osvaldo agripino coluna
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“O Brasil não tem problemas,
mas apenas soluções adiadas”
Câmara Cascudo

Atuo desde 1981 no setor marítimo e portuário, quando iniciei como oficial da Marinha Mercante, no papel de piloto de navios no longo curso em empresas como Petrobras e Vale, dentre outras, e tive a oportunidade de viajar para vinte e sete países e operar em sessenta e cinco portos. Em 1992, encerrei minha jornada nos mares, passando a exercer a advocacia, também em matérias relativas ao comércio marítimo internacional e no setor imobiliário.

Além da prática privada, também segui carreira na universidade, concluindo, nos anos seguintes, meu Mestrado (1996) e Doutorado em Direito (2001), bem como realizei pesquisas em instituições reconhecidas internacionalmente, como as universidades americanas de Stanford (2000) e Harvard (2007-2008), como Visiting Scholar, e o International Maritime Law Institute (IMLI), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), como professor convidado desde 2010.

Sou professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (PPCJ/UNIVALI) desde 2005, lecionando, participando de bancas de defesa em várias instituições, dentre as quais, USP, UFSC, PUC-SP e FGV, e orientando 44 dissertações e 7 teses de Doutorado, sendo mais de trinta dissertações e teses sobre regulação econômica, portos, transportes e eficiência na cadeia logística de comércio exterior.

O que significa demurrage e detention no Brasil 1
Imagem: Rodoquick Transportes

Também fui professor, durante quase uma década (2014-2021), do Mestrado em Engenharia dos Transportes e Gestão do Território da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). São quase quarenta e cinco anos de apaixonada atuação diária, ininterrupta, a esse dinâmico setor.

Mas confesso que, nesses mais de quarenta anos de vivência na área, nunca vivenciei uma crise como a atual. Pior, não vejo medidas do Estado brasileiro para reduzir seus impactos, seja no curto, médio ou longo prazo.

ANTAQ realiza 37 mil fiscalizacoes em 2024 e mantem baixo indice de permanencia de irregularidades
Imagem: Abar

Locaute regulatório

A Antaq está sobrecarregada, devido ao locaute regulatório causado pela omissão do Congresso Nacional e do Executivo Federal na alocação de recursos e condições adequadas de trabalho. Está com demanda grande, mas com quadro de funcionários insuficiente, em que pese o esforço do seu qualificado quadro de servidores. Há caso de liminar deferida em outubro de 2021, sem que o mérito da causa tenha sido julgado. São quase quatro anos. Ela tem demorado nas análises de pedidos cautelar, além de exigir requisitos, como fatura impugnada antes do vencimento, para o deferimento de liminar, quando não há regulação do dispute do armador-agente e em muitos casos a fatura vence no mesmo dia da emissão. Requisito impossível de ser cumprido.

Vale ressaltar o empenho de vários congressistas, como o Deputado Federal Júio Lopes (PP-RJ), que tem liderado, junto com a Logística Brasil, através do seu Presidente André de Seixas, um movimento junto aos órgãos competentes para reduzir esse locaute regulatório com o aumento dos recursos para as agências reguladoras. É preciso que os Diretores das Agências reguladores se envolvam nesse movimento a fim de reduzir o processo de inanição reguladora em curso.

Imagem: Agência Brasil
Imagem: Agência Brasil

A Audiência Pública na Câmara dos Deputados

Mas nesse caos, há esperança. Nunca tive conhecimento de uma audiência pública realizada em Congresso Nacional para tratar de combater os abusos na sobre-estadia de contêiner, como a que aconteceu no dia 12/06/2025, realizada pelo Deputado Federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), com a convocação da Antaq, Centronave e representantes de usuários.

O Deputado, após ouvir manifestações dos presentes, foi enfático (58min) ao mencionar que se não for aprovada uma regulamentação que precisamos, “será aprovado no Congresso um endurecimento com responsabilidades para a Antaq e Receita Federal”:

A quantidade imensa de cobranças extra-frete sem fato gerador, assim como de detention e demurrage, cujo atraso no embarque ou na devolução de vazio não foi causada pelo usuário, juntamente com faturas de armazenagem imódicas, têm sido comuns na logística marítima e portuária brasileira. Além disso, o regulador não pode imputar aos usuários, os custos da logística, quando a carga fica retida mais de oito dias pela Aduana, por exemplo, quando em greve. Essa despesa não é do usuário, é da Aduana, ineficiente.

