O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) protocolou, em 29 de junho último, pedido de reexame do Acórdão 1439/2016 do Tribunal de Contas da União (TCU). A entidade representa grande parte das companhias de navegação de longo curso que operam no Brasil, notadamente no segmento de contêineres. Em seu conjunto, essas empresas (armadores) são responsáveis por mais de 95% do transporte do comércio exterior brasileiro em contêineres, em volume.
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A entidade entende que o Acórdão ultrapassou os limites de competência do TCU em questões regulatórias próprias da Antaq, que é a agência reguladora do setor aquaviário, e que cabe exclusivamente a esta Agência (Lei 10.233/01) o papel de editar normas e regular os serviços de transporte e infraestrutura aquaviária.
Como o TCU não atua em formulação de políticas públicas ou direcionando a regulação, cabe a ele, sim, recomendar práticas regulatórias sem, contudo, sobrepor-se nem confundir-se com o papel do regulador. Não é o que se verifica no Acórdão, que em nosso entendimento fez determinações de mérito.
Reconhecendo e respeitando a importância do papel do TCU, a entidade questiona o fato de o Acórdão contrariar relatório das instâncias técnicas do próprio Tribunal e de confrontar as regras do livre mercado - as quais regem os fretes praticados no setor. Questiona ainda o fato de o Acórdão não observar o marco legal do setor quando recomenda a exigência de outorga para empresas estrangeiras, tendo em vista o que diz a Constituição e as Leis 9.432/97 e 10.233/01, que regulam o transporte aquaviário no País.
O setor de navegação, conforme reconhece Relatório Técnico do próprio TCU, desconsiderado pelo referido Acórdão, tem seus fretes regidos pela lei da oferta e da demanda, em regime de alta concorrência e competitividade. Da mesma forma - e ao contrário do que consta de denúncia levada ao TCU - trata-se também de atividade sujeita a forte controle do Estado brasileiro, bem como sujeita a legislações e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Essas regras internacionais versam sobre proteção à vida humana, à segurança da navegação, à segurança antiterror, a regras sanitárias e ambientais, entre muitas outras. Os navios que entram e saem do Brasil estão sujeitos ao controle dos sistemas da Receita Federal (notadamente o Siscarg / Siscomex), devendo informar com 48 horas de antecedência da chegada às águas territoriais brasileiras o que levam a bordo, bem como para onde, de onde e para quem.
Os armadores também estão sujeitos aos seguintes órgãos nos Portos brasileiros: Anvisa, para questões sanitárias e concessão da livre prática, Polícia Federal, para imigração e controle de fronteiras, Capitanias dos Portos/Marinha do Brasil, para normas de segurança e operação portuária, Autoridade Portuária, através da Companhias Docas em inúmeras questões, Ministério da Agricultura, inclusive para controle de pragas, e Ministério do Exército, para o caso de cargas perigosas. Estão ainda sujeitos a inspeções das secretarias de meio ambiente estaduais e Polícia Civil, entre outros.
Considerar assim que não há controle do Estado sobre a navegação de longo curso é não só uma afirmação falsa e leviana como também uma afronta não só aos armadores, que respeitam e valorizam todas as leis e regulamentos a que estão submetidos em todos os países que frequentam, como ao Estado brasileiro em suas diversas instâncias e setores.
No que se refere à Antaq, de forma alguma tem sido omissa. Pelo contrário, vem desenvolvendo nos últimos anos um constante e independente esforço para o entendimento deste complexo universo, inclusive ouvindo a todos (de usuários a fornecedores) em diversos seminários, encontros e Audiências Públicas. Duas Resoluções, inclusive, segundo informações da Agência e que constam do Relatório Técnico do TCU, estão em revisão para incorporar necessários aperfeiçoamentos na regulação desses complexos setores.
Sobre os fretes, o Centronave salienta que a navegação serve ao mercado, e depende dele. O que significa dizer que se movimenta economicamente de modo simétrico ao mercado, em ciclos de contração e expansão. Ou seja, flutua e oscila em função da capacidade ofertada, da malha e dos tipos de serviços, com seus respectivos preços (fretes), que flutuam em função dessas variáveis de livre mercado. Pretender controlar e estabelecer o frete marítimo é como pretender regular o preço das commodities, ignorando a oferta e demanda de mercado.
Cabe dizer que os fretes marítimos de importação e de exportação despencaram desde 2010, numa trajetória de queda quase ininterrupta. Na exportação para a China, segundo dados de associados, por exemplo, na média do somatório do frete marítimo e taxas, para contêineres dry (carga não refrigerada), os valores praticados no segundo trimestre de 2016 representaram 51% do que era praticado em 2010. Praticamente a metade. Na importação, 34%. Ou seja, um terço.