais (em sua maioria os próprios armadores) e o aumento da disponibilidade de linhas e rotas, a evolução deste mercado no Brasil é inferior à média mundial. Isso se dá porque os portos brasileiros ainda são precários e não atendem às demandas dos atores econômicos e logísticos. O impacto da presença dos armadores nos portos brasileiros está relacionado à elevação da participação do Brasil no comércio internacional.

Portogente - Quais as estratégias que podem ajudar o mercado nacional a enfrentar essa competição? A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou à Antaq regular essas empresas ajuda?
Rebello - A solução, já tão propalada por especialistas do setor da navegação, seria a retomada da armação nacional, por meio de políticas voltadas ao incremento do setor. Esta é uma reivindicação antiga dos usuários da navegação. Com certeza operar nos portos brasileiros sem a devida regulamentação é abusivo, mas, por outro lado, somos dependentes da armação estrangeira no longo curso, pois não temos a nossa própria, e se apertarmos muito, corremos o risco de afastá-los de vez, o que seria um retrocesso nos avanços já conquistados.

Portogente - O Brasil tem portos competitivos?
Rebello - Se compararmos à situação em que se encontravam os portos brasileiros nos anos 1990, sucateados e sem condições de atender às demandas impostas pela abertura comercial daquela época, se pode dizer que hoje nossos portos estão mais competitivos. Entretanto se passaram cerca de 30 anos, e nos encontramos no mesmo patamar daquela época, ou seja, com 1% de participação em um comércio global que avançou muito. Os portos asiáticos invadiram a cena, vieram as novas tecnologias, os navios estão cada vez maiores e os portos brasileiros continuam engessados pelas limitações de calado, de acessos (todos) e pela falta de uma gestão profissional.

Portogente - Qual o desenho portuário atual do País em termos de preço, agilidade, produtividade, negócio, projeção internacional e modernização?
Rebello - Estudos e a realidade do dia a dia têm mostrado que o sistema portuário nacional não está bem. A despeito do avanços por conta da Lei 8.630/1993, que permitiu os investimentos da iniciativa privada nos portos, a partir de meados dos anos 2000 a modernização portuária pouco avançou. A “Nova Lei”, a 12.815, criada para dar impulso aos investimentos privados, não logrou os resultados esperados. Muito pelo contrário, tem afastado investidores interessados no segmento portuário.

As tarifas portuárias são altas tanto para os donos das cargas, quanto para os donos dos navios. A armazenagem e a movimentação nos portos e terminais possuem valores altos que oneram os donos das cargas. As tarifas de atracação e desatracação (envolvendo todo o processo de acostagem, praticagem, rebocadores, taxas federais etc.), e de movimentação pagas pelos armadores aos terminais, são altas, oneram e afastam os armadores. Se compararmos aos valores cobrados nos portos internacionais, estamos entre as tarifas mais caras do mundo, o que não nos confere competitividade.

A questão da agilidade e produtividade nas operações é imprescindível para o sucesso de um empreendimento portuário. Estes quesitos melhoraram, por conta dos terminais privativos, que investiram em tecnologia, equipamentos e qualificação da mão de obra. Hoje, alguns terminais brasileiros, figuram entre os mais produtivos, principalmente quando se considera o MPH (movimento por hora), juntamente com outros Portos/Terminais no contexto internacional.

Sobre os negócios portuários e a projeção internacional dos portos brasileiros, na minha visão, estão totalmente ligados à questão dos negócios e projeção internacional do comércio exterior brasileiro. Se o Brasil possui uma participação de cerca de 1% no comércio internacional, não se pode dizer que temos projeção. Ainda assim, arrisco dizer, que o pouco de projeção que temos, se limita à negociação de commodities.