Recentemente, atuamos na defesa de um importador que estava sendo cobrado no valor de R$ 1.652.035,20, por um agente intermediário, com free time de 5 dias, e diária de US$ 238, enquanto o armador cobrava US$ 80,00, o que conduziria ao valor de R$ 478.181,60. O ambiente atual permite esse abuso: uma cobrança mais de três vezes superior ao do armador.

inspecao de cargas e containers
Imagem: Wilson Sons

A insuficiência da regulação existente: tunnel vision?

Não há norma para identificar abusividade e prover uma metodologia para aplicar a modicidade no setor regulado pela Antaq. Em 2023, após vários anos de luta na Antaq, TCU e no Poder Judiciário, o Diretor Relator, que foi Superintendente de Regulação e atuou fortemente em todos os processos que envolviam o problema, propôs submeter a minuta de metodologia à uma audiência pública, mas houve pedido de vista.

A Diretora Revisora, depois de analisar o processo durante vários meses, entendeu que não era um problema (“não ficou devidamente demonstrado com base em dados ou evidências a existência de uma prática de preços abusivos na cobrança de sobre-estadia de contêineres que justifique a intervenção regulatória da Antaq” e votou contra, sendo vencido o relator por 4 votos a 1, e o processo foi arquivado (Acórdão n. 120/2023). Foi feito um recurso pela Logística Brasil e o Cecafé mas a decisão foi mantida.

O problema continua diante de visão de túnel do regulador nesse tema, por entender que a Antaq é o órgão que recebe a maioria dos problemas envolvendo demurrage-detention no Brasil. Não é. A quase totalidade (dezenas de milhares de processos) dos casos ainda tramita no Judiciário em ações de cobrança, muitas delas por parte de credores (de má-fé) profissionais.

Imagem gerada por IA
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O colapso logístico

Aliado a isso, a falta de capacidade operacional nos terminais de contêineres dos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná é estarrecedora, cuja ineficiência é muito exacerbada pela cada vez menor pontualidade dos armadores, que acumulam extensões de deadlines e omissões de porto nas suas linhas de navegação ditas regulares, desestabilizando sobremaneira a cadeia logística, de maneira sistêmica.

Hoje o usuário brasileiro, seja ele uma empresa de pequeno porte ou uma grande multinacional, sofre diariamente com a falta de janelas para depositar seus contêineres cheios na exportação. Quando conseguem depositar, os navios não vêm no prazo estipulado.

Quando vêm, nem sempre embarcam todos os contêineres reservados. Enquanto isso, acumulam-se custos, como pré-stacking perante armazéns retroportuários, que operam fora da regulação da Antaq, armazenagem adicional perante o operador portuário, além de detention perante o armador infrator.

Na importação o cenário é tão desolador quanto. Contêineres são desembarcados e colocados em pilhas e os operadores portuários não conseguem depois posicioná-los com agilidade para as etapas subsequentes do despacho aduaneiro.

Servidores da Receita Federal entram em greve constantemente, isto quando não estão realizando suas (na maior parte das vezes justas) manifestações através de condutas menos midiáticas, mas tão impactantes quanto, como as chamadas “operações tartaruga”, em que as atividades fiscalizatórias são realizadas de maneira propositalmente mais demorada, gerando enormes despesas para o usuário.

Imagem: É assim
Imagem: É assim

E a coisa só piora, a cada ano que passa. Tem se tornado cada vez mais frequente episódios como o desembarque de contêineres em portos distintos daquele acordado (porque o armador simplesmente omite - "dá uma rasteira" - o porto original, descarregando a carga no porto seguinte), ou então a recusa de recebimento dos contêineres vazios pelos armadores, após já terem sido desovados pelos usuários (gerando cada vez mais sobre-estadia).

Embora esteja lutando (através do meu escritório de advocacia, que presta serviços para associações de importadores e exportadores de relevo nacional e, quando envolvem disputas entre si, para agentes intermediários, armadores, operadores portuários e retroportuários, seguradoras e despachantes aduaneiros) há quase vinte anos para a edição de normas razoáveis.

Isso tem sido feito junto ao Congresso Nacional, à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ao Ministério dos Portos e Aeroportos e ao Tribunal de Contas da União (TCU) mas, ainda assim, infelizmente, os problemas se avolumam, apesar de muito já ter sido feito pelas referidas instituições públicas.

Temos tido o privilégio de participar ativamente na construção das normas mais importantes para garantir o serviço adequado no setor, desde a provocação dos órgãos públicos competentes, mas também durante o processo normativo, em audiências públicas, reuniões com representantes do Executivo Federal, Congresso e Judiciário, e até mesmo em demandas judiciais como amicus curiae, quando tais normas são contestadas pelo status quo, mesmo assim vemos decisões judiciais condenando o usuário a pagar US$ 257 mil de Demurrage de um contêiner, conforme artigo adiante:

Deus nos protege do atraso, pois, conseguimos sucesso em todas elas. Como exemplo, dentre várias, cito a Resolução Normativa n.º 18/2017, revogada pela Resolução nº 62/2021, da Antaq, que estabelece as regras sobre os direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso, e estabelece infrações administrativas.

