O recrudescimento da crise nos países ricos rouba mais a atenção dos executivos que comandam as melhores entre as maiores empresas do país - premiadas ontem na solenidade do anuário "Valor 1000" - do que os primeiros sinais do desaquecimento da atividade doméstica. Para empresários de diferentes segmentos, a crise na Europa e nos Estados Unidos traz junto um dos elementos que mais complica a gestão de qualquer companhia: a incerteza. Dúvidas sobre o tamanho, a duração, a intensidade, as consequências e a própria cara da crise entraram na rotina das empresas. No mercado interno, a desaceleração já aparece em vários setores, especialmente em bens de consumo, mas os empresários a classificam de "tênue".
A preocupação com os efeitos da crise nos países ricos está presente, especialmente entre os setores que exportam ou cujo desempenho está diretamente ligado aos preços internacionais. Para o presidente da Suzano Papel e Celulose, Antônio Maciel Neto, a forma como a correção dos problemas for feita nas nações europeias - organizada ou desorganizada - determinará os efeitos sobre o Brasil. "A probabilidade maior, no entanto, é para uma crise mais longa, de dois a três anos", afirmou. Para o executivo, caso esse cenário se confirme, o Brasil sofrerá.
Para a empresa de mineração Buritirama, que explora manganês, os efeitos colaterais da crise são os que mais preocupam. O principal deles é a desvalorização cambial, que reduz o preço em real dos produtos da companhia, que exporta 90% da produção e já sofre com a queda da cotação do minério no mercado internacional, afirma Silvio Tini, diretor-presidente da companhia. Tini não espera, contudo, arrefecimento da demanda em consequência da crise internacional. "Quem conhece a China sabe que o ciclo econômico provocado pela migração para as grandes cidades vai continuar."
Laércio Cosentino, executivo-chefe da Totvs, diz que não há dúvidas de que o mundo enfrenta uma crise de longo prazo. Medidas mais drásticas, que deveriam ter sido adotadas anteriormente, como na crise de 2008, foram proteladas, o que criou uma pressão maior, na sua opinião. "Os países se endividaram e agora precisam fazer cortes em áreas críticas, como saúde, educação e previdência."
O impacto dessa situação sobre o Brasil vai depender do posicionamento que o país assumir diante da crise, disse Cosentino. "O Brasil deve atrair mais investimentos, fortalecer sua marca no exterior e pisar no acelerador", afirmou o empresário. "Se ficar quieto, pode tornar-se refém da crise."
Horacio Balseiro, presidente da Bic Amazônia, e Paulo Basílio, presidente da ALL Logística, fazem parte do grupo dos otimistas: apostam no crescimento dos negócios e da economia, independentemente da crise que se alastra pela Europa e Estados Unidos. Na verdade, ambos enxergam o cenário como oportunidade para crescer e ganhar participação de mercado. O presidente da Bic acredita que a fabricante das tradicionais canetas deva apresentar crescimento das receitas em torno de 13% em 2010, desempenho semelhante ao de 2010. "Em momentos de crise, os consumidores preferem produtos duráveis de marcas já consolidadas", diz.
Mesmo otimistas, empresários de diferentes segmentos já sentiram desaceleração do ritmo de crescimento doméstico - mas todos classificam o desaquecimento como "pequeno". A Cielo, empresa de pagamentos eletrônicos, já sente no dia a dia uma pequena redução no ritmo de crescimento dos negócios no mercado doméstico, seja em relação à própria atividade, seja em conversas com clientes de outros setores da economia. Segundo Rômulo de Mello Dias, presidente da empresa, a expansão do volume de transações processadas atualmente ocorre em velocidade inferior àquela verificada no segundo trimestre - quando o montante financeiro alcançou R$ 74,6 bilhões, alta de 21% sobre igual período de 2010.
Maciel Neto, da Suzano, disse que, no mercado interno, onde a venda se concentra em papéis, a empresa enfrentou comportamento variado: crescimento de 3,3% em material de imprimir e escrever e queda de 11,2% em papel cartão, que é utilizado na fabricação de embalagens e funciona como um indicador importante do nível de atividade industrial. "Cai antes da economia como um todo, e também sobe antes dos demais setores."
No segmento de bens de consumo, a retração chegou, mas é leve. A varejista de vestuário Renner registrou uma "pequena redução nas vendas deste mês", informa o presidente da empresa, José Galló. Mas, na opinião do executivo, ainda é cedo para dizer se isso já é um reflexo na desaceleração no consumo. "Estamos em um período de transição de coleção, enfrentando grande variação de temperatura", disse, citando o frio intenso no Sul no momento em que a coleção primavera-verão já chegou às lojas.
