Quem aceitou potencializar o debate democrático do Portogente foi o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. Dono de opiniões afiadas e polêmicas, ele apresenta a posição da entidade sobre modelo de dragagem e de gestão portuária para os portos brasileiros. Com certeza despertará gregos e troianos, quando afirma, ou reafirma, que, ao centralizar as decisões na Secretaria dos Portos (SEP) e na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), o governo reduz ainda mais a já restrita autonomia gerencial das administrações portuárias, que “há muito se encontram incapacitadas para realizar suas funções rotineiras de manutenção do condomínio portuário e, principalmente, para as transformações fundamentais em garantir a modernização dos portos públicos em possíveis padrões internacionais”.
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Portogente - Qual o modelo de dragagem mais apropriado aos portos brasileiros? O senhor poderia apresentar o modelo que a ABTP defende?
Wilen Manteli – Preliminarmente, a Associação Brasileira dos Terminais Portuários se manifestou no sentido de que dever-se-ia discutir um novo modelo de gestão portuária, a qual assumiria todas as rotinas do porto, principalmente dos acessos terrestres e aquaviários. No entanto, a despeito da “meia-solução”, a ABTP acredita que o sistema de concessões seguindo o modelo de Parcerias Público-Privadas (Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004) é o caminho mais adequado para este fim. Este modelo possibilita melhor atendimento ao interesse público e à atratividade para esses serviços, mediante o compartilhamento de riscos e o planejamento de longo prazo.
A ABTP entende também que o critério de julgamento da licitação seja o da menor tarifa, não podendo implicar em aumento do atual valor da tarifa praticado nos portos. Entendemos que o perfil mais adequado dos concessionários, a ser definido nas licitações, deve permitir a livre participação dos interessados e que a futura Sociedade de Propósito Específico (SPE) possibilite a participação de arrendatários, terminais de uso privativo (TUPs) e operadores portuários, se assim entenderem.
É muito importante ressaltar que sejam fixados critérios técnicos e de idoneidade econômica e financeira em fase de pré-qualificação ao processo licitatório, a fim de se evitar que as licitações sejam vencidas meramente com fundamento na menor tarifa oferecida e que possam levar a dificuldades na execução dos serviços em razão de contratações de empresas sem expertise técnica e financeira.
A ABTP propôs que, inicialmente, deveria ser concedida a concessão do Porto de Santos [litoral de São Paulo] em caráter experimental: um “projeto piloto” que servirá, posteriormente, se aprovado, de modelo para as demais concessões. Nos demais portos, os entes públicos ora competentes (Autoridades Portuárias) devem continuar a prestar os serviços de dragagem e serviços acessórios.
Portogente - Qual o modelo de autoridade portuária que a ABTP defende nos portos brasileiros?
Manteli – O modelo de administração portuária das Companhias Docas e das autarquias estaduais e municipais brasileiras é obsoleto. Desde 1993, quando foi promulgada a primeira Lei de Modernização dos Portos (nº 8.630), as Cias. Docas vêm perdendo espaço e praticamente se retiraram das operações portuárias. A Lei nº 12.815, de 2013, centralizou as decisões na Secretaria dos Portos e na Antaq, diminuindo ainda mais a sua já restrita autonomia gerencial. O ideal seria a criação de uma SPE, uma sociedade de propósito específico de controle privado com participação do governo, que teria o poder de vetar matérias importantes.
Um país como o Brasil, que tem 95% do seu comércio exterior passando pelo mar, precisa descentralizar a gestão do seu sistema portuário. Cada região deve envolver a comunidade no entorno dos seus portos para que esta seja a responsável pelo desenvolvimento dos mesmos. Precisamos olhar para modelos de gestão com objetivos comunitários bem-sucedidos como os adotados em importantes complexos portuários do mundo, como Roterdã (Holanda), Antuérpia (Bélgica) e Hamburgo (Alemanha).
As administrações portuárias há muito se encontram incapacitadas para realizar suas funções rotineiras de manutenção do condomínio portuário e, principalmente, para as transformações fundamentais em garantir a modernização dos portos públicos em possíveis padrões internacionais. Com o advento da nova lei dos portos, as administrações portuárias, entendidas como sendo as companhias docas, passaram a não fixar mais as tarifas portuárias, apenas as arrecadam, não elaboram os editais de arrendamentos, elaboram os PDZ [Plano de Desenvolvimento e Zoneamento] sem necessidade de aprovação pelo CAP [Conselho de Administração Portuária], não possuem o poder de fiscalização e penalidades. Continuam sem comando efetivo sobre os seus agentes fiscais e sobre os Práticos. Desta feita, a maioria dos portos públicos convive com baixíssimo grau de eficiência das Cias Docas.
A centralização das decisões das Cias. Docas na Antaq e na SEP causa o esvaziamento do conceito de autoridade portuária, resulta em custos administrativos desnecessários para os portos organizados, retrabalhos por parte dos arrendatários/usuários e, por fim, o perfil decisório fica alongado e provoca mais tempo improdutivo e dúvidas aos procedimentos relativos entre Arrendatários e Poder Concedente.
A mudança no modelo de gestão das Cias Docas é assunto complexo, pelos elevados passivos dessas empresas e pela política de recursos humanos adotada na equipagem das mesmas. Reconhece-se, entretanto, que o modelo atual não tem como evoluir e não contribui com a imperiosa necessidade de modernização dos portos nacionais. É preciso separar as funções da administração, que deve ser privada, das funções da autoridade, cujo papel e responsabilidades, por sua vez, precisam ser revistas.
Objetivando o melhor emprego de capital no porto público, a ABTP propõe a transferência de atribuições condominiais das autoridades portuárias para o setor privado, por meio de uma associação formada por empresas arrendatárias e autorizatárias que operam as instalações portuárias na área do PO [porto organizado]; sem descartar outras possibilidades, desde que priorizem a autonomia, o profissionalismo e a continuidade da gestão, independentemente do câmbio do poder político.