Lael de Azevedo nasceu em Santos no distante ano de 1931, na Rua Prof. Torres Homem. Casou em 1963, 17 anos após começar a trabalhar no cais de Santos como estivador. “Comecei junto com muitos que fundaram o Sindicato dos Estivadores, uma honra incomparável”, segundo as palavras do próprio Lael. Acompanhe a seguir uma entrevista com este personagem que atuou por 56 anos no Porto de Santos e hoje organiza a Campanha Cívica dos Estivadores, arrecadando brinquedos para crianças carentes no Natal.
PortoGente - Com 56 anos de cais, o que o senhor destaca como a mudança mais importante do Porto de Santos?
Lael - O primeiro serviço que peguei no cais foi inesquecível: descarregar alho do navio espanhol Cabo de Orno. De lá para cá, destaco como um marco histórico a adoção dos contêineres no dia-a-dia portuário. Isso acabou afetando nosso trabalho, diminuindo a quantidade de homens a serviço das empresas e agilizando as operações. A quantidade de ternos era bem maior.
PortoGente - Saudades do porto antigo?
Lael - Muita, sem dúvida! Meus antigos companheiros tornaram nossa categoria conhecida, sem modéstia, no mundo inteiro. Havia uma união incomparável, a situação geral era diferente também, não há como comparar. Não é que hoje falte amor, mas os que dirigem nosso sindicato deveriam valorizar todos os dias o passado dos estivadores. Quem caminha sem história não tem nada para lembrar.
PortoGente - Como era o Porto de Santos antigamente para os estivadores?
Lael - A gente manuseava a carga sem nenhuma tecnologia, se compararmos com os dias atuais. Eu me lembro que, logo no começo, havia uma preocupação muito grande por parte dos estivadores mais antigos em orientar os recém-chegados, preservando a saúde dos jovens e afastando o risco de acidentes. Mesmo assim, acabei sendo vítima de alguns tombos, mas hoje estou vivo e feliz, graças a Deus.
PortoGente - Como foi o acidente que o senhor sofreu?
Lael - Me machuquei duas vezes. Na primeira, escorreguei e bati com o ombro no chão, mas nada muito grave. Já na segunda, a coisa foi mais séria. Subi a escada do porão do navio e acabei batendo a coxa na quina da tal escada, o que me afastou por três anos do trabalho diário. Esse acidente, em 2001, acabou encurtando minha estada no Porto de Santos, que fez parte de minha rotina diária por longos 56 anos.
PortoGente - Na sua opinião, Santos sempre reconheceu a importância de seu porto?
Lael - Claro. No meu tempo, a gente podia mostra a carteira preta da estiva no comércio e fazia qualquer negócio, era um sinônimo de credibilidade. Hoje, com a modernização dos serviços, essa fase acabou. Resta aos atuais profissionais lutar para mudar o quadro, mantendo em evidência o nome da estiva no maior porto da América Latina.
PortoGente - Como é a relação com os estivadores de hoje?
Lael - A relação é muito boa. Vejo nos jovens estivadores uma vontade de preservar nossas conquistas de anos atrás. Isso acaba me dando mais esperanças de que tudo que fizemos pelo porto não foi em vão. Espero que eles prossigam nessa carreira vitoriosa, e que até mesmo nossa campanha de distribuição de brinquedos nunca acabe.
PortoGente - O que levou o senhor a organizar por 36 anos a Campanha Cívica dos Estivadores?
Lael - O motivo de essa campanha existir é que, na década de 60, enfrentamos muitas dificuldades no nosso serviço desempenhado no Porto de Santos. A estiva atravessava inúmeras dificuldades, mas recebemos o apoio de várias pessoas importantes da sociedade santista. Eu vi, então, que poderíamos usar esse apoio para ajudar as crianças carentes de toda a Baixada. Por isso, nasceu há 36 anos a Campanha Cívica dos Estivadores, que prossegue até hoje enaltecendo o nome da estiva e mostrando que o estivador é sensível e humano, longe daquele estereótipo de brutamonte que trabalha no porto.