Coriolano Xavier, vice-presidente de Comunicação do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS), professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM
Estava outro dia assistindo TV e vi uma notícia sobre a presença de residual químico em alguns alimentos. Um assunto recorrente, já visto outras tantas vezes e sem disso evoluir uma solução consistente. Daí comecei a reescrever mentalmente essa história pelo avesso, como se tudo tivesse ocorrido de modo perfeito.
Vamos imaginar: um agricultor observa em sua lavoura a presença de insetos predadores, como as vorazes lagartas, ou então alguma doença nas plantas. Fala então com um agrônomo – da cooperativa, da extensão rural ou seu funcionário – e pede um diagnóstico da situação. Se a infestação for pouca, sem dano econômico ou qualitativo relevante, nada se faz; se for mais séria, o agrônomo vai receitar um tratamento com produto agroquímico específico
Esse produto, para estar disponível no mercado, deve ter passado por alguns anos de pesquisa, por testes provavelmente abrangentes e, depois, foi registrado e autorizado, a partir de um dossiê toxicológico amplo, como é exigência da autoridade de vigilância sanitária do governo brasileiro.
O agricultor então vai comprar o produto em uma revenda ou cooperativa, com o respectivo receituário, pois assim prescreve a lei que regulamenta o uso de agrotóxicos. Para aplicá-lo, terá que seguir as indicações da receita e ainda ler a bula, verificando todos os cuidados que deve tomar.
Na hora de usar o produto, o agricultor e sua equipe seguem técnicas e regras de manejo estabelecidas pelas escolas de agronomia e pelos manuais de uso dos fabricantes desse tipo de produto. Inclusive, essas pessoas devem utilizar a roupa apropriada ao serviço – o chamado EPI¹ -- para evitar o risco de exposição durante a aplicação.
Depois disso, o tratamento vai continuar ou não, dependendo do grau de severidade ou reincidência da doença ou infestação. Mas tem um momento em que tudo para: é quando a plantação chega ao período de carência, antes da colheita. Nessa fase, os tratamentos são suspensos para evitar residual nos alimentos, além dos índices definidos como seguros para o homem, pela própria legislação brasileira de vigilância sanitária.
Nessa fase, os tratamentos são suspensos para dar segurança aos alimentos, evitando residual que ultrapasse os índices definidos como seguros para o consumo humano, pela própria legislação brasileira de vigilância sanitária. É assim que os alimentos ficam dentro dos padrões previstos por lei.
Um detalhe importante em tudo isso: existem leis, regulamentações, práticas de manejo, padrões de controle, procedimentos e protocolos de segurança, para que tudo isso aconteça a contento e dentro da conformidade prevista. Ou seja: para que os alimentos cheguem ao mercado com a qualidade e saudabilidade esperadas.
Por que então isso não acontece às vezes e vemos uma situação como a da notícia da TV? Onde está o furo? Que elos da corrente foram rompidos, seja por falha, falta de capacitação ou dolo? O interessante é que se o sistema de controle fitossanitário funcionasse de modo integral, aparentemente isso seria o melhor para os todos envolvidos, do agricultor ao consumidor. Por que então isso nem sempre acontece?
Se as plantas não precisassem de apoio para vingar e sobreviver, claro que seria melhor. Eu mesmo, que preciso de meia dúzia de remédios todo santo dia, bem sei disso. Mas como os ambientes produtivos são hostis e estressantes para os vegetais, ainda não conseguimos escapar disso, pelo menos considerando a escala da produção alimentar exigida hoje em dia.
Opções fora da defesa sanitária das plantações podem valer em tese, mas ainda carecem de viabilidade econômica extensiva. E o poder da ciência ainda não criou novas equações para esse desafio. Portanto, enquanto isso não acontece, temos uma tecnologia de manejo fitossanitário desenvolvida dentro de padrões técnico-científicos consagrados, que viabiliza e chancela a segurança sanitária dos alimentos vindos do campo.
Está tudo no roteiro simulado acima. Ele existe. Já mostrou que funciona e dá resultado, aqui no Brasil e em outros países de agricultura moderna. A prova mais eloquente são os números da produção mundial de alimentos e a evolução nutricional e de saúde das populações. Só que ele precisa funcionar sempre e em todos os lugares. Ou será que também precisamos de uma “lava-jato” nesse assunto?
É preciso trabalhar com dados objetivos e científicos, para saber onde de fato ocorrem problemas. Sem saber exatamente onde se está, não se consegue sair do lugar. É preciso transparência, informação, diagnóstico preciso, correção, controles e até punição se for o caso. As ferramentas existem. Do contrário, às vezes a mesa poderá nos surpreender e virar manchete de noticiário. Infelizmente para todos.