A naturezajurídica das medidas antidumping tem suscitado inúmeras divergênciasdoutrinárias, sendo a matéria, hoje, considerada sob três pontos de vista, asaber: as que lhe atribuem a natureza de tributo; as que as definem como umatípica sanção decorrente da prática de um ato ilícito; e as que lhe atribuemnatureza de norma de acesso ao mercado interno de um dado país.
No plano internacional essa discussão estásuperada, uma vez que os acordos que versam sobre dumping claramentereferem-se às suas medidas punitivas como "antidumping duties", expressãoque, traduzida literalmente, implica a idéia de tarifa ou imposto, o quedemonstra a sua incontestável natureza tributária.
José Roberto Pernomian Rodrigues (Rodrigues, 1999,p. 241), em sua tese de doutorado, defende que histórica e normativamente asmedidas antidumping possuem natureza de tributo, porém, no Brasil, oCódigo Tributário Nacional não nos permite assimilar tal compreensão, uma vezque dispõe em seu art. 3º ser tributo "toda prestação pecuniária compulsória, emmoeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de atoilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativavinculada".
Facilmente depreendemos que as medidas antidumping não podem ser classificadas como tributos na medida em que estesnão podem ter como fato gerador um ato ilícito. O dumping, como ditoalhures, consiste numa prática comercial desleal, assim caracterizada tanto emâmbito interno, quanto internacional. Os diversos decretos e leis queinternamente disciplinam o dumping não deixam pairar dúvidas sobre anatureza ilícita de sua prática.
O dumping punível, ou seja, aquele que causaou ameaça causar dano a indústria doméstica ou retarda o estabelecimento de umaempresa na economia interna, tem sempre por objetivo a dominação de mercados,sendo o "dolo" a característica ensejadora de sua reprovabilidade.
Enquanto que o tributo tem por finalidade precípuaarrecadar recursos para os cofres públicos no intuito de implementar políticaspúblicas e satisfazer as necessidades da população, a aplicação de medidas antidumping é determinada por outra sorte de fatores, qual seja o dereprimir uma prática cuja permanência pode trazer sérios prejuízos ao parqueindustrial nacional e, por conseguinte, aos que dele retiram seu sustento.
Se tivermos em mente a ilicitude da prática do dumping, ser-nos-á fácil enfrentar a natureza jurídica das medidas antidumping. O acordo originário instituidor do GATT fez alusão aodumping em seu artigo VI, porém, haja vista a complexidade do tema, estemesmo artigo foi objeto de posterior acordo multilateral, denominado de "Acordode Implementação do Artigo VI do GATT", também conhecido por Código Antidumping, que veio lançar luzes no meio de tantas controvérsias queinquietavam a Comunidade Internacional. Nos termos deste Código, o dumpingé assim discriminado:
"Art. 2.Determinação de Dumping§1º Para os finsdeste Acordo, um produto é objeto de dumping, isto é, introduzido nomercado de outro país a preço inferior ao seu valor normal, se o preço deexportação do produto, quando exportado de um país para outro, for inferior aopreço comparável, praticado no curso de operações comerciais normais, de umproduto similar destinado ao consumo no país exportador."(10)
Hoje é pacífico o entendimento do dumpingcomo uma prática ilícita. No Brasil, contudo, em virtude da noção de tributodefluir de definição legal, as medidas antidumping não podem serenquadradas como tal, uma vez que a nossa legislação exclui expressamente doâmbito tributário as prestações pecuniárias compulsórias que constituam sançãopor ato ilícito, de que é exemplo o direito antidumping.
Se as medidas antidumping não podem sercaracterizadas como tributos, teriam elas natureza de sanção? Mais uma vez temosde opinar pela negativa. A própria noção de sanção nos é bastante elucidativa enão nos permite chegar a essa conclusão.
Com efeito, sanção é uma medida coercitiva previstapelo ordenamento jurídico e tem como premissa maior para sua aplicação aexistência de uma conduta considerada indevida e reprovável. No intuito decoibi-la, o ordenamento jurídico institui punições, sanções de ordem civil,penal ou administrativa que objetivam a cessação da conduta desviante. O próprioMiguel Reale, ao discorrer sobre o tema, já ilustrava que "sanção é todaconseqüência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seucumprimento obrigatório" (Reale, 1994, p. 260).
Com o dumping, entretanto, isto não ocorre,uma vez que a aplicação de medidas antidumping permite, diferentemente doque se dá com a sanção, que o produto continue a ser exportado, desde que sejapaga a sobretaxa de importação determinada pelas autoridades locais do paíssupostamente lesado. Além do mais, a facultatividade na aplicação dos direitosantidumping elide qualquer possibilidade de se configurá-los como sanção,uma vez que esta, observada a ocorrência da conduta ilícita, é aplicada semqualquer juízo discricionário.
A tese de doutoramento de Aquiles Augusto Varandafoi a primeira no país a versar sobre dumping e afirma que "o direito antidumping, sem dúvida, é sanção, ou seja, medida tendente a assegurar aexecução de regra de direito, especificamente da regra de direito que tornacondenável o dumping que causa dano ou que ameaça causar dano a um ramode produção nacional. Quando o exportador deixa de observar a regra que veda aprática do dumping condenável, surge a coação ou sanção física na formado direito antidumping, que é sanção que se concretiza pelo recurso àforça que lhe empresta um órgão, nos limites e de conformidade com os fins doDireito" (Varanda, 1987, p. 142).
Contudo, Tércio Sampaio Ferraz Júnior rebate talpensamento afirmando: "É evidente que ao ato ilícito não pode corresponder aaplicação de uma sanção facultativa, o que desde logo afasta a possibilidade dese caracterizar os direitos antidumping e compensatórios como sanções poratos ilícitos, já que se está diante de atuação discricionária do Poder Público"(Ferraz Júnior et al., 1994, p. 94).
Acreditamos que a caracterização das medidas antidumping como sanção não procede, seja pela discricionariedade de suaaplicação, seja porque sua finalidade precípua não é punir ou impedir que asimportações se realizem, mas sim que o dano à indústria doméstica seja elidido.Neste norte, afirmam J.F. Beseler e a N. Williams que: "medidas antidumpinge compensatórias visam mais a remover o dano sofrido pela indústria doméstica doque a arrecadar divisas ou penalizar exportadores por sua prática de preços nopassado" (11) (apud Ferraz Júnior et al., 1994, p. 94).
Outrossim, somos da opinião que, diante daimpossibilidade de caracterizar as medidas antidumping como tributo ousanção, há de se tomá-las como norma de acesso ao mercado interno, asquais deverão ser obedecidas como pressuposto ao ingresso de determinadamercadoria no país importador. Ressalte-se, contudo, que este pensamentoaplica-se quase que exclusivamente ao Brasil, uma vez que os demais paísessubscritores dos acordos do GATT não encontraram qualquer empecilho em suaslegislações internas que impossibilitasse a tradução literal de "duty"como "obrigação de natureza tarifária".
Finalmente, a imposição de direitos antidumpingnão constitui tributo ou pena imposta ao importador, tratando-se, sim, de umaimposição para-tarifária de direito econômico internacional, fruto do direitoconvencional que, ao ser regulamentada pelo direito interno, entrou em conflitocom a mesma compreensão da matéria no direito tributário brasileiro. Todavia, aimposição de direitos antidumping visa a restabelecer o equilíbrio decompetitividade rompido pelas práticas desleais de comércio.
(Fonte:Artigo "O dumping eas práticas desleais de comércio exterior")