Fonte: Valor Econômico
Sem nenhuma liminar de última hora para impedir a disputa, o governo conseguiu leiloar ontem os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília com um sucesso acima do esperado pelos seus integrantes mais otimistas: o valor mínimo de outorga de R$ 5,4 bilhões atingiu R$ 24,5 bilhões em menos de duas horas e meia, ágio médio de 347%, metade do tempo que era previsto pelos próprios organizadores da disputa, na BM&F Bovespa.
O resultado do leilão também gerou questionamentos dos pessimistas. Sem nenhuma operadora de renome internacional entre os consórcios vencedores, a gestão dos três aeroportos ficará sob responsabilidade de empresas estrangeiras do mundo emergente. A Invepar, vitoriosa em Guarulhos com um lance de R$ 16,213 bilhões que não recebeu contraofertas, aliou-se à sul-africana ACSA. A Engevix, que arrematou a concessão de Brasília com uma proposta de R$ 4,51 bilhões e ágio de 673% sobre o valor inicial, fechou parceria com a argentina Corporación América - detentora de uma rede de 33 aeroportos na Argentina e com um histórico de renegociações contratuais e falta de investimentos. A Triunfo, ganhadora do leilão de Viracopos com uma oferta de R$ 3,821 bilhões, associou-se à francesa Egis Aiport Operation - curiosamente, suas operações se concentram no Congo, na Costa do Marfim, no Chipre e no Taiti.
Consórcios formados por operadoras estrangeiras como Fraport (Alemanha), Zürich Flughafen (Suíça) e Changi (Cingapura) ficaram longe das propostas vitoriosas. Também não participou da batida de martelo no pregão o "quarteto fantástico" das empreiteiras - Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão -, a maioria com vasta experiência internacional na construção de aeroportos.
O ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, elogiou a "coragem" dos investidores e disse que o "apetite" das ofertas reflete a confiança no país. A assinatura dos contratos de concessão, após um processo de homologação do leilão e de abertura de prazos para recursos administrativos, deve ocorrer em maio. Para o ministro, a ausência das principais empreiteiras e operadoras do mundo entre os vitoriosos não é motivo de incômodo. "Não podemos ter preconceito com a origem do capital. Se não, nós mesmos teríamos complexo eterno de vira-lata."
Nas duas horas e meia de leilão, houve sussurros e expressões de espanto quando a OHL - em parceria com a operadora espanhola Aena - apresentou uma oferta de R$ 12 bilhões pela concessão de Guarulhos, até então maior da disputa. O "advisor" de um banco que assessorava outro consórcio logo comentou: "Essa conta não fecha". Quando a disputa terminou, o próprio presidente da OHL, José Carlos Oliveira, conhecido pela agressividade de seus lances nos leilões de rodovias, disse que havia chegado ao "limite". Depois, questionado se a proposta vencedora de mais de R$ 16 bilhões da Invepar trará retorno aos investidores, ele apenas sorriu antes de caminhar para a saída: "Tomara que dê certo".
Um alto funcionário do governo comentou, reservadamente, que não esperava uma outorga superior a R$ 6 bilhões para Guarulhos. Para ele, a saída da futura concessionária será explorar receitas não tarifárias - como publicidade e espaços comerciais - rapidamente para obter retorno do investimento. "Ela precisará antecipar obras como uma mega-ampliação do estacionamento e a oferta de hotéis e até centro de convenções no entorno do aeroporto", afirmou o funcionário.
Há muito espaço para ganhar eficiência, avalia Adalberto Febeliano, diretor de relações institucionais da Azul Linhas Aéreas, que acompanhou o leilão. Até o fornecimento de eletricidade à aeronave enquanto ela está em solo, para manter as luzes e o ar condicionado ligados, é feito por empresas como Swissport. "É o tipo de serviço que a operadora pode oferecer e gerar receita adicional", exemplifica Febeliano.
O tamanho do desafio da Invepar é ilustrado pela receita total projetada pelo governo para todo o período de concessão de Guarulhos. Nos estudos que balizaram o processo de concessão, estimam-se R$ 17 bilhões em 20 anos, cerca de 5% a mais do que a Invepar pagará somente como valor de outorga, em parcelas anuais. Mesmo assim, o presidente da empresa, Gustavo Rocha, garantiu que "vamos entregar o retorno esperado ao nosso acionista". Ele não detalhou seu plano de negócios, mas antecipou que a ampliação de receitas não tarifárias é parte essencial da estratégia. "Estamos tranquilos."
Pelas regras do contrato de concessão, as tarifas aeroportuárias não podem subir. No ambiente de festa do leilão, a Infraero ganhou elogios. "Ela tira leite de pedra", comentou o presidente da Invepar. "Ao contrário do que pode parecer, temos satisfação em ter a Infraero como sócia", reforçou o presidente da Engevix, José Antunes Sobrinho.