Sexta, 19 Abril 2024

Não é raro encontrar pessoas apaixonadas por determinado tipo de assunto. Ao tomar gosto pela coisa, esses indivíduos não medem esforços para montar coleções. Os mais entusiastas gastam até mesmo grande parte do tempo e do dinheiro com materiais de relevância para eles. Em geral, é mais fácil encontrar esse tipo de dedicação no meio artístico, musical, esportivo e religioso. Também é comum deparar-se com colecionadores de selos, latas de bebidas, carros e jóias.

No entanto, mesmo em uma cidade eminentemente portuária como Santos, não é fácil encontrar pessoas que gostam e são especializadas em embarcações marítimas. Nas temporadas de verão, é possível encontrar multidões admirando navios de cruzeiro, porém de modo superficial. Fazem isso mais pelo aspecto social e se admiram somente com o poder financeiro e com o gigantismo desse tipo de embarcação.

 

Pode se contar nos dedos os que gostam de outros tipos de navios, em especial os cargueiros, e que são pesquisadores do assunto. Para eles, os detalhes é o que realmente importa. O santista Marcelo Machado Lopes da Silva faz parte desse “time”. Ele pesquisa e vai fundo nos detalhes, nas características e nas histórias de todo o tipo de navio. Possui extenso material bibliográfico sobre o assunto e “entope” todos os cantos de sua casa com miniaturas e réplicas de navios.

 

Desde criança

Marcelo conta que não lembra o motivo e o momento exatos em que despertou nele o gosto por navios. Lembra, porém, que foi quando era criança, ainda bem novo. Aos 21 anos, de tanto admirar o meio portuário, começou a trabalhar na área. Atuou 11 anos como visitador. Atualmente, coordena os visitadores de uma agência marítima em Santos.

O ex-visitador participa de um círculo de amigos no qual todos são apaixonados por embarcações marítimas. Ele ressalta que a maior parte de sua coleção reúne material de navios mercantes e navais. Sua casa serve de abrigo para crianças, geralmente filhos de conhecidos, que começam a gostar de navios. Lá os garotos jogam simuladores de agências marítimas, lêem livros que especificam tudo sobre atividade portuária e admiram as centenas de milhares de fotos e postais que Marcelo guarda com carinho.

 

O trabalho

Foram onze anos ininterruptos sem férias. Trabalhando como visitador Marcelo não conseguia programar seus horários. Muitas vezes deixou sua esposa na mão, no fim de semana, quando precisou efetuar o trabalho requisitado no cais santista. “Trabalhei no dia do meu casamento; e no dia posterior também. Tive que trabalhar no dia do falecimento de meu pai. Fiquei sabendo do ocorrido, mas só pude prestar socorro à família depois de terminar o expediente”.

 

Os fatos narrados por Marcelo demonstram o quanto uma profissão, mesmo que gratificante, pode ser cansativa e extenuante. Mas há, também, as recompensas e os momentos agradáveis. Ele conta que se casou por causa de uma viagem de navio. “O visitador tem um relacionamento muito próximo com o comandante do navio; é a pessoa de confiança do comandante. Fui convidado para fazer uma curta viagem em uma embarcação, na qual deixei amigos dos quais tenho muitas saudades, e resolvi convidar minha namorada. Mas a família dela é conservadora e achou que era um passo muito grande no relacionamento. Ela acabou viajando, mas na volta tivemos que ficar noivos para evitar maiores confusões”.

 

Sua esposa nem encosta nas miniaturas de navios para limpar. O trabalho é todo executado por Marcelo. Ele destaca e agradece a paciência que ela tem por toda essa paixão dele. E também por poucas vezes ter tido a oportunidade de fazer planos antecipados de passeios e para outros eventos por causa dos conflitos de horário de seu trabalho.

 

O gosto de Marcelo por navios de guerra tem relação com a admiração que ele possui pelas Forças Armadas. Quando era jovem, ele queria, de qualquer maneira, servir uma das forças. Acabou entrando para a Aeronáutica, que foi a mais conveniente para ele na época.

Navios

Questionado sobre qual tipo de embarcação é a sua preferida Marcelo responde que “gosta de tudo que é navio”. Mas, sim, ele tem preferências: os navios de guerra e os de carga, principalmente os nacionais. “Só não gosto de coisa ‘carnavalesca’, ou seja, de navios que chamam atenção não por suas características ou qualidades, mas pelo fator social. Vejo, mesmo na mídia especializada, que ao invés de se falar das embarcações as pessoas falam delas mesmas e de amigos e autoridades para se autopromoverem”.

 

Apesar de valorizar a produção brasileira, grande parte de seu acervo é composta por materiais exportados. Raras são as publicações nacionais que fornecem dados específicos. Detalhes técnicos de embarcações, em geral, são encontrados na língua inglesa. Marcelo é muito detalhista e se aprofunda em livros e anuários para saber das mudanças no panorama mundial de navios. A cada ano há variações, em especial entre os navios mercantes.

Marcelo dispara o fato de que os periódicos e os livros estrangeiros tratam a atividade portuária como ele gostaria que fosse tratada pela imprensa local e nacional. “É essencial que a história do navio seja publicada somente pela história e pela importância do navio, e não pelo social, dando ênfase para fotos de encontros de autoridades ou de interessados em aparecer”.

