Euro Bento Maciel Filho é advogado criminalista e mestre em Direto Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Não é de hoje que se sabe que a aglomeração de pessoas facilita, e muito, a ação de pervertidos sexuais que, escondidos na multidão e se aproveitando do empurra-empurra típico nessas situações, satisfazem a sua lascívia mediante “encoxadas”, “passadas de mão”, “apertões e beliscões nas partes íntimas” e outras tantas formas.
Recentemente, a mídia nacional passou a noticiar a ocorrência de tais fatos no transporte público. Diversas foram as mulheres que vieram a público para relatar a violência de que foram vítimas, bem como a forma adotada pelo agressor.
É relevante mencionar que tais abusos de natureza sexual verificados no transporte público não constituem algo novo. A ação desses criminosos sexuais no interior de trens e ônibus é algo antigo, de há muito conhecido pelas autoridades. Tanto isso é verdade que, há pelo menos cinco ou seis anos, os trens da cidade do Rio de Janeiro possuem vagões exclusivamente destinados ao público feminino.
O problema, de fato, é sério e demanda uma atitude enérgica por parte das autoridades.
Não fosse o embaraço, o medo e a vergonha que tais atos provocam no inconsciente das vítimas, devemos também acrescentar que o autor de tais condutas acredita, piamente, na sua impunidade, vez que, via de regra, ele se utiliza da multidão para a prática desse tipo de crime e nela se esconde após a prática da conduta.
Sob o aspecto penal, três, basicamente, são as hipóteses.
Pois bem, da análise feita dos relatos trazidos pelas vítimas, nota-se que, na maioria das vezes, o agressor não faz uso de violência ou grave ameaça. Ele apenas se aproveita da “aglomeração” para atacar a vítima, seja com apertões, seja com passadas de mão, “encoxadas” e até mesmo com beliscões. Nesses casos, é bom deixar claro, não há que se falar em estupro (artigo 213, do Código Penal).
Nessas situações, vale dizer, quando ausentes a grave ameaça e a violência, a conduta do agente se encaixa no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais (“Importunação ofensiva ao pudor”), cuja redação é a seguinte: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. Pena: multa”.
Como se vê, trata-se de mera contravenção penal, cuja pena prevista é, apenas, a de multa. Por se tratar de infração penal de pequeno potencial ofensivo, é bem possível que o agente sequer seja processado criminalmente, sobretudo se for primário e possuir bons antecedentes. Ademais, como já dito, ainda que ele venha a ser processado e, quiçá, até condenado, a pena prevista na lei é extremamente branda.
Todavia, se o autor adotar qualquer forma de violência ou grave ameaça (simulação de arma, uso de faca ou outro objeto pérfuro cortante, ameaças sérias proferidas ao “pé do ouvido”), a conduta pode adquirir uma gravidade bem mais intensa, já que, nesse caso, o crime supostamente praticado será o estupro (artigo 213, do Código Penal), cuja redação é a seguinte: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena: reclusão, de 6 a 10 anos”.
Nessa hipótese, a situação é bem mais grave, tanto é assim que é caracterizada como “crime hediondo”. No caso, se o agente se utilizar de violência ou grave ameaça para “paralisar” a vítima, que fica incapacitada de reagir por conta do medo que a toma, e assim obrigá-la a permitir as carícias e os atos libidinosos, o estupro restará caracterizado.
É bom esclarecer que, a partir da alteração ocorrida em 2009 no nosso Código Penal, o estupro não se realiza apenas com a prática da conjunção carnal propriamente dita, mas também com a realização de atos libidinosos quaisquer que tenham por escopo satisfazer a lascívia (desejo sexual) do autor. E é justamente no conceito de atos libidinosos que se encaixam os “apertões”, as “passadas de mão”, os beliscões nas partes íntimas e nos seios etc.
Dentro desse contexto, podemos ter, ainda, a ocorrência do crime previsto no artigo 215, do Código Penal, (“Violação sexual mediante fraude”), que tem a seguinte redação: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Pena – reclusão, de 2 a 6 anos”.
Analisando-se a redação daquele tipo penal, nota-se que, nesse caso, a conduta não se realiza mediante violência ou grave ameaça, mas sim ou por meio de “fraude” ou, então, por “outro meio (qualquer) que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.
Sendo assim, levando-se em conta que os meios de transporte público andam lotados – sobretudo nos horários de pico –, não é exagero supor que a vítima, em razão da superlotação e do aglomerado de pessoas, fique mesmo impedida de reagir, vale dizer, de “manifestar a sua vontade” diante do ataque do agressor. Ou seja, embora sem fazer uso de violência ou grave ameaça, o agente, aqui, se utiliza do espaço reduzido e do grande número de pessoas para a prática do delito, já que sabe, de antemão, que a vítima não tem como esboçar qualquer reação.
É evidente que, em tal hipótese, caberá ao órgão acusador comprovar que, pelas circunstâncias em que se encontrava a vítima, era mesmo impossível que ela pudesse expressar a sua “livre manifestação de vontade”. Caso contrário, ou seja, caso não fique comprovada a total impossibilidade de resistência, a conduta será classificada como mera contravenção penal, como anteriormente já dito.
Outro fator importante a ser dito é que, em qualquer uma das condutas criminosas aqui mencionadas, tanto pode ser vítima a mulher quanto o homem.
De qualquer forma, seja em qual circunstância for, esteja o meio de transporte público lotado ou não, seja de dia ou à noite, a prática (infelizmente) corriqueira das “encoxadas” maliciosas, das passadas de mão, dos apertões/beliscões possui previsão legal na legislação penal e, a depender da gravidade, pode sujeitar o agente ao cumprimento de penas severas.
Falta, agora, apenas aplicar a lei em quem mereça!