Editorial | Coluna Dia a Dia
Ele disfarça, arrota umas taxas aqui, um decreto para o mundo cumprir ali, mas lá no íntimo ele sabe: os Estados Unidos perderam a mão, o leão está ficando sem dentes, não assusta como antes. Ainda tem a força... mas as garras estão cortadas, a visão fraca não lhe permite mais reconhecer os amigos… basta manter distância prudente e seguir em frente. O mundo está fazendo isso, e Trump teme o resultado. Que ele mesmo impulsionou, aliás.
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E de quê Trump tem medo? A pista está em suas atitudes. Ele ameaça quem cogita legitimamente a criação de um substituto para o dólar, em transações que não envolvem os EUA. Trump sabe que não é fácil, poderia apenas rir da ideia. Mas não, solta ameaça atrás de ameaça, com taxas que – fica só entre nós este segredo – serão pagas pelos próprios consumidores estadunidenses, seus eleitores ou não.
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Há 25 anos, certo Hussein teve ideia parecida, mas precisou fugir do palácio, foi perseguido e morto, em meio à invasão do Iraque pelos EUA, sob o falso pretexto de haver um estoque secreto de armas proibidas debaixo de uma ponte… que nunca apareceram, sendo tudo desmentido pelos próprios EUA.
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O detalhe agora é que os ameaçados são os próprios construtores de um mundo novo – e este é o verdadeiro temor de Trump. Ele se excluiu desse futuro, que por isso quer demolir antes que cresça. O substituto do dólar? Só uma desculpa, como a das falsas armas.
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O dirigente norte-americano ameaçou sobretaxar até quem expressasse apoio à desdolarização, “sem exceção”, tentando cortar essa ideia pela raiz. Agora, tem de cumprir a ameaça (ou ficar ainda mais desmoralizado pelas bravatas), “punindo” 30% da economia mundial, incluindo fornecedores de petróleo, de terras raras e outros produtos de interesse estratégico. Resultado? Surpresa!! (Aguardem os próximos capítulos).
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E a novela vai ficando interessante. Notícia destes dias: a montadora BYD encerrou suas importações para 2025, estoque garantido antes da vigência das taxas. E assumiu instalações da Ford em Camaçari/BA. Como outros notaram: saiu uma produtora estadunidense de veículos movidos a combustíveis fósseis, entrou uma chinesa produtora de carros elétricos… No universo Disney, a MAGA Patalógica está orgulhosa do pato Donald…
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Se todos fizeram como a BYD, talvez não vejamos muitos navios em certas rotas até 2026, por falta do que transportar. A estagnação desses tráfegos pode ser acompanhada por uma recessão nos EUA, pela paralisação dos negócios e das linhas de produção, com comércio exterior inviável.
Some-se a isso: queda contínua no poder do dólar, novos impostos internos, elevação brutal na dívida pública, redução de serviços essenciais para o país funcionar, surgimento dos muambeiros ianques, desemprego e falta de imigrantes para trabalhos mais pesados… Trumpestade perfeita, como eles já dizem.
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Vem agora o mais surreal: não é só uma BYD. Os chineses assinaram dia 7/7 um acordo com o Brasil para costurar o trecho bioceânico da Nova Rota da Seda, ligando por ferrovia o super-porto sino-peruano de Chankay com Ilhéus/BA. Se tudo for resolvido nas negociações, a grande ferrovia logo estará pronta, ao ritmo chinês padrão de 14 km/dia…
A China pensa grande: no capítulo seguinte, pode acontecer a ligação com Santos. A questão é que talvez os santistas estejam dormindo no porto (era “ponto” na citação original, sabemos, mas vale a licença poética…). A ligação entre o Pacífico e Santos, que originalmente seria direta, poderá ser com escala na Bahia, pelo menos num primeiro momento. Humm...
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Vamos analisar isso melhor mais adiante. Inclusive porque Rota da Seda, o nome diz, é algo de maior interesse para a China, em sua geopolítica mundial. Precisamos colocar as nossas cláusulas, conforme os interesses de nossa indústria (nem um pouquinho do material rodante fabricado aqui?), nosso comércio (qual a nossa participação nas cargas transportadas?), nossos portos e até a nossa população (quantos empregos vai gerar no Brasil?). Nada que não possa ser resolvido para satisfação de todas as partes, basta um pouco de boa vontade.
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E onde entram os EUA em tudo isso? Pagando ingresso no cinema, como meros espectadores do avanço de uma nova Economia de que se autoexcluíram. Ficarão à margem da História, resmungando isolados no mundinho de que se consideram soberanos. O mundo vai mostrando como formar parcerias mais proveitosas com outros atores, que respeitem acordos de amizade e tratados internacionais de comércio e defesa.
Agora, enquanto o mundo se entende (ou não) com o presidente norte-americano e o Brasil com os chineses, a Bahia coloca Ilhéus na linha do trem interoceânico e Santos fica discutindo sem fim se faz ou não porto em águas profundas, o que faz (ou não) com os acessos terrestres congestionados, quem toma conta do quê… Tem conversa aí para mais de metro!

Foto: Rafa Neddermeyer/Brics Brasil