Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese)
A taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo atingiu 16,6% em junho, de acordo com dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pelo DIEESE e a Fundação Seade). E a desocupação não cresceu porque 48 mil pessoas deixaram de procurar emprego, o que compensou os mais de 17 mil postos de trabalho fechados. O número de desempregados estimado na região é de 1,9 milhão.
O desemprego aumentou na cidade de São Paulo (de 15,9% para 16,4%) e diminuiu na zona leste do município (de 20,6% para 18,4%) e na região do grande ABC (de 14,6% para 13,6%). Foram fechados postos de trabalho nos serviços (-48 mil) e na indústria de transformação (-31 mil), enquanto o comércio criou 63 mil novos empregos e a construção civil manteve estável o nível de ocupação.
O assalariamento com carteira assinada caiu -1,1%. Por outro lado, cresceram o emprego doméstico (7,3%) e o trabalho autônomo (0,3%). A PED evidencia uma mudança estrutural na ocupação e no emprego, com queda do assalariamento com carteira assinada e aumento do trabalho por conta própria, do emprego doméstico e da informalidade. A flexibilização das formas de contratação e de inserção no mundo do trabalho faz predominarem ocupações precárias e com baixíssima proteção social, o que compromete a renda das pessoas e deprime a massa salarial. Essa dinâmica desativa o poder de consumo das famílias, desmobilizando a capacidade do sistema produtivo para atender a uma demanda de consumo em queda. A economia patina, o emprego vira pó e o desenvolvimento, um sonho.
Esse e muitos outros dados estão disponíveis nos sites do DIEESE e da Fundação Seade, como estiveram ao longo dos anos, nos boletins divulgados mensalmente. Os números acima são do boletim mensal 451. Não haverá o 452!
Desde meados dos anos 1980, o DIEESE e o Seade trabalham em cooperação, realizando a PED. Na época, o então governador do estado, Franco Montoro, e o secretário de Planejamento, José Serra, receberam a iniciativa com entusiasmo. Imediatamente, um grupo técnico passou a trabalhar para criar uma metodologia que permitisse uma nova leitura da heterogeneidade e desigualdade do mercado de trabalho brasileiro metropolitano. Nesses 35 anos, muitos profissionais realizaram uma produção estatística que inovou, ao trazer à luz, além do desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e pelo desalento, entre inúmeros dados estatísticos que nem sempre são tratados e olhados em pesquisas dessa natureza. Na equipe que criou e desenvolveu esta bem-sucedida cooperação institucional e técnica, estão, entre tantos, o economista Paulo Renato Costa Souza e as sociólogas Annez Andraus e Marise Hoffmann. Com eles trabalharam muitas outras pessoas competentes e dedicadas, que, de maneira ininterrupta, mensalmente, traziam à luz, com ampla divulgação da grande imprensa, dados que surpreendiam.
O embate com as estatísticas oficiais foram surgindo e geraram desconfortos, conflitos técnicos e institucionais. A qualidade técnica do trabalho científico da PED, com apoio institucional de governadores como Mário Covas e Geraldo Alkmin, permitiram que Seade e DIEESE consolidassem uma leitura nova da dinâmica ocupacional no mercado de trabalho. A metodologia foi reconhecida nos fóruns internacionais de estatística articulados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na década passada, foi incorporada às bases que orientam as estatísticas oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em específico na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC).
A pesquisa ganhou asas. O diretor do Seade, Pedro Paulo Branco, e o diretor do DIEESE, Sérgio Mendonça, cruzaram o país para implantar a pesquisa nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Distrito Federal. Em todas essas regiões, a PED recebeu apoio de governos e institutos de estatísticas locais. Em algumas localidades, foi realizada por mais tempo. Em outras, por menos.
Nessas mais de três décadas, o papel do movimento sindical brasileiro associado ao DIEESE foi determinante para a construção política e a preservação da iniciativa, com a defesa, a promoção e o financiamento da pesquisa.
Walter Barelli foi o diretor técnico do DIEESE que mobilizou e articulou a equipe para esse trabalho e o grande responsável por essa criação. Depois, como ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, colocou a PED, junto com o Caged e a Rais, entre as bases estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego, para dar suporte às políticas do no Sistema Público de Emprego. Mais para a frente, a economista Lúcia Garcia coordenou pelo DIEESE a implantação do Sistema PED, ou melhor, a integração nacional das PEDs metropolitanas, envolvendo diversos institutos de pesquisa locais, firmes parceiros, durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Esta é uma longa história construída por centenas de cientistas sociais, estatísticos e pesquisadores que se dedicaram a essa causa. Uma longa história institucional de políticos, dirigentes sindicais, governantes e gestores públicos que souberam apostar na cooperação entre uma organização pública (Seade) e uma organização privada (DIEESE) para a produção de um bem que gerou as estatísticas econômicas e sociais da PED, hoje reunidas na única base contínua existente no Brasil sobre mercado de trabalho metropolitano. A PED é produto e um serviço de interesse da sociedade, que gerou informações e conhecimento disponibilizados para o bem comum e a qualidade das políticas públicas.
Infelizmente, não haverá a divulgação 452 porque a produção se encerrou, depois de cumprida a missão de inovação estatística em um longo trecho percorrido de 35 anos. Foi uma cooperação de sucesso.
Felizes com o que foi produzido e promovido, com o olhar agora para a frente, diante dos desafios presentes, DIEESE e Seade manterão suas trajetórias institucionais específicas e também a disposição de cooperar e, principalmente, de criar e inovar para produzir ciência comprometida com o desenvolvimento econômico e social do Brasil.