O que mais trava o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) este ano? O consumo, que não responde na medida esperada pelo governo federal, que já acionou sete minipacotes desde dezembro de 2011, ou os investimentos em ritmo lento ou quase parando? Especialistas, dirigentes de setores da atividade e empresários veem a limitação no fôlego de gastos das famílias como algo já dado, mas reforçam a preocupação com os planos futuros dos negócios privados. A pisada no freio dos gastos com aumento de capacidade e eficiência produtiva deve contaminar o PIB nos próximos anos.
O professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Instituto de Administração (FIA) Simão Silber, cita de forma singela este último sintoma, escancarado no desempenho do PIB do primeiro trimestre de 2012. “Ninguém esperava uma desacelerada mais forte, e caiu o I, de investimento, da conta do PIB, este é o dado mais preocupante”, adverte Silber. O professor defende que o governo acione medidas para reverter o quadro para o próximo ano.
“O País surfou a onda de crescimento dos últimos anos com menos endividamento. Acabou a onda. É hora de estimular a atividade“, descreve. O resultado do produto calculado pelo IBGE mostrou que, de janeiro a março, a formação bruta de capital fixo (volume de investimentos) caiu 2,1% comparando com o mesmo período de 2011 e 1,8% frente ao último trimestre do ano passado. O PIB avançou apenas 0,2%.
O Rio Grande do Sul colhe o exemplo desse sintoma em operações como o da Randon. O diretor Corporativo e de Relações com Investidores do grupo da Serra gaúcha, Astor Schmitt, informa que parte do investimento de R$ 2,5 bilhões anunciado para o período 2012 a 2016 e que começaria a ser efetivado neste ano ficará para 2013. O desempenho da atividade deve confirmar retração de 20% na receita do grupo no segundo trimestre, seguindo o que já havia sido registrado de janeiro a março. Os números finais serão divulgados no balanço do trimestre. “O investimento privado se retrai e retoma o plano em momento mais favorável. O quadro é preocupante, é o momento de protelar e ajustar, mas sem deixar de fazer. Vamos deflagrar o plano em 2013”, admite Schmitt.
Para o economista do Itaú Aurélio Bicalho, a perspectiva pode não ser tão pessimista. Há a conjuntura externa desfavorável, mas indicadores de crédito interno sinalizariam para aumento de concessão de empréstimos. Bicalho vislumbra um quadro mais acelerado no segundo semestre, sob efeito dos últimos cortes de juros, que derrubaram a Selic para 8,5%, e maior folga nos orçamentos domésticos. “As medidas do governo demoram para ter impacto, mas já há sinais de aumento de gastos em itens mais leves de consumo das famílias.” Já a retomada de investimentos das empresas, o economista do Itaú condiciona a um ambiente mais favorável no longo prazo, tanto interna como externamente. “Vamos crescer 2%, com um fim de ano melhor, e com desempenho perto de 5% no próximo ano.”
O sócio da consultoria MB Associados José Roberto Mendonça de Barros cita que, para complicar, há o impasse com a Argentina, que afeta as exportações. “É um dos principais parceiros. O governo aceita pacificamente o grau de intervencionismo. É preciso atitude mais forte”, cobra. O economista aponta a queda da produção em máquinas como sintoma da desaceleração e reforça o coro de que o modelo focado em consumo já mostra limites. “A política do governo está muito focada no samba de uma nota só. A economia vai muito além de empurrar o consumo de automóveis. A redução de investimentos afeta muito mais gente”, previne o sócio da MB Associados.
O presidente da Fiergs, Heitor José Müller, acredita que a munição do governo para ativar a economia não se esgotou e pode inserir mais setores, como a agroindústria, em desonerações. Mas concorda com opiniões sobre esgotamento da margem de potencial de consumo associado à nova massa de consumidores, incorporada em anos recentes.