Falta uma política expressa de proteção da economia nacional. A competitividade brasileira é flagelada por custos logísticos desproporcionais em ambiente com enorme assimetria de informação e de representação, e pelo modelo de regulação ex post que impõe enorme ônus probatório ao usuário, em operações onde o diabo mora nos detalhes.

Cobranças sem lastro dos prestadores de serviço do setor são cada vez mais comuns, assim como o aumento de preços de maneira não condizente com o retorno oferecido ao usuário.

O transporte aquaviário de mercadorias, bem como a exploração da infraestrutura portuária, não é o Velho Oeste, dos EUA, ou a terra de Marlboro, da Baixada Fluminense. O setor é regulado, por determinação expressa da Constituição e das leis federais. Armadores, agentes intermediários e operadores portuários devem prestar serviço adequado ao usuário, nisto entendido aquele oferecido com regularidade, eficiência, segurança, modicidade e pontualidade, dentre outros requisitos estabelecidos pela Antaq.

Imagem gerada por IA
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A ilegalidade de algumas cobranças extra-frete

Vale ressaltar que, ao longo desses anos, temos obtido êxito na contestação da maior parte das cobranças e práticas abusivas cometidas por parcela dos prestadores de serviços acima mencionados, que podem ser canceladas e terem o valor pago devolvido nos âmbitos regulatório, especialmente, e judicial.

Em muitos casos conseguimos fazer com que armador ou agente devolva o valor pago a título de armazenagem no terminal retro, bem como em cobrança extra-frete, como a Export Logistic Fee (ELF), ou equivalente, paga nos últimos anos a alguns armadores e agentes intermediários. Em outros, o agente intermediário tem cedido para aceitar que o valor da diária de demurrage/detention seja aquele ou próximo do valor cobrado pelo armador.

Além disso, o Gerenciamento do Risco (GRIS) cobrado por alguns operadores portuários em percentual sobre o valor da carga, geralmente 0,5% sobre o valor CIF, tem sido declarado ilegal, e determinada a sua devolução.

A Antaq, contudo, especialmente depois das decisões do STF e do STJ aumentarem a judicial deference aos seus atos, por ser cada vez mais reconhecida como essencial pelos usuários, encontra-se atualmente afogada, precisando urgentemente de novos concursos públicos para aumentar seu quadro de servidores e dar conta da demanda crescente. 

Um país não pode se desenvolver sem instituições públicas fortes, regulando com competência e imparcialidade as distorções do mercado. Todos os países que tem tido sucesso na economia globalizado o fazem, alguns mais, outros menos. Aqueles que exercem a regulação com mais eficiência, são os que serão vencedores no futuro, garantindo os direitos dos atores que geram a riqueza dentro do seu território.   

Para a economia desenvolver-se, é imprescindível segurança jurídica. O empresário precisa saber o que esperar do amanhã. E para isso são é preciso regras claras, bem como oficiais públicos que estejam aptos a aplicá-las, com celeridade e contundência. 

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O que fazer?

Diante dessas breves notas, posso afirmar que muito precisa ser feito para colocar o Brasil no caminho certo no mercado cada vez mais competitivo e dinâmico do mundo atual. Cada dólar adicionado nas operações de nossos empresários é um prego no caixão do futuro de nossa nação. 

Nesse contexto, é relevante que os prejudicados, através das suas associações, envolvam-se com os trabalhos da Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados, conduzida pelo Deputado Cezinha de Madureira (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. · Telefone: (61) 3215-5533), e acompanhem a regulação que vem sendo feita na Antaq, façam contribuições e não paguem todas as faturas enviadas, especialmente quando algum desconto é dado a título “de cortesia comercial”. Busquem orientação perita, através de assessoria jurídica especializada para lutar contra as práticas dos cobradores profissionais de cobranças abusivas.

Precisamos de governantes com ciência do que precisa ser feito, e com proatividade para fazê-lo. E isso só será possível através da movimentação dos próprios empreendedores brasileiros, que devem demonstrar com mais assertividade a sua insatisfação com o caótico cenário atual, inclusive exigindo dos governantes a valorização e o empoderamento da regulação setorial, para evitar o locaute e a inanição do regulador, ação vital para a solução dos seus problemas.

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