A Petrobras vem afretando embarcações de bandeira estrangeira cujos armadores descumprem a legislação brasileira e as Convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, impondo condições de trabalho aviltantes aos seus tripulantes, nacionais e estrangeiros. A denúncia é da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos (Conttmaf) e do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar).
As infrações colocam em risco a vida humana, a segurança da navegação e o ambiente. De atrasos nos salários, que se prolongam por meses, à falta de equipamentos de segurança apropriados, passando por rancho de má qualidade ou em quantidade insuficiente, as denúncias vêm sendo constatadas por inspeções realizadas por representantes do Ministério do Trabalho e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outros órgãos.
O descumprimento da cota de tripulantes brasileiros a bordo, como determina a Resolução Normativa 72, do Conselho Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho (principal mecanismo de inserção de marítimos brasileiros em navios estrangeiros que operam no Brasil), é uma das irregularidades mais graves verificadas. Há também registros de clara discriminação com tripulantes brasileiros, acomodados em camarotes inferiores aos destinados a estrangeiros com mesma função ou patente, o que viola norma (MLC-2006) da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No que toca o percentual obrigatório de brasileiros a bordo, as infrações são recorrentes. O petroleiro Chem Violet, por exemplo, operou mais de 90 dias no Brasil sem qualquer tripulante brasileiro. Como é sabido, a RN 72 impõe, a partir do terceiro mês de operação no país, o emprego de um terço de tripulantes brasileiros no segmento de apoio marítimo; e um quinto, no caso da cabotagem e da atividade de prospecção, bem como percentuais progressivamente maiores a partir de 180 e 360 dias. O Chem Violet é um caso que bem exemplifica a grave situação dos afretamentos em curso na Petrobras.
Recentemente arrestado pela Justiça brasileira depois que o armador turco - a empresa Eco Shipping - abandonou a tripulação, deixando de pagar os seus salários, o navio está, por determinação da Justiça, sob a guarda da Petrobras, até que seja leiloado. O armador foi acionado a pagar à tripulação turca os mesmos direitos dos marítimos brasileiros, como determina a Lei, incluindo férias, 13o salário, FGTS e multa rescisória, além de responder por danos morais. Infelizmente, não se trata de um caso isolado.
Esses navios estão sendo afretados de forma pouco criteriosa, ou com base apenas no parâmetro "menor preço", que ainda assim é demasiadamente elevado, sobretudo se considerado o baixo padrão verificado. Contratos deste tipo são sempre altos, em termos absolutos. As provas de dumping laborial - ou seja, precárias condições de trabalho visando a reduzir custos e aumentar o lucro - são evidentes. Armadores irresponsáveis, que violam direitos e infringem a Lei, estão, portanto, sendo contratados pela Petrobras para operações que, pela própria natureza, implicam grande risco e exigiriam, por decorrência, tripulações qualificadas e capacitadas.
Os brasileiros eventualmente contratados para tripular esses navios - ainda que em menor número do que a legislação determina - deparam-se com péssimas condições de trabalho. Não é apenas a RN 72 que é ignorada. Os "navios piratas" descumprem igualmente a Convenção 147, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que rege a segurança e a saúde do Tráfego Aquaviário. Descumprem, por extensão, a Norma Regulamentadora número 32 do Ministério do Trabalho brasileiro, nos dispositivos relativos à segurança, à saúde, à alimentação, à higiene e o conforto a bordo das embarcações.
Desde agosto último, o sindicato e a confederação têm intensificado a sua atuação para denunciar essas irregularidades às autoridades, cobrando providências imediatas. Em 23 de Agosto, a Conttmaf protocolou denúncia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra a Petrobras, em virtude de a empresa estar realizando afretamentos de navios estrangeiros "que infringem a legislação brasileira bem como Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil".
Seis dias depois, em 29 de agosto, portanto, a Confederação também protocolou ofício à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) no qual informa que "a Petrobras vem afretando embarcações de bandeira estrangeira de apoio marítimo e navios tanques sem a necessária observância da legislação nacional" e das Convenções das quais o Brasil é signatário.
As violações vinham sendo apuradas pelas delegacias do Sindmar e denunciadas pela entidade sindical, que nos dia 8 e 23 de agosto, enviara ofícios ao presidente da Petrobras, Pedro Pullen Parente, cobrando providências urgentes contra os abusos e a imediata revisão dos critérios utilizados para a contratação de navios estrangeiros.
No documento, o Sindmar salienta que o menor preço não deveria ser o principal parâmetro adotado pela empresa nesses contratos, eis que tal
"critério" tem permitido a operação, em águas territoriais nacionais, de armadores e embarcações sem o necessário compromisso com a segurança, o respeito ao trabalhador e a qualidade dos serviços a serem prestados.
Algumas empresas sequer têm endereço certo e operam sob bandeiras de conveniência, o que impede que sejam acionadas por ilícitos e danos causados. Além disso, algumas embarcações têm valor econômico tão baixo que, por vezes, esse sequer cobre dívidas operacionais e indenizações por eventuais danos materiais, incluindo os ambientais. Isso sem falar nos casos já divulgados de corrupção envolvendo os contratos de afretamentos já divulgados pela imprensa.
Nos ofícios que encaminharam à agência reguladora e à Petrobras, as duas entidades alertam para a clara possibilidade de recorrentes prejuízos ao erário em consequência de afretamentos de navios operados por empresas conhecidas no mercado como sub standard (de padrão de qualidade duvidoso). Esses prejuízos, na verdade, já começaram.
As íntegras desses documentos podem ser acessada no site do sindicato (www.sindmar.org.br).
No caso do Chem Violet, o juiz do Trabalho Claudio Victor de Castro Freitas, de Macaé, considerou a Petrobras co-responsável solidária na ação movida contra a Eco Shipping, condenando a empresa a pagar parte dos salários atrasados e a repatriação de todos os tripulantes, além de obrigar a estatal a guardar a embarcação até que seja leiloada para quitação de dívidas. Que a Justiça siga cumprindo o seu papel nesta questão.