* Advogado (UERJ, 1991), sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University
Depois de mais de uma década de denúncias na Antaq, nas Fazendas Públicas e no TCU, desde a edição da Resolução n° 2389/2012, a primeira das várias tentativas ineficazes para reduzir as externalidades negativas decorrentes da cobrança da THC (Terminal Handling Charge), taxa de manuseio do terminal nas operações de movimentação de contêiner, a Antaq publicou o Aviso de Audiência Pública n° 03/2022.
Nele, a agência setorial comunica aos usuários e agentes do setor aquaviário nacional e, bem assim, aos demais interessados em geral, que realizará Consulta e Audiência Públicas, no período de 21/02/2022 (terça-feira) a 06/04/2022 (quarta-feira).
O objetivo é obter contribuições, subsídios e sugestões para o aprimoramento das propostas de atos normativos relativos ao Tema 3.1 da Agenda Regulatória da Antaq, biênio 2020/2021, que versa sobre "Sistematizar mecanismo de análise e apuração de possíveis abusividades relacionadas com cobrança de THC de usuários, por parte dos armadores que atracam em instalações portuárias brasileiras".
A proposta de norma estabelece instrumentos de aprimoramento de análise e fiscalização da cobrança da Taxa de Movimentação no Terminal e altera as Resoluções Normativas Antaq nº 18, de 21 de dezembro de 2017 e Resolução Normativa Antaq nº 34, de 17 de agosto de 2019.
Ela conceitua a Taxa de Movimentação no Terminal ou Terminal Handling Charge (THC) como serviço portuário que, quando contratado sob intermediação de transportador marítimo ou agente intermediário, ao representar o exportador ou importador na qualidade de terceiro não interessado, possui natureza extra frete marítimo.
Apesar da enorme concentração horizontal, verticalização, transnacionalização e assimetrias de representação e de informação, assim como reclamações dos prejudicados com a forma de cobrança, a opção da Antaq para regular o THC é o modelo ex post. Nele, a agência age mediante provocação do usuário, ao contrário do modelo chinês. Assim, a Antaq permite que o transportador marítimo ou seu agente intermediário possa cobrar do usuário o THC na origem ou no destino, sem comprovação do valor pago ao terminal portuário que movimenta o contêiner e sem nota fiscal.
Esse modelo tem permitido a criação por qualquer agente ou transportador de sigla de cobrança, muitas delas ilegais, vez que sem qualquer fator gerador, apesar da tentativa recente da Antaq de combater tal prática, por meio de normativo que visa a verificação do fato gerador.
Tal opção regulatória tem sido criticada há mais de dez anos por diversas associações de usuários e de alguns terminais das zonas primária não verticalizados e secundária, que sofrem os abusos das assimetrias de informação, que gerou o THC2 e o SSE, e a “rachadinha” no THC, além de facilitar a sonegação fiscal e o enriquecimento sem causa pelo transportador marítimo e agente intermediário. Por tal motivo a cobrança é também conhecida como THC “rachadinha”.
Essa assimetria de informação tem causado sonegação bilionária aos municípios portuários que possuem terminais de contêineres e à Receita Federal, em face da não comprovação do pagamento de tributos, como o ISS, o que fez com que, para citar um exemplo, um município aplicasse auto de infração a um armador estrangeiro, confirmado no Conselho de Contribuintes do Município, no valor de mais de R$ 3 milhões.
O Tribunal de Contas da União, em denúncia contra a Antaq acerca da deficiente regulação do THC determinou a remessa dos autos para a Secretaria da Receita Federal, para a tomada das seguintes providências: “(...). encaminhar cópia dos presentes autos para a Secretaria da Receita Federal, para a adoção das providências que aquele órgão entender cabíveis no que concerne à aferição da correta apropriação das receitas de THC pelos armadores que atuam no Brasil.”
Ressalte-se que a determinação acima se deve às evidências de sonegação bilionária, conforme voto do relator:
(i) Aliás, é importante observar que o Denunciante trouxe duas questões relevantes ao processo que precisam ser enfrentadas pelo TCU. A primeira é em relação ao Relatório de Fiscalização da Navegação Marítima, em que a Antaq verificou conduta lesiva aos usuários com a aplicação de sobrepreços a THC cobrado, inclusive tipificando a conduta dos armadores e, a segunda, tão importante quanto, é um processo de fiscalização quanto à possível sonegação de ISS, em relação ao sobrepreço (diferença a maior entre os valores cobrados pelos armadores dos usuários e os efetivamente pagos aos terminais). E a questão é que, onde pode haver sonegação de ISS, também pode existir sonegação de IRPJ, PIS/PASEP, CONFINS e CSLL. É preciso investigar, porque o processo foi iniciado no mesmo ano em que foi proferido o primeiro Acórdão do Plenário no presente processo, que reafirmou o caráter ressarcitório da cobrança. Certamente, estamos tratando de quantias bilionárias que deveriam ter entrado nos cofres públicos.
A Antaq, por sua vez, vem investigando denúncias e autuando, com aplicação de multa, assim como determinando a devolução do valor do enriquecimento ilícito.
As denúncias seguem, mas em percentual irrisório em relação ao mercado em que ocorre a cobrança do THC, pois a quase totalidade dos usuários e municípios desconhecem as particularidades da cobrança e as possibilidades de abuso, bem como o seu direito. É como enxugar gelo.
A agência setorial na consulta pública procura reduzir a assimetria e os abusos, com grandes danos à Fazenda Pública e o serviço adequado, que ela deve zelar.
Por tal motivo, a proposta de norma inclui metodologias para aferição de abusividade e os incisos abaixo, como infração administrativa:
Art. 27...(..)
V - não emitir nota fiscal como meio de comprovação de pagamento por serviços prestados, sejam eles de quaisquer natureza: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais); e
VI - cobrar valores a título de restituição sem comprovação: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais)."(NR)
Nesse cenário: o que fazer? O prejudicado deve contribuir para a consulta e audiência acima, reduzindo os abusos e aumentando o poder dissuasório, fiscalizatório e punitivo da Antaq, é relevante que o usuário que paga diversas cobranças extra-frete, algumas sem fato gerador e imódicas, como o THC.
Além disso, recomenda-se que prejudicado procure assessoria jurídica especializada para orientações sobre procedimentos, uma vez que realizou diversos pagamentos indevidos nos últimos anos e passe a participar mais da Agenda Regulatória da Antaq.
Vale elogiar o esforço dessa Agência para reduzir os abusos no setor, especialmente nos últimos dez anos, em que pese a crítica ao modelo, que permanece inalterado, e diante dos aumentos de fretes inimagináveis desde o início da pandemia, conforme Relatório de Transporte Marítimo de 2021 da UNCTAD.
Ressalte-se que a cobrança abusiva se dá por parte de alguns transportadores marítimo de contêiner e de agentes intermediários que, ironicamente, sequer prestam serviço portuário e não apresentam nota fiscal.
Por sua vez, os municípios portuários e a Fazenda Nacional carentes de tributos para as suas políticas públicas, devem fazer o mesmo, para fins de análise e recuperação dos tributos eventualmente sonegados.
Afinal, há evidências que os valores a serem recuperados podem ser expressivos, de modo que é possível buscar outras medidas nas esferas administrativas, inclusive órgãos de controle, e penal.