Portanto, para que os portos brasileiros prospectem negócios e se projetem no cenário internacional, dependem dos negócios e da projeção do comércio exterior “lá fora”. Cabe ao governo criar condições para que o empresário brasileiro possa realizar negócios seguros (por meio de regras claras) e competitivos no âmbito internacional, por meio da participação em Acordos de Livre Comércio, redução tarifária, incentivos e subsídios, no sentido de, para além da movimentação de produtos básicos de baixo valor agregado, se possa movimentar também bens e serviços de valor.

Outra questão que considero relevante na questão dos negócios, é a localização geográfica do país. Estamos no eixo Sul, longe da região de maior concentração do PIB mundial (eixo Leste/Oeste), onde acontecem os negócios mais lucrativos. Isso também impacta em vários aspectos da competitividade (valor dos fretes/volume de cargas/investimentos).

Portogente - As obras nos berços 3 e 4 do Porto de Itajaí continuam paradas. Como isso afeta o desenvolvimento do Porto?
Rebello - A questão da paralisação das obras dos berços 3 e 4 tem trazido prejuízos para o porto e para a cidade. O atraso travou um projeto que havia para movimentar cargas de outros segmentos como a carga geral ou granel. Porém, os problemas do Porto de Itajaí, não se limitam apenas à questão da paralisação dos berços 3 e 4. Existe todo um contexto negativo, que tem levado à significativa redução na movimentação de cargas, gerando prejuízos ao porto e, por conseguinte, para a economia da cidade, que depende da atividade portuária. Pode-se citar como exemplo, a demora nas obras de expansão da bacia de evolução, que permitirá a atracação de navios maiores, gerando maior volume de cargas e movimentações, não só para o porto público como também para os terminais privados.

Outro entrave para o desenvolvimento do Porto de Itajaí se refere à questão da dragagem. O canal de acesso recebe muitos sedimentos, o que impacta na profundidade do canal de acesso, bacia de evolução e berços, gerando limitações para a entrada/ saída dos navios devido ao assoreamento. De uma profundidade de 11 metros que já tivemos, nos limitamos hoje a 10 metros ou menos, dependendo da área. A dragagem deveria ser permanente, mas faltam investimentos.

A questão do regime jurídico, que ampara os portos públicos e os terminais privativos, também é uma questão a ser considerada. A chamada assimetria regulatória, também impacta na performance do porto. Enquanto o Porto de Itajaí, com suas deficiências e falta de competitividade, perde linhas (serviços dos armadores), seu concorrente, um terminal privativo na margem esquerda, tem conseguido expressivos volumes de movimentação. É a lei do mercado!

Portogente - Como entende a participação das mulheres no mercado de trabalho portuário? O crescimento acontece nos postos de direção?
Rebello - Percebo um aumento significativo na participação das mulheres no mercado de trabalho portuário, principalmente nas áreas ligadas à operação. Hoje, no Brasil, a exemplo do que já acontece nos portos/terminais internacionais, é comum vermos a mão de obra feminina nas operações. Mesmo assim, isso se verifica com maior frequência nos Tecons (terminais privados, que movimentam contêineres) que possuem equipamentos modernos e caros, que não requerem tanta força física, e exigem cuidados. Aqui em Santa Catarina, os terminais Portonave e Itapoá se destacam e possuem um elevado percentual de mulheres nos seus quadros. A justificativa das empresas, é que a mão de obra feminina é mais “cuidadosa” o que gera vantagens em termos de longevidade dos equipamentos e maior produtividade.

Nos portos públicos brasileiros, o trabalho portuário, por exigir força, ainda se caracteriza como sendo um trabalho masculino. As pouquíssimas mulheres vinculadas aos OGMO’s que atuam na estiva ou capatazia, ocupam os chamados trabalhos “mais leves”, como o de conferência, por exemplo.

No que se refere aos postos de direção, mesmo nos terminais privativos, os cargos de direção, gerência e supervisão possuem homens no comando. Às
mulheres, cabem cargos relevantes, porém nas áreas de saúde, segurança, RH, financeiro, comercial entre outros.

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