 

O colecionador acredita que os estrangeiros têm essa cultura de valorizar os navios porque sabem a real importância do assunto. “Quando eles gostam de algo, eles pesquisam e estudam. Sabem sobre o assunto do qual gostam; sabem o que estão fazendo”.

 

Saites

É no exterior, também, onde são elaborados os saites mais completos sobre navios (veja o saite com o maior acervo de imagens de navios em todo o mundo). Marcelo reuniu alguns amigos interessados e montou duas páginas que armazenam diversos dados ligados a navios. Ele administra e atualiza os saites ‘Navios Mercantes Brasileiros’ e ‘Navios de Guerra Brasileiros’.

Rogério Cordeiro, José da Silva, Paulo de Oliveira Ribeiro e Marcelo Freitas são amigos que também possuem extensa coleção de materiais sobre o assunto e colaboram cedendo-os para o saite. “Atualmente, todas as coleções são uma só. O material de um também pertence a outro. A maior parte a gente concentra na casa do Marcelo”, conta Rogério Cordeiro.

Rogério é freqüentador da casa de Marcelo. Ele mora em Santo André, mas desce para a Baixada constantemente para ver os amigos e também para admirar a passagem de navios pela orla de Santos. Rogério diz que o incentivo da família foi muito importante para que levasse essa paixão adiante, já que sempre morou no ABC paulista e lá o contato com embarcações marítimas é nulo.

Entusiastas

Nos saites organizados por Marcelo, Rogério e pelos demais companheiros, não há somente os nomes e fotos de navios. Há informações que os mais fanáticos consideram fundamentais, como a classe do navio, dados relacionados à guarnição, nome dos comandantes que passaram pela embarcação, além de especificações técnicas. Como está publicado no saite dos Navios Mercantes Brasileiros “é um trabalho feito por entusiastas, para entusiastas”.

Marcelo aponta o intercâmbio com outros ‘entusiastas’ a principal vantagem em manter a página. “Já recebi informações que nunca teria achado se não fosse por intermédio do saite. Quem entra em contato, normalmente, são colecionadores ou parentes de comandantes dos navios. Mas às vezes perco o ânimo, pois atualizar gera um grande trabalho e poucas pessoas valorizam. Falta interesse contínuo e progressivo pela cultura marítima”.

 

Embora esteja concluindo o curso de Gestão Portuária na Universidade Católica de Santos (UniSantos), Marcelo garante que ele, assim como os demais amigos, aprenderam perguntando. O interesse pelas embarcações sempre fez com que ele corresse atrás de quem mais sabia, de quem mais tinha informações e aprendesse com isso. “Perguntar e correr atrás foram até os meios de entrada para eu iniciar na carreira de visitador”.

Navios de cruzeiro

O uso excessivo e incorreto do termo transatlântico é um dos fatores que mais incomoda os entusiastas pelo assunto. Com Marcelo não é diferente. De acordo com ele, transatlânticos eram comuns antigamente, quando embarcações marítimas cruzavam o oceano Atlântico levando pessoas de um continente para o outro. “Hoje em dia os termos corretos a serem utilizados são navios de cruzeiro ou navios de passageiros”.

 

Embora não seja o foco principal de sua coleção, Marcelo também possui material relacionado a transatlan... ou melhor, navios de cruzeiro. Miniaturas não faltam, embelezando todos os cômodos da casa. Ele ressalta o crescimento espantoso de pessoas que admiram a passagem dos navios de cruzeiros na Ponta da Praia. Marcelo aponta o advento da televisão regional como a injeção de interesse no setor. “Mas é um interesse passageiro e superficial, infelizmente. Não contribui para o crescimento da cultura marítima no país. Seria interessante que houvesse mais gente interessada no navio, simplesmente pelo navio”.

O fruto

Todo o entusiasmo de Marcelo sobre o assunto já desperta interesse na próxima geração. Seu filho, Felipe, de apenas 4 anos, já brinca com material sobre navios que o pai preparou especialmente para ele. Fala, mesmo ainda sem o domínio da língua, sobre detalhes técnicos de navios que 99% dos adultos não fazem nem idéia do que se trata. E não perde o rebolado ao ser questionado o que quer ser quando crescer: fuzileiro naval é a resposta. Na lata!


O colecionador diz que Felipinho é o principal fruto de tudo aquilo que pesquisou e reuniu sobre embarcações marítimas. “E é tudo natural, nunca forcei nada. Claro que ter crescido junto a um pai interessado, com muito material sobre o assunto em volta, facilitou. Mas reafirmo que o interesse é natural. Ele já sabe quando está chegando a hora de os navios passarem pelas águas da Ponta da Praia e fica pedindo para levá-lo ao Deck do Pescador para ter a oportunidade de vê-los de perto”.

 

Outro detalhe realçado por Marcelo, é o fato de Santos ser uma cidade única para ver a passagem de navios. Na Ponta da praia é possível ver as embarcações muito de perto. É um local ótimo, também, para fotografar e reunir extenso material sobre o tema. A natureza já privilegiou Santos. Para criar a cultura marítima que falta a uma cidade portuária e litorânea, basta interesse e vontade.
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