Bianca Canzi*
Decisão da Justiça do Trabalho de São Paulo poderá mudar a relação entre os entregadores e aplicativos. A 8ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou que a empresa de entregas "Loggi" reconheça o vínculo trabalhista dos motociclistas que prestam serviço para a companhia. Ou seja, a empresa será obrigada a implementar descanso semanal de 24 horas consecutivas e fazer registro em sistema eletrônico de todos os motoristas que tiveram alguma atividade nos últimos dois meses. Além disso, a empresa também terá de fazer o pagamento adicional de periculosidade aos motoboys e precisará fornecer capacetes e coletes de segurança para os trabalhadores.
Trata-se de uma decisão emblemática. A decisão reconhece os direitos trabalhistas englobados na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) dos entregadores. A empresa, por sua vez, terá de arcar com todos os custos, visto que a CLT define o vínculo empregatício como: "considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
Este artigo da CLT relata exatamente o caso dos motoboys da empresa "Loggi", que prestam serviço de forma não eventual e recebem salário mensal. Os trabalhadores que atuam como entregadores são, em grande maioria, motociclistas. Mas existem também aqueles que trabalham em automóveis, bicicletas e patinetes, que podem exigir seus direitos na Justiça.
Vale ressaltar que a "uberização" do trabalho criou uma série de novas modalidades de trabalhadores que vivem atualmente no chamado limbo jurídico. Entregadores e motoristas de aplicativos são os principais atingidos pela falta de legislação específica sobre a regulamentação da relação de trabalho entre as plataformas e os profissionais. Parceiro, prestador de serviço, Microempreendedor Individual (MEI) ou empregado? Essa é a dúvida que está deixando milhares de trabalhadores sem saber quais são os seus direitos trabalhistas e previdenciários.
Importante lembrar que o Ministério Público do Trabalho de São Paulo ajuizou duas ações civis públicas contra as empresas de aplicativo, já que entendem que elas atuam na ilegalidade quanto a omissão do vínculo.Em agosto de 2018, o MPT-SP propôs uma ação civil contra a Loggi no valor de R$ 200 milhões, 0,5% do faturamento da empresa. Para os promotores, ficou comprovado que "os condutores profissionais são marionetes de um aplicativo" e que o desequilíbrio no mercado promove "dumping social" sobre as empresas tradicionais, conforme a Lei Federal 12.529/11, que estrutura a concorrência. Já em fevereiro de 2019, o MPT entrou com uma ação contra o iFood pelo mesmo motivo: burlar a relação de emprego. Os promotores pedem o reconhecimento do vínculo e uma indenização por dano moral coletivo de no mínimo R$ 24 milhões, 5% do faturamento bruto da empresa, pois o aplicativo não é o fim, mas "um meio para a operacionalização de sua atividade principal, seu verdadeiro objetivo empresarial". E agora essa nova visão do Judiciário reforça a tese do MPT
Esse reconhecimento da Justiça do Trabalho, mesmo em primeira instância, pode significar um novo futuro para esse trabalhadores, que, atualmente, dependem do Judiciário para garantirem os seus direitos. Isso porque não existe uma regulamentação específica para esse entregadores que utilizam aplicativos para suas atividades.
* Advogada de Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados