Melhores oportunidades profissionais, uma vida mais tranquila e a possibilidade de criar os filhos com segurança são os motivos que levam bolivianos a escolher Bady Bassitt para morar. Cem migrantes da Bolívia se instalaram na cidade vizinha de Rio Preto, a maioria em 2011. Trabalham em oficinas de confecção improvisadas nos fundos de casa e prestam serviço para empresas do setor têxtil da região. Nem todos, no entanto, estão legalizados no Brasil. A Polícia Federal deu prazo até o próximo dia 15 para que esses irregulares resolvam a situação. Caso contrário, em última instância, correm o risco de serem deportados.
Eles até tentam, mas não passam despercebidos pelas calmas ruas de Bady, sobretudo pelo jeito peculiar de se portar em público, a fala enrolada, muitas vezes incompreensível, e a aplicação no trabalho. Os bolivianos ouvidos pelo Diário têm histórias parecidas. Trocaram cidades como La Paz (capital administrativa de seu país), Santa Cruz de La Sierra e Sucre (capital judicial) por São Paulo com objetivo de trabalhar e até mesmo estudar.
Mas, cada qual a seu tempo, cansaram da vida profissional árdua, muitas vezes escrava, e também da violência na capital paulista. Abandonaram a metrópole e elegeram Bady como última esperança de sucesso no Brasil. Pouco a pouco, somam pequenas conquistas e, assim, tocam a vida sem grande lazer, divertimento e perspectiva de futuro. A descontração ocorre quando trocam as máquinas por bolas de futebol.
A maior dificuldade dos migrantes tem nome e é unanimidade: idioma. Apesar do esforço, a comunicação não é das melhores e se fundamenta no gesto. Para se fazer entender, os bolivianos misturam o espanhol nativo com o português de cidade do interior. Assim, criou-se um “espanhês”. Os bolivianos são reservados e não gostam de revelar detalhes do trabalho. A primeira coisa que afirmam é que estão legalizados. Pararam em Bady por influência de amigos, que visitaram a localidade e espalharam na comunidade dos migrantes que era um bom lugar para viver.
Histórias
Foi assim que ocorreu com o casal José Marca, 24 anos, e Ilária Helena, 25, de Santa Cruz de La Sierra. Vieram para a região após três anos na capital do Estado. “Tem muito malandro em São Paulo”, diz o homem. Eles dividem a casa com outros três parentes. Marca trocou a Bolívia pelo Brasil com objetivo de se tornar engenheiro agrônomo, mas não conseguiu até agora. “A língua é difícil. Até compreendo, mas não escrevo nada.” Por esse motivo, terminou como a maioria dos seus compatriotas: na costura. O orgulho é ter feito um curso de informática.
Júlio Chura, 42, a mulher, Sofia, 39, e os quatro filhos mudaram para Bady com serviço garantido. A primeira atitude do pai foi matricular os filhos na escola. Os maiores de idade e o casal trabalham o dia inteiro no acabamento em roupas femininas. O ganho somado chega a R$ 3 mil mensais, dependendo da produção. “Tem que trabalhar bastante para ganhar isso”, diz Chura.
Líder da comunidade na cidade, Chura foi pastor durante oito anos. Agora, devagar, retoma os cultos em espanhol aos sábados. Desconfiado, pede o crachá de identificação da reportagem e só depois de conversar bastante concorda em mostrar o local de trabalho. Na casa, há poucos móveis em comparação com a quantidade de máquinas e roupas espalhadas
Para escapar da violência, Orlando Quenta, 36 anos, mora em um sobrado com nove pessoas, entre os quais três filhos, mulher e irmãos. Após ser assaltado três vezes na capital, decidiu procurar um lugar tranquilo para trabalhar. “São Paulo é perigoso. A vida é difícil.”
