Segunda, 09 Junho 2025

Fonte: Valor Econômico

Por Assis Moreira

O Brasil deixou de ter a moeda mais valorizada entre as 58 maiores economias do mundo. A nova campeã é o bolívar fuerte, da vizinha Venezuela do coronel Hugo Chávez. O dado foi publicado ontem, quase escondido, no site do Banco Internacional de Compensações (BIS), espécie de banco dos bancos centrais. Cada metade de mês, o banco atualiza seu índice de taxa de câmbio efetiva real (EER, na sigla em inglês), para ajudar a refletir desenvolvimentos recentes no comércio internacional.

O EER representa a média cambial da moeda de um país relativa a uma cesta de outras moedas ajustadas pelo preço ao consumidor. Se o ranking da moeda está abaixo de cem significa que está desvalorizada e tem espaço para se apreciar.

Para se ter uma ideia, em julho a taxa de câmbio efetiva real era de 160,1 por unidade do real. Caiu para 145,59 em outubro, ficando agora em segundo lugar. Com a agitação da zona do euro e retração de investidores, a moeda brasileira se desvalorizou ligeiramente e, em setembro, já havia sido superada pela moeda venezuelana em termos reais. O bolívar fuerte tinha taxa de 139,6 em julho e passou para 151,66 em outubro, levando em conta a inflação.

Índice do BIS ilustra como o real continua muito valorizado

Entre os principais parceiros do Brasil, o yuan chinês se valorizou - de 120,56 em julho para 126,42 em outubro -, mas o desalinhamento continua forte. O dólar americano e o euro mantiveram-se estáveis e desvalorizados, com taxa efetiva de 86,0 e 95, respectivamente. A taxa efetiva da moeda da Coreia é 79,28, do peso mexicano, 85,5 e da rúpia indiana, 101,5.

Em plena guerra de divisas, com até a Suíça fazendo intervenções pouco ortodoxas no mercado, o BIS ilustra a que ponto o real continua com valorização excessiva.

No G-20 de Cannes, a presidente Dilma Rousseff avisou que o Brasil vai usar a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), de 15 a 17 de dezembro, em Genebra, para insistir que a entidade examine se as regras atuais, ou novas, podem ser usadas para punir países que manipulam suas moedas.

O tema vai concentrar boa parte das discussões, fora da agenda oficial. Na medida em que se tira o oxigênio da Rodada Doha, os esforços vão ser redistribuídos para outros temas na OMC, e um deles será o câmbio. A questão é como essa discussão poderá avançar na OMC. Ainda mais quando o Brasil sofre o fogo cruzado de parceiros, acusado de crescente protecionismo. Basta ver a situação na qual o Brasil chega na ministerial de dezembro.

Primeiro, agora também a China ameaça denunciar o Brasil diante dos juízes da OMC por causa da alta do IPI para carros estrangeiros, que considera violação das regras internacionais, juntando-se ao Japão e à Coreia.

Segundo, o Paquistão não cessa de reclamar do bloqueio do Brasil a uma ajuda da União Europeia (UE) para o país, quando até a Índia, rival tradicional dos paquistaneses, resolveu retirar sua objeção depois de um ano de discussões. A UE precisa ter o sinal verde da OMC, porque as regras estabelecem que uma concessão deve ser estendida a todos os outros países. Por causa de algumas linhas tarifárias, o Brasil alimenta fricção com um país quase quebrado.

Terceiro, o Brasil não cumpriu até hoje o que o prometera, na conferência da OMC de dois anos atrás, aos 49 países mais pobres do mundo - abrir o mercado brasileiro para seus produtos sem pagar tarifas. O setor têxtil é contra, apesar de o comércio com esses países ser insignificante, em torno de 2% do total. Já a China anunciou no G-20 de Cannes que 97% de todos os produtos dos pobres serão isentos de alíquotas em seu mercado.

Nesse cenário, já foi uma proeza diplomática o Brasil ter conseguido colocar na agenda da OMC a discussão sobre câmbio. Para conseguir a convocação de seminário sobre o tema em 2012, o embaixador na OMC, Roberto Azevedo, teve que fazer uma peregrinação pelas missões diplomáticas em Genebra, para contornar temores. Um deles, de que o Brasil buscava uma barreira primária imediatista contra importações. E outro, de que, não tendo isso, iria usar o pretexto de câmbio para proteger seu mercado, tendo o céu como limite.

Em Cannes, o Brasil assustou os parceiros ao ser o único a tentar voltar atrás no compromisso, adotado no ano passado, de os países não aplicarem novas medidas protecionistas até 2013.

O desejo do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, de negociação na OMC de uma regra para impor o que chama de antidumping cambial, está longe do radar. A China e o Japão não querem nem ouvir falar no tema. Afora isso, há uma gigantesca e silenciosa maioria, que mais observa do que opina, e que mantém suspeita sobre as reais intenções do Brasil.

Para tentar convencer parceiros, o Brasil terá de apresentar um mecanismo muito bem elaborado, incluindo como e quem calculará o desalinhamento cambial, se uma eventual sobretaxa será aplicada por setor ou produto específico, se contra um único país, qual o prazo de manutenção da medida etc. Isso duraria anos de negociação.

Sobretudo, é preciso levar em conta o que pode acontecer dentro de alguns anos, quando eventualmente o real voltar a uma taxa mais normal e os EUA, por exemplo, tentarem sobretaxar produtos brasileiros por causa de câmbio. Como o índice do BIS mostra, tudo pode mudar, cedo ou tarde.

Assis Moreira é correspondente em Genebra. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Claudia Safatle

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