Osvaldo Agripino – Advogado (UERJ, 1991), consultor em logística de comércio exterior e negócios imobiliários e Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University
O Acórdão nº. 542/2024, em denúncia da relatoria do Diretor Lima Filho, determinou o desarquivamento de processo de fiscalização extraordinária que havia sido arquivado tendo em vista que o transportador marítimo havia cancelado cobrança de detention em processo de dispute, após protocolo de denúncia de usuário na Antaq.
No citado caso, o usuário não deu causa ao atraso no depósito do contêiner no terminal, mas mesmo assim, foi cobrado pelo transportador marítimo, o que viola o marco regulatório do setor.
A decisão é relevante para inibir práticas abusivas de cobrança de serviços como demurrage, detention e armazenagem, dentre outras, por parte de alguns prestadores de serviços, dentre os quais o transportador marítimo, o agente intermediário e o operador portuário.
Isso ocorre porque em muitos casos, o prestador de serviço, confiante na certeza da impunidade, ilegalmente cobra por serviço que é proibido pela Antaq. Acredita que o usuário, se questionar a cobrança, aceitará um desconto e nunca buscará a tutela do seu direito no órgão competente.
Em alguns casos, o usuário notifica o suposto credor para que cancele a cobrança ou busca solução no sistema de dispute do prestador de serviço. Ocorre que, a falta de transparência nesse sistema de dispute, faz com que o usuário, insatisfeito, ainda, com a ineficiência e a morosidade, muitas vezes efetue denúncia na Antaq.
Surpreendido com a denúncia no órgão regulador e com o receito de punição com multa em valor superior ao da própria cobrança, o suposto credor decide, então, cancelar a cobrança e pede o arquivamento do processo de fiscalização, tal como nesse caso.
O arquivamento era a regra. Nesse caso, o usuário protocolou a denúncia na Antaq menos de um mês após a abertura do dispute.
Pois bem, mudando o entendimento anterior, que acolhia o arquivamento, sem lavratura de auto de infração e aplicação de sanção, o relatório de fiscalização deu uma guinada de 180 graus e, entendeu que, mesmo não dando causa, o usuário denunciante sofreu a cobrança constante na referida nota de débito.
Assim sendo, resta configurada a conduta da denunciada em promover a cobrança, e se trata de infração ao previsto no art. 30, inciso I, da Resolução Antaq nº 62/2021, in verbis:
Art. 30. Constituem infrações administrativas de natureza média: I - cobrar valor de sobre-estadia de contêiner referente ao prazo de livre estadia: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais);
Dessa forma, a denunciada possui legitimidade para responder a infração em tela, uma vez que o núcleo do verbo do tipo é cobrar e a nota de débito foi emitida pela mesma. Ou seja, a denunciada foi quem efetivamente promoveu a ação ensejadora da infração.
Por tais motivos, foi lavrado auto de infração com possibilidade de multa de até R$ 100 mil, quantia que pode aumentar quando o infrator é reincidente, que ainda não transitou em julgado.
Diante desse cenário, não mais cabe o argumento que o prestador tem direito ao arquivamento do processo de fiscalização quando efetua o cancelamento de cobrança.
Atuando desde muito antes da edição dos normativos que regulam os direitos e deveres dos que atuam no setor regulado pela Antaq, e crítico do seu modelo de regulação ex post, que impõe um enorme ônus probatório ao usuário, devo reconhecer a curva de aprendizagem do regulador, acredito que algumas lições podem ser consideradas nesse caso:
a) o usuário que tem a faculdade de buscar o dispute, não precisa aguardar a decisão final para que denuncie o suposto infrator na Antaq;
b) é preciso que a Antaq regule o sistema de dispute para que, ainda que facultativo ao usuário, possa garantir transparência, previsibilidade e eficiência na solução do conflito entre usuário e o prestador de serviço e
c) os prestadores de serviços não poderão mais aguardar o protocolo de denúncia da Antaq, para somente a partir do risco de sanção, efetuem o cancelamento da cobrança, com a certeza de que ficarão sem sanção, com o arquivamento.
A decisão da Antaq acima inova e contribui para reduzir o número de denúncias na Antaq, porque aumenta o seu poder dissuasório diante de práticas abusivas por parte de alguns prestadores de serviços que, decorridos quase dez anos da edição de normas que regulam os interesses da carga e dos prestadores, ironicamente, ainda acreditam na certeza da impunidade.
Dr. Osvaldo Agripino, advogado, sócio do Agripino & Ferreira www.agripinoeferreira.com.br
Pós-Doutorado em Regulação de Transportes e Portos, Kennedy School of Government, da Harvard University