Ele largou o emprego de garçom em Santa Cruz de La Sierra para tentar a sorte aqui. Não teve grandes conquistas profissionais, mas se estabilizou. Os filhos, de 4, 5 e 9 anos, nasceram no Brasil. Não falam espanhol. Por isso, considera difícil ir embora. Ganha R$ 1 mil por mês. Trabalha em casa, de segunda a sábado. O rádio fica ligado o tempo inteiro e toca música pop estrangeira. De vez em quando, leva a mulher para dançar forró e assistir rodeio. Na Bolívia, comia sopa e legumes. Agora, todo dia, arroz, feijão e “mistura”. “Minha mulher já faz um feijão bom”, afirma Quenta, que é fã de churrasco e não dispensa feijoada.
Migrantes suprem carência
A vinda de bolivianos para a região de Rio Preto se explica pela falta de mão de obra qualificada para prestar serviços de costura à indústria têxtil. É o que afirma a presidente do Sindicato Patronal das Empresas de Confecção de Rio Preto, Célia Giacomelli. A sindicalista diz que a presença de estrangeiros é bem-vinda para o setor, desde que estejam legalizados perante a lei e não sejam submetidos a trabalho escravo, como ocorre em São Paulo. “A gente não aceita essas duas condições de forma alguma. Imagino que, em Rio Preto, há um controle.”
Segundo Célia, o setor têxtil é carente de funcionários. Por isso, já é tradição buscar prestadores de serviços na região. Cedral, Monte Aprazível e Novo Horizonte são exemplos de cidades que fornecem mão de obra para empresas de Rio Preto.
As indústrias cortam o molde das roupas e as enviam junto com aviamentos para as costureiras da região montarem o produto final. “É difícil encontrar mulheres que queiram trabalhar na costura. Em Rio Preto, preferem outros setores, como o comércio”, afirma Célia.
PF dá prazo para irregulares
A Polícia Federal de Rio Preto deu prazo até o próximo dia 15 para que os bolivianos que estão irregularmente em Bady Bassitt se apresentem na delegacia para regularizar a situação. Os agentes estiveram na cidade após receberem denúncia anônima - a quantidade de bolivianos em situação ilegal não foi informada para a reportagem. Segundo a assessoria da PF, foi adotada apenas medida administrativa. Se os bolivianos não se regularizarem no prazo, serão notificados novamente. Só depois de esgotar todas as tentativas é que serão obrigados a deixar o Brasil.
A medida foi tomada com base no decreto 6975/09. É um acordo sobre residência no Brasil de estrangeiros oriundos de países que fazem parte ou são associados ao Mercosul. O cidadão natural desses países deve procurar a PF e entregar documentos para receber visto de residência temporária por até dois anos. Os estrangeiros que são autorizados a ficar no Brasil, temporária ou permanentemente, têm os mesmos direitos e obrigações que um cidadão brasileiro.
Entre o futebol e as costuras
Estevan Conori, 25 anos, vestia uma camisa do Uruguai quando atendeu a reportagem. Ele se tornou santista e torce pelo empate quando jogam Brasil e Bolívia. “A gente gosta muito de futebol. É para divertir”, afirma. Quando não estão sentados em frente das máquinas de costura, os bolivianos têm um divertimento preferido: o futebol. Nos horários de folga, eles se mandam para a quadra ou o campo de Bady Bassitt para jogar. Disputam, inclusive, campeonatos. Neste ano, fizeram uma final contra uma equipe local. Os brasileiros, mais uma vez, levaram vantagem.
Conori se casou com uma boliviana em São Paulo e tem um filho brasileiro, de um ano e seis meses. Conta que ganha R$ 800 por mês e não tem grandes luxos. “Dá para sobreviver.” Toda a família - não revelou quantos integrantes - trabalha no mesmo ofício. Eles, afirma, tentam resguardar sábado e domingo para ficar com as mulheres e filhos e, claro, jogar futebol. Não esconde a saudade da terra natal. “Meus pais moram na Bolívia.”
Fonte: Diário da Região