“Quem queria comprar carro novo já o fez. Diminui a cada dia os ingressantes”, avalia o industrial, que também vê certo limite nos cortes de tributos, pois podem ameaçar o equilíbrio das contas do governo. O dirigente, no entanto, admite que a conjuntura externa continuará a interferir no ritmo local, afetando investimentos. “O governo deve prestar atenção, pois não jogamos sozinhos”, lembra Müller. O presidente da Fiergs considera o impulso a investimentos públicos crucial para mover a atividade, mas cita que a execução é um obstáculo.
Produto Interno Bruto no período do real cresce menos para o da Ditadura e de Getúlio a JK
O desempenho médio anual do PIB na era do real perdeu para o dos períodos da Ditadura (época do Milagre Econômico), Getúlio Vargas e Jucelino Kubitchek, e até para a Velha República, de 1901 a 1928. Sob efeito do plano que dizimou a inflação estratosférica, o País avançou 3,26% ao ano (entre 1994 e 2011). Em 110 anos de histórica econômica, a atividade cresceu em média 8,45% entre 1966 e 1980, e 6,29% entre os governos Vargas e JK.
O exercício estatístico para confrontar como o Brasil se portou em cada sessão política foi feito pelo economista da FEE Carlos Paiva para demarcar o baixo crescimento recente e quanto há de desafios para as próximas décadas. “Crescemos em 18 anos pouco acima de 3% ao ano, quando o mundo não estava em crise. Se a atual política for mantida, ficaremos em nível mais baixo ainda”, preocupa-se. Paiva taxa de paliativas as medidas incluídas nos sete minipacotes e sentencia: “Tudo será como dantes no castelo de Abrantes após a crise”.
O analista defende maior desvalorização do real e previne que a compensação para um custo maior interno continuará a ser as empresas internacionalizarem a produção, caso, por exemplo, da Randon. Dos R$ 2,5 bilhões a serem investidos, parte será injetada nas unidades no exterior. Paiva reforça que os investimentos privados estão engessados pela incerteza do rumo da economia internacional, que afeta as exportações, e pelo consumo interno, com sinais de esgotamento no curto prazo.
Sobra dinheiro no caixa dos governos por falta de projetos
Não é por falta de dinheiro que obras de infraestrutura não saem do papel no Brasil. Em 2012, enquanto o ramo privado pisa no freio dos investimentos, o caixa público mostra fartura de recursos, o que ajudaria a amenizar a desaceleração da atividade e até impulsionar ramos da produção ligados à construção e a bens de capital. É a crença de especialistas e gestores. O problema é que poucos planos saem da intenção.
Governos das três esferas esbarram na carência de estudos e projetos e nas amarras das regras e controles das licitações, adiando a execução do orçamento e das demandas consideradas cruciais. Na lista, estão obras em rodovias, portos, aeroportos, transportes urbanos e trens. O economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gabriel Leal de Barros cita que o Ministério dos Transportes, o motor das obras federais, ostenta gastos de R$ 16,2 bilhões até o começo de julho. Mas Barros previne que apenas 39% deste volume referem-se a recursos orçados para 2012 dos R$ 20,4 bilhões previstos. “A execução é alta, o que parece positivo, mas 61% são pagamentos de valores referentes a obras feitas em anos anteriores. O governo só quita 40% das prioridades do ano”, critica.
Mesmo a flexibilidade que foi feita na lei de licitações para acelerar o pacote da Copa do Mundo 2014 não consegue resistir a projetos e estudos mal elaborados e a interrupções geradas pelos órgãos de fiscalização, além de gerar despesas maiores. O sócio da MB Associados José Roberto Mendonça de Barros, que esteve em Porto Alegre na semana passada, citou que há hidrelétricas ficando prontas no Norte, mas as redes de transmissão para levar a energia até as regiões não estão prontas. “Isso é falta de planejamento”, relaciona.
“Projetos básicos ruins e até problemas na comunicação dentro dos governos dificultam e impedem a celeridade”, acrescentou o economista da FGV, que propõe a definição de prioridades dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cuja meta de gastos para este ano é de mais de R$ 50 bilhões. “A ordem deveria ser menos caixa e mais gestão”. O diretor de negócios da Macroplan, especializada em diagnósticos sobre gargalos para a produção e maior competitividade, Alexandre Mattos, diz que a economia interna foi bem até 2010 porque o “vento soprava favoravelmente”. “Agora, o clima mudou e exige mais esforço do governo, aí surge esta situação: tem dinheiro e não consegue licitar, desapropriar e gerir as obras”, contrasta Mattos.
Para dar conta do passivo da infraestrutura, o diretor da Macroplan reforça que é preciso escalar a seleção de intervenções mais urgentes e empreender um acompanhamento de cada etapa de execução. O incentivo a concessões e parcerias público-privadas (PPPs) poderia ajudar. O diretor da consultoria defende ainda regras diferenciadas para contratar mão de obra estrangeira na área técnica, como engenheiros, ante a carência local, que também trava o ritmo de execução.
No Estado, o governo tem o desafio de gastar quase R$ 4 bilhões, volume recorde na história dos investimentos públicos, graças à captação de linhas junto ao Bndes, Banco Mundial (Bird), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Tesouro Nacional. A medida recente do governo federal alargando o teto dos estados para contrair empréstimos garantirá quase R$ 800 milhões a mais para obras.
“É uma dinheirama”, costuma dizer a diretora de captação da Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã, Margareth Vasata. A pasta tenta corrigir gargalos que envolvem falta de estudos e de projetos e pessoal. Das linhas previstas, R$ 422 milhões dos R$ 1,08 bilhão do Bndes já estão disponíveis. Pouco menos da metade – R$ 200 milhões – custeará as obras dos acessos municipais de estradas, herança do governo anterior e que já têm execução encaminhada. O diretor-geral da secretaria, Alberto Nogueira, aposta no monitoramento intensivo de cada área (são 11 secretarias) para que o recurso não fique no caixa.
Concessões e PPPs podem reduzir gargalos do setor
Para neutralizar as carências de estudos e capacidade de execução, a saída pode estar nas concessões e nas parcerias público-privadas. Com lei de 2004, as PPPs pouco avançaram em oito anos. Desconfiança sobre os contratos e sobre as intenções dos interessados, do lado da população, e risco alto ante retornos incertos, na visão dos investidores, contribuíram para uma lentidão nas contratações, apontam gestores e especialistas no segmento. Até agora, a ONG PPP Brasil, que tenta monitorar os projetos, computa 18 acordos em sete estados e registra mais cinco em consultas públicas. O governo federal, segundo Bruno Ramos Pereira, coordenador da ONG, não fez nenhuma PPP.
“O gargalo tem sido o próprio poder público, que precisa definir bem o objeto, com estudos e orçamentos, o que leva mais de um ano e meio”, cita Pereira. Mudança na lei prevendo que o setor privado pode apresentar estudos deve dar impulso ao segmento. “É o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que não gera gastos públicos, mas é preciso muita transparência para divulgar os estudos antes da concorrência”, defende. “Isso não elimina o planejamento para que investidores privados não sejam surpreendidos, além de oferta de crédito, que estaria mais escassa no Bndes.”
Para acelerar o modelo público-privado, a Estruturadora Brasil de Projetos (EBPBrasil) foi criada em 2009, tendo como acionistas oito grandes bancos e o Bndes. O diretor-geral da EBP, Hélcio Tokeschi, informa que até agora foram investidos R$ 50 milhões em 19 estudos, sendo que oito resultaram em contratos e estão em execução, oito estão em consulta pública e três foram descartados. Um dos empreendimentos é a construção do novo Mineirão, para a Copa. Os projetos efetivados somam R$ 20 bilhões em investimentos. “A empresa faz estudos de interesse privado. O vencedor que assinar a concessão ou PPP ressarce o trabalho”, explica Tokeschi, destacando que a empresa foi criada para ajudar a reduzir o déficit em infraestrutura.
Fonte: Jornal do Comércio