Quarta, 27 Novembro 2024

Vivaldo José Breternitz*

Recentemente estivemos em Clevelândia do Norte, um distrito do município de Oiapoque, às margens do rio de mesmo nome, no estado do Amapá. Do outro lado do rio, está a Guiana Francesa, um departamento (algo como um estado) da França – essa situação de fronteira faz com que os locais afirmem o que está no título desse artigo: aqui começa o Brasil. Clevelândia fica a 630 quilômetros de Macapá, a capital do estado; 120 quilômetros da estrada não são pavimentados e ficam praticamente intransitáveis no período de chuvas – às vezes são necessárias 17 horas para a viagem entre esses locais.

A área foi objeto de disputa com a França, situação que foi resolvida em 1900, ao final de um processo de arbitragem conduzido pela Suíça. Visando ocupar a região, o governo federal criou em 1922 uma colônia agrícola, que recebeu migrantes vindos principalmente de nosso Nordeste; o projeto fracassou e área foi retomada pela selva.

A distância dos grandes centros e o acesso possível apenas pelo rio, levou o presidente Artur Bernardes a criar ali uma colônia penal, para onde foram enviados seus adversários, em especial os ligados a movimentos anarquistas e militares contrários à postura oligarquista do governo – foram quase mil presos, centenas dos quais morreram, vítimas de doenças e do clima inclemente.

Em 1940 o Exército Brasileiro instalou uma pequena guarnição no local; logo a seguir, em função da 2ª Guerra Mundial, um batalhão foi ali instalado – ao final dela, a guarnição foi novamente reduzida.

Após diversas alterações de nome e subordinação, uma subunidade do 34º Batalhão de Infantaria de Selva (34º BIS), guarnece o local – é a Companhia Especial de Fronteira, que é o principal fator de presença do Estado na região.

Esses militares têm como missão vigiar a fronteira, preocupando-se também com crimes como tráfico de drogas e armas, garimpo e desmatamento ilegais e outros crimes característicos de zonas fronteiriças. Para isso o Exército articula-se com outros órgãos federais e estaduais (cuja presença é muito pequena, no entanto) e com militares franceses da Legião Estrangeira, estacionados na Guiana.

A vida ali é muito dura: apenas recentemente água tratada tornou-se disponível, não há telefonia móvel, o calor e a chuva são intensos, a logística é muito difícil e doenças como a malária estão muito presentes. O 34º BIS ainda mantém um Pelotão Especial de Fronteira e um Destacamento Especial de Fronteira em Tiriós e Vila Brasil, localidades ainda menores que Clevelândia e com condições de vida ainda mais duras, em termos de disponibilidade de energia elétrica, aquartelamento etc. Como curiosidade, cabe registrar que a área sob responsabilidade do Batalhão é de cerca de 260 mil quilômetros quadrados, maior que a área do Reino Unido e que são 730 quilômetros de fronteira Brasil-Guiana Francesa – o Brasil é o país com quem a França tem maior fronteira!

Apesar de todas essas dificuldades, os brasileiros que servem nesses locais trabalham muito, diuturnamente, imbuídos do espírito de proteger onde começa o Brasil, vivificar a área de fronteira e integrar a Amazônia e seus habitantes à nossa sociedade.

Vivaldo José Breternitz
* Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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