Domingo, 24 Novembro 2024

Por Diomedes Cesário da Silva, ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet)

A Petrobrás está sendo reorganizada. São mais de 40 grupos de trabalho, cujo resultado só será conhecido depois da aprovação final pelo Conselho de Administração.

É uma pena, pois perde-se muito com a não exposição do assunto ao debate e à contribuição dos empregados. Muitas vezes, tem-se a certeza do que fazer e não precisar ouvir mais ninguém, porém, um simples comentário nos faz repensar e corrigir uma rota que levaria a um resultado indesejável.

Decisões importantes estão sendo tomadas nas mais diversas áreas, impactando o futuro da companhia, mas gostaríamos de tratar de uma pela qual a Petrobrás é respeitada em todo o mundo: sua tecnologia.

A companhia chegou a este estágio de desenvolvimento pelo cuidado na formação e aperfeiçoamento de seus quadros técnicos, pela sua integração e capacidade de procurar fazer e buscar o estado da arte nos mais diversos setores onde atua. Dos laboratórios de pesquisa, plantas pilotos, projeto, construção, operação, manutenção, inspeção, a Petrobrás criou um ciclo virtuoso de incorporação de conhecimento, inovação e tecnologia.

Plataformas
À primeira vista, parece estar-se falando do óbvio, mas não é bem assim. Na vida prática, muitas vezes prefere-se entregar a um terceiro uma atividade para se concentrar no que se considera o principal. É claro que não se pretende fazer tudo, como fabricar equipamentos, por exemplo, mas é fundamental ter o conhecimento e o domínio sobre a tecnologia, sob pena de perder capacitação e comprometer o desempenho do negócio.

As novas plataformas estão sendo afretadas. Isto não significa que as entregarão prontas para operarmos. É muito mais preocupante: as empresas operarão para a Petrobrás, recebendo pelo petróleo produzido. A justificativa é a falta de recursos para investimentos. Pode parecer fazer sentido para alguns, mas uma análise mais cuidadosa deixa claro que está-se entregando uma boa parte do lucro obtido, que paga com sobras o investimento e juros do financiamento.

Após um contrato de 10 anos, com a plataforma já amortizada, deve-se negociar um novo período. Excelente negócio para o Consórcio; se a plataforma fosse própria, a fase de investimento estaria concluída. . O afretamento compromete boa parte da renda petroleira, mas as perdas não são evidentes nos indicadores financeiros, já o endividamento é visível. Parece que por isso se prefere afretar e não se endividar para construir e operar.

Nunca é demais lembrar que a plataforma será comprada no exterior, com menores exigências de segurança e, em caso de algum acidente, a responsável será a Petrobrás, ainda que não a esteja operando.

Ao transferir a construção, operação e solução dos problemas que aparecerem, está-se abrindo mão do conhecimento do porquê e do como fazer. E é exatamente este conhecimento que fez a Petrobrás ser o que tem de mais valor: sua tecnologia. Se adotasse esta filosofia quando nasceu, seria uma empresa de papel e já teria sucumbido.

Contratos EPC
Nas últimas décadas. Comprometemos a capacidade de gerenciar empreendimentos de grande porte ao adotar os contratos globais (EPC), entregando a um consórcio a decisão de fazer o projeto, comprar os equipamentos, gerenciar interfaces entre disciplinas e empresas, construir e montar a unidade. A justificativa era de eliminar as interfaces, deixando tudo com uma única empresa que contrataria as demais e entregaria a obra pronta para operar. O modelo é o contrário de tudo que procurou se evitar na construção de refinarias e plataformas nas décadas de 1970-80. Basta relembrar os antigos GEOP, GECAM e, posteriormente, o SEGEN.

O resultado está à mostra para quem quiser ver, com preços abusivos, prazos não cumpridos, contratos superfaturados pelo cartel das empreiteiras, ex-dirigentes e empreiteiros presos e a condenação do TCU.

Cenpes
No seu centro de pesquisas (Cenpes), a pesquisa e desenvolvimento que eram executados por seus técnicos, passou em grande parte a ser contratado com terceiros, relegando seus pesquisadores a simples coordenadores de projetos a meros medidores de trabalho executado. Nada contra os convênios com as universidades e centros de pesquisas, mas existe a necessidade de haver uma execução conjunta e harmônica e não apenas de fiscalização, caso contrário, perde-se a capacitação e a independência tecnológica.

Nesta etapa, mais que em qualquer outra, serão geradas as patentes, inclusive as defensivas, para proteger o negócio dos concorrentes e fornecedores. As inovações, que serão utilizadas muitas vezes dezenas de anos depois, tem aí seu nascedouro. Para ficar apenas num exemplo, a capacitação em águas profundas de mais de 2000 metros de lâmina dágua, teve origem em projetos de 300 metros, evoluindo gradualmente até o estágio atual. A tecnologia não existia e só foi desenvolvida porque o petróleo estava lá.

A reestruturação não deve ter como método apenas juntar caixinhas, sem antever as distorções ocasionadas nas atividades da companhia.

Engenharia básica
Na atividade de engenharia básica (EB) do CENPES, que incorpora os avanços tecnológicos da pesquisa, operação, equipamentos e manutenção, pretende-se juntá-la à área de empreendimentos, responsável pelo projeto de detalhamento, construção e montagem. A justificativa é integrar a atividade.

Ocorre que esta integração já existe, podendo sempre ser aperfeiçoada. Releva-se a integração com a pesquisa e as unidades operacionais, mas esquece-se que nos 40 anos de sua existência, a fase de grandes projetos como a RNEST e o COMPERJ ocorreu apenas entre 2007 e 2012. No restante dos anos, o trabalho se concentrou em pequenos projetos de revamps (revisões e ampliações), desengargalamentos e otimizações de unidades. Graças a eles foi possível aumentar o processamento de petróleo sem a construção de nenhuma nova refinaria desde a década de 1970. A última foi a REVAP, em São Paulo, entrando em operação em 1980.

Novas unidades, apenas as de tratamento de produtos, como remoção de enxofre, programas de fundo de barril para aumentar a rentabilidade, maximizando o rendimento de produtos mais leves, reduzindo importações, além das plataformas e unidades de processamento de gás natural, é claro.

A engenharia básica não produz apenas projeto básico. Uma parcela significativa de suas atividades é voltada à assistência técnica à unidades e projetos de pesquisa e desenvolvimento. Sem falar na solução de problemas ocorridos em projetos contratados, cujas equipes são simplesmente desfeitas ao final do trabalho, cabendo aos técnicos da Petrobrás resolver os problemas deixados.

Este apoio se torna ainda mais críticos nos dias de hoje, com a preocupante desativação dos núcleos de engenharia nas refinarias e regiões de produção. A relevância da aplicação do conhecimento acumulado nas assistências aos órgãos operacionais é ainda maior quando é necessário reduzir os custos operacionais e promover a eficiência.

O exemplo da Statoil
Há quem diga que não há porquê se preocupar, pois na nova estrutura tudo continuará da mesma forma. Qualquer técnico com algum tempo de empresa sabe que a prioridade e direção é dada pela função principal do órgão. Numa estrutura de empreendimentos, como a que está sendo montada, a prioridade será de seu produto final: a obra. Se tiver que priorizar, o desenvolvimento tecnológico será relegado a um segundo plano.

Por todas estas razões, o projeto básico deve ficar fora da estrutura do empreendimento e as contratações de projeto de detalhamento, construção e montagem devem ser feitas com empresas diferentes, evitando os contratos globais.

Por fim, vale pensar sobre a informação divulgada pela Brasil Energia de que a norueguesa Statoil, na reestruturação de negócios, resolveu fundir sua "área de Excelência Técnica com o de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, que formarão a área de Desenvolvimento e Implementação Tecnológica." Aparentemente estão indo para o modelo P,D&E (Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia), utilizado pelo CENPES há 40 anos, que a reestruturação atual pode extinguir.

Neste momento de redução de investimentos e novos empreendimentos, deve-se procurar otimizar, inovar e valorizar a tecnologia.

 

 

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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