A indústria de cimento já enfrenta sinais de desaceleração da demanda. O ritmo de vendas, principalmente no Sudeste está menos intenso desde maio, disse Marcelo Chamma, diretor da Votorantim Cimentos responsável por produtos complementares nos setores de construção e agronegócios. "São sinais bem tênues, vistos nas vendas diárias de cimento nos últimos meses", informou Chamma. Segundo o executivo, o ritmo de vendas está cerca de 5% superior ao ano passado. No início de 2011, a indústria trabalhava com crescimento da demanda de 8% a 9%.
O presidente do Conselho de Administração das Baterias Moura, Edson Viana Moura, observou que e os sinais de uma possível desaceleração da economia ainda são muito tênues. "Nosso principal mercado é o de reposição de baterias, no qual não houve qualquer sinal de refluxo, pois a frota de automóveis no país aumentou. Só oscila se cair a produção, e mesmo assim só á algo que se pode sentir em alguns anos", avaliou.
O empresário Angelo Bazan, diretor-presidente da Usina Bela Vista, com sede em Pontal (SP), informa que a usina, do segmento sucroalcooleiro, não observa nenhuma redução da demanda por seus produtos, o açúcar e o etanol, cuja procura tem estado acima da oferta disponível. A percepção é semelhante na produção de alimentos, diz o diretor-presidente da maior cooperativa agrícola da América do Sul, José Aroldo Galassini, da Coamo Agroindustrial.
A Grande Moinho Cearense, que produz farinha de trigo para a panificação e indústria, avalia que sua empresa e o setor, por trabalharem com alimentos que estão entre os mais baratos do mundo, sentirão muito pouco dos efeitos de uma eventual crise externa.
No setor de serviços, a desaceleração ainda não apareceu. A Dasa, maior empresa de medicina diagnóstica do país, não prevê impactos diretos da crise econômica internacional em seus negócios. "O mercado de saúde não deve ser surpreendido com um desaquecimento de novos negócios e clientes atuais", avalia o diretor presidente da companhia, Marcelo Noll Barboza. Opinião semelhante tem o empresário Cleiton de Castro Marques, CEO da Biolab Sanus. O mercado farmacêutico do país, diz ele, está blindado às intempéries da economia internacional.
A Vivo e o grupo Telefônica trabalham com serviços que não costumam ser muito afetados por oscilações no nível de atividade econômica, especialmente sob uma crise que afeta mais o hemisfério norte, afirmou Antonio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica. "De maneira geral, a demanda por serviços de conexão continua a apresentar um bom desempenho, como mostraram os números de nosso balanço do primeiro semestre", disse ele.
Em outros segmentos do setor de serviços, a preocupação é maior e envolve também efeitos colaterais, como investimentos. A competição com investidores estrangeiros no setor elétrico brasileiro tende a se acirrar cada vez mais em função da crise que afeta Estados Unidos e Europa, na opinião do presidente da CPFL Energia, Wilson Ferreira Jr. Ele diz que em poucos países existem grandes investimentos a serem feitos com tamanha segurança jurídica e regulatória, como no Brasil. "É natural que esses investidores olhem o Brasil de forma diferente e que com isso tenhamos mais competição."
O cenário de incerteza na economia internacional preocupa a presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Dilma Pena. Com investimentos anuais na casa de R$ 1,2 bilhão, que devem ser mantidos até 2017, quando o governo paulista estima que terá universalizado os serviços de saneamento básico no Estado, Dilma diz que a Sabesp necessita de crédito com prazo e segurança, e que a crise pode afetar os principais financiadores da empresa.
A empresa argentina Impsa, que produz turbinas hidrelétricas e aerogeradores, está otimista em relação ao mercado brasileiro e o presidente da empresa no Brasil, Luís Pescarmona, diz que a crise que afeta o mundo é mais de liderança do que de fundamentos econômicos. Ele acredita que a América Latina como um todo está blindada e vai continuar crescendo. O executivo Roberto Perroni, presidente da Cyrela Commercial Properties (CCP), empresa de renda da Cyrela que atua nos segmentos de shoppings, prédios comerciais e galpões logísticos, não notou a desaceleração da economia.
Fonte: Valor Econômico