Domingo, 24 Novembro 2024

Marcos Coimbra, sociólogo, presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense. Artigo publicado, originalmente, na revista CartaCapital

A sociedade brasileira precisa decidir o que quer. Se acredita que devemos insistir na democracia ou se considera que não somos um país onde ela é possível.

São muitos os paralelismos entre o momento atual e o que antecedeu o golpe de Estado de 1964. Lá, como agora, as velhas classes dominantes, seus representantes e porta-vozes se convenceram de que, na democracia, não conseguiriam continuar impondo seus interesses ao conjunto da sociedade. No jogo eleitoral, perderiam.

Mas não tinham força e legitimidade para virar a mesa na marra. Alguém, em seu nome, teria de fazê-lo. O papel dos militares naqueles anos está sendo hoje desempenhado por outra aliança nascida dentro do aparelho de Estado. Seus agentes são juízes, policiais e promotores, imbuídos da mesma convicção da superioridade de propósitos que coronéis e generais compartilhavam.

Os militares abandonaram sua função moderadora em 1964, assim como os integrantes dessa nova aliança descartam hoje a função de equilíbrio típica do Judiciário. Os “jovens turcos” togados e seus satélites ignoram as hierarquias e encurralam aqueles que deveriam ser seus superiores. Assemelham-se aos tenentes enraivecidos que invadiram a política no início do século XX, impacientes com a democracia e convencidos de que eram melhores que qualquer um.

Essa nova aliança se inspira e é incentivada por instituições ideológicas internacionais, de maneira análoga ao que aconteceu com parte da liderança militar nos anos 1950. Só um tolo suporia que os ensinamentos que receberam nos EUA, assim como os acordos de cooperação que firmaram, eram os melhores para os interesses nacionais. Algo semelhante acontece hoje no treinamento e no estímulo que os integrantes dessa aliança recebem de fora.

Na vida social, os pontos de contato entre ontem e agora são muitos. Os que marchavam em defesa da ordem e da propriedade em 1963 e 1964 são tão caricatos e ridículos como seus filhos e netos. Acreditavam em bobagens igualmente toscas e professavam a mesma religiosidade primitiva.

O proscênio é parecido: um setor da burocracia rebelado e se achando capaz de reformar o País, um pedaço da sociedade “nas ruas” fazendo coro para reivindicar uma intervenção “saneadora”. Também é igual o ingrediente midiático, uma imprensa dedicada a escandalizar o noticiário e a amplificar as insatisfações. São exatamente os mesmos os órgãos de imprensa que patrocinaram o golpe de 1964 e os que hoje atuam. A estratégia é igual, de amontoar denúncias e atacar no plano pessoal a liderança trabalhista.

Acampamento de manifestantes pedem intervenção militar, em Brasília. Inúmeros são os paralelismos entre 64 e o momento atual (Foto: Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil)

A elite política conservadora de então tem muito a ensinar a seus sucessores. Os que ficaram na retaguarda, espicaçando os militares, orientando jornais e revistas a incendiar a opinião pública e rindo dos tolos que foram às ruas, mas encorajando-os, se surpreenderam com o tamanho da serpente cujos ovos chocaram. Nada mais exemplar que a trajetória de Carlos Lacerda, de líder maior do golpismo a vítima de banimento da vida política.

Tucanos, demistas e associados precisam se lembrar que nada garante que a aliança golpista se limitaria a lhes transferir o poder. Eliminados petistas e trabalhistas, quem asseguraria que seus integrantes voltariam pacificamente à normalidade? Como ter certeza de que a imprensa não os rifaria na hora em que se tornassem alvo?

Mas não há apenas semelhanças entre 1964 e hoje. Trinta e tantos anos de democracia fizeram com que aumentasse a proporção de pessoas avessas a aventuras golpistas. O desenvolvimento das últimas décadas e o conjunto de políticas de ampliação da cidadania produziram um povo mais disposto a ser ator e não apenas espectador da vida brasileira.

Consolidou-se a primeira liderança popular de expressão nacional. Lula, apesar da incessante campanha para desmoralizá-lo, continua a merecer o respeito e o carinho de uma parcela da sociedade maior que qualquer político jamais teve em nossa história. Atacá-lo é atacar esses milhões de pessoas. Ninguém sabe como reagiriam.

Quem não se alinha com o oportunismo de alguns políticos, quem aprendeu que é no respeito à democracia que podemos mais facilmente e melhor resolver nossos problemas, quem acreditou e acredita na capacidade do povo escolher seu caminho sem tutela, precisa refletir a respeito da conjuntura que atravessamos. Deixados soltos, os aventureiros do golpe não se deterão, até porque se acham perfeitos. Há que pará-los.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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