Domingo, 24 Novembro 2024

Nilson Mello* Advogado e jornalista, é sócio da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de Mello Advocacia.

As crises econômicas, como a que enfrentamos neste momento, decorrente da pandemia de Covid-19, costumam ser um celeiro de ideias, mas não necessariamente de boas ideias. Isso porque emergência e urgência são potenciais inimigas do planejamento. E nesses momentos surgem sempre os oportunistas, com suas ideias inconsistentes. O alerta torna-se relevante, a fim de que, ao tentarmos resolver obstáculos relacionados ao novo coronavírus, não criemos outros desafios.

A nossa longa tradição de dirigismo estatal, pródigo em puxadinhos legais”, que solucionam questões pontuais, de caráter conjuntural, mas deixam, como efeito colateral, uma nova leva de problemas estruturais (às vezes sem sequer equacionar os anteriores), nos autoriza a fazer o alerta. Contudo, feita a ressalva, podemos dizer que as medidas em gestação no Ministério da Infraestrutura visando a atrair investidores para as concessões, a serem realizadas ainda este ano, parecem, em princípio, oportunas.
Entre as medidas, duas se destacam: a de permitir uma maior participação de “players” financeiros nos leilões, ainda não detalhada, e a de autorizar o uso de debêntures no financiamento de obras de infraestrutura. Como sabemos, debêntures são títulos representativos de uma dívida, e como tal garantem a seus detentores o direito de crédito contra a empresa emissora, com a vantagem de poderem ser convertidas em ações. A reconfiguração exige mudança no marco regulatório, via deliberação e aprovação de projeto no Congresso, algo que começou a ser negociado esta semana.

Com efeito, debêntures são um instrumento eficaz de financiamento dos projetos de expansão do setor produtivo (e não por acaso, largamente utilizado durante a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII), com as vantagens de ter custo bem mais baixo que as linhas de crédito do sistema financeiro e de contribuir, no caso de conversão em ações, para a democratização e desenvolvimento do mercado de capitais.

Na verdade, dadas as vantagens do financiamento via debêntures, sem que grandes desvantagens possam ser apontadas, custa-se a crer que o modelo ainda não estivesse sendo adotado para as concessões há mais tempo, o que também nos permite dizer que as crises, em que pese as adversidades, ensejam avanços. Com os problemas de caixa enfrentados pelas empresas e as limitações orçamentárias do Tesouro, ainda mais sobrecarregado pelas medidas emergenciais em função da pandemia, o instrumento ganha importância ainda maior, ao lado da participação de empresas financeiras nas licitações.

Um cuidado especial seria recomendável no que toca a adoção, dentro do modelo, das debêntures “incentivadas”, aquelas que permitem isenção tributária (IR e IOF, por exemplo), a fim de não se agravar ainda mais a situação fiscal. Aliás, incentivos fiscais estão entre aqueles “puxadinhos” que criaram mais problemas que soluções na história recente do país. Portanto, é fundamental que o novo modelo fique bem “desenhado”, apesar da urgência que se tem em sua reconfiguração.

Do correto “desenho”, com regras claras e transparentes, dependerá a efetiva participação de investidores. As expectativas do governo em relação às concessões são arrojadas: esperam-se investimentos da ordem de R$ 250 bilhões em infraestrutura até 2022. Para que este objetivo se confirme, quanto mais rápida for feita a nova configuração do modelo, melhor, lembrando que a velocidade não pode comprometer a clareza.

Quanto ao que toca especificamente os portos, 15 leilões de concessão já estão programados até dezembro, sendo seis com editais previstos ainda para este mês. Para aumentar a sua chance de sucesso, o ideal seria que esses leilões do setor portuário também permitissem a maior participação de empresas financeiras e o uso do “instrumento” debêntures, o que ainda não será possível neste início.

Com nova previsão de retração no PIB brasileiro este ano, agora de 3,76% (algumas consultorias apostam em 7% de queda!), de acordo com o último boletim Focus, do Banco Central, é preciso esforço para encontrar razões para otimismo. As concessões são uma delas, assim como as notícias que, apesar de tudo, chegam do setor portuário. Após uma disputa judicial de sete meses, as novas obras de dragagem em Santos foram finalmente autorizadas, devendo ter início em 15 dias, ao custo de R$ 274,7 milhões.

O porto paulista, por sinal, apresentou o melhor quadrimestre de sua história, segundo sua direção, o que significa que os efeitos da crise só devem ser percebidos a partir de abril. Aguardemos, torcendo para que os números não sejam tão ruins e mantendo o foco no trabalho e nas medidas que nos ajudem a superar a crise.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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