Artur Araújo*
O Brasil importou 11% da gasolina, 23% do diesel, 33% do gás de cozinha e 12% do querosene de aviação que consumiu em 2018, mesmo em quadro de paradeira econômica e demanda reduzida. Em torno de R$ 70 bilhões foram gastos em moeda estrangeira. Os dados relativos ao ano passado devem ser divulgados ainda no primeiro trimestre de 2020 e certamente terão perfil semelhante.
O Brasil tem 17 refinarias instaladas e várias novas em distintos estágios de implantação ou projeto. A Petrobrás é responsável por 98% da produção interna de derivados de petróleo
O Brasil está entre os grandes produtores mundiais de petróleo e gás natural, com custos de extração muito competitivos frente às médias internacionais. Nossas matérias primas são relativamente baratas, o que implica vantagem objetiva na formação de preços dos produtos processados ou refinados.
O Brasil, absurdamente, define os preços internos dos derivados de petróleo e do gás processado por paridade com os preços internacionais, inclusive para a parcela muito majoritária que não é importada. Desconsidera os custos reais da produção local, com tripla consequência: i) os preços internos de todos os demais bens e serviços são pressionados para cima, dada a interdependência entre sua produção e distribuição e o uso de derivados de petróleo; ii) há geração de superlucros para os acionistas de Petrobrás; iii) as famílias têm uma parcela excessiva de sua renda transferida para o setor de petróleo e gás, ao terem que comprar gás de cozinha e gasolina a preços artificialmente inflados.
O Brasil, mais absurdamente ainda, gasta fortunas com a logística do “cruzeiro marítimo” de óleo cru e de gás in natura, com uma frota de navios viajando milhares de quilômetros para refino no exterior e mais outros milhares de quilômetros para retorno como derivados. Donos de empresas de navegação e trabalhadores das refinarias estrangeiras, entre outros beneficiários, agradecem muito nossa “solidariedade”.
O Brasil, que sempre tem um grande desafio na cobertura de um balanço de pagamentos estruturalmente deficitário, gasta dólares para comprar derivados de insumos que produz em reais e que pode processar ou refinar em reais.
Se a economia brasileira sair da letargia, o gargalo cambial na conta petróleo se agravará de imediato. Ainda mais dólares escorrerão para fora para termos mais combustíveis para fazer o país andar e mais gás para cozinhar o pouco mais de alimentos que as famílias poderão comprar. Não é demais insistir: gás de cozinha e combustíveis cuja matéria-prima é nacional e que podem ser produzidos nacionalmente com todas as transações feitas em moeda nacional.
É evidente que a produção interna de derivados e o processamento local do gás natural tem que ser a estratégia do Brasil, assim como é óbvio que, para viabilizar essa rota, o parque nacional de refino e processamento tem que ser imediatamente expandido e continuamente adequado à expansão futura da demanda interna por esses produtos.
O Brasil tem uma Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) teoricamente responsável por formular políticas para o setor e regular sua atividades. Deveria ser desnecessário frisar que tais regulação e políticas devem ter por norte os interesses da maioria dos brasileiros.
As constatações acima levam qualquer pessoa de bom senso a se indignar com as ideias e propostas do diretor-geral da ANP, Décio Oddone, publicadas em reportagem do Valor Econômico na edição de 7/11.
O que disse o senhor Oddone?
- que a Petrobrás deve vender para o capital privado, quase certamente estrangeiro, oito das suas refinarias, reduzindo ainda mais a capacidade estatal de atuação na formação de preços estratégicos e na estratégica gestão de fluxos cambiais;
- que só devemos construir novas refinarias no Brasil (privadas, obviamente) em algum incerto momento futuro e desde que assegurada a mesma malfadada indexação do preço de derivados e processados aos preços internacionais;
- que temos que desativar a conclusão de refinarias em construção pela Petrobras e eliminar, para sempre, qualquer plano de expansão da empresa no setor, mesmo frente ao quadro óbvio de falta de plantas para dar conta do consumo corrente (e, ainda mais, do consumo futuro), agravando aceleradamente nossa dependência de importações.
Uma colocação do senhor Oddone é reveladora da sinuosidade prejudicial do que ele formula e quer que o Brasil aceite: "eventual cenário de autossuficiência de combustíveis no País no futuro também favorecerá um efeito estrutural de redução de preços dos derivados de petróleo. 'Essa seria a maneira estrutural de trazer o preço do derivado para baixo. Mas para isso precisamos construir refinarias'."
"Precisamos" quem?
Por que não fazê-lo já, via Petrobrás, quando tudo indica e exige a urgente adequação da produção interna à demanda já existente e que vem sendo atendida por importações sem nenhum sentido econômico e na contramão dos interesses do Brasil?
A evidente contradição em que cai o diretor-geral é demonstração cabal do refinado erro que o governo atual pretende praticar.
Um erro tão primário cuja única justificativa imaginável é assegurar altos ganhos para quem está envolvido na “cadeia da importação” e “criar valor” artificial na Petrobras, aguçando os apetites por sua privatização total.
* Consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”. Artigo publilcado, originalmente, no site do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.