Segunda, 02 Dezembro 2024

Na segunda parte do depoimento que retrata a história de uma das mais interessantes figuras da Marinha do Brasil, a vida de Lauro Nogueira Furtado de Mendonça passa a cruzar com o desenvolvimento do maior porto da América Latina, o Porto de Santos.

 

A história do comandante Mendonça, por ser rica em detalhes surpreendentes, precisou ser dividida em duas partes. Na semana passada, a trajetória do comandante foi contada até a Revolução de 1964, mostrando sua experiência ao prender amigos que eram perseguidos pelo governo da época.

 

Nessa semana, falaremos de sua passagem por Santos e as memórias que servem de documento histórico para quem se interessa pelo cais santista, procurando entender o presente por meio do passado. O comandante opina sobre a situação atual do porto e de suas expectativas para o futuro.

 

Tomemos a década de 70 como ponto de partida para nosso texto. O comandante foi convidado pela direção da antiga Companhia Docas de Santos – CDS – para a chefia do Departamento Marítimo, cargo que prontamente aceitou.

 

“Um cunhado meu me ligou, perguntando se eu queria vir para  Santos. Eu tava, na época, no Porto do Rio, e aceitei na hora. Tinha um problema entre o engenheiro responsável e o responsável pela parte de Mar-e-Guerra”, explica de forma cuidadosa para não se enganar em algum dado.

 

As funções de Mendonça em Santos, dentre outras, eram as seguintes: chefiar a manutenção das profundidades do porto; supervisionar as cábreas [guindastes flutuantes], embarcações de apoio e serviços realizados em alto mar, todas de relativa importância, segundo o comandante.

 

Ele destaca que o serviço no porto era muito pesado, mas que o desempenhava da forma mais honesta e responsável possível, pois um erro seu poderia ser fatal para a estrutura de todo sistema. “Para se ter idéia do grau de comprometimento, éramos obrigados a atender um chamado de emergência da direção, não importando o horário em que precisassem da gente”.

 

Apesar da falta de rotina, o comandante não reclamava do serviço, muito pelo contrário. Para ele, o importante era trabalhar bem, justificando o “pagamento satisfatório que era recebido”. A jornada de trabalho começava às oito da manhã e terminava por volta de cinco da tarde, mas nada impedia do expediente invadir a noite.

 

O comandante não se esquece de alguns acidentes que presenciou no cais, como em certa oportunidade que viu, de sua casa em Guarujá, um navio explodir parcialmente. “Era de madrugada, mas não teve jeito. Fomos chamados e depois de uma hora a maioria do comando da Docas estava no porto, vendo o que poderia ser feito. Responsabilidade era nossa palavra-chave”.

 

Mendonça destaca a importância da relação do porto com a cidade de Santos. “Por muito tempo o município foi carregado nas costas pelo porto. O volume de dinheiro que ele movimentava era muito grande. Hoje é maior ainda, mas a administração mudou muito”.

 

O comandante acha que o atual modelo de administração portuária, bem diferente da distante década de 70 em que chegou na cidade, é ineficaz. Ele deixa claro que a antiga administração era mais eficaz pois concentrava os poderes nas mãos de dois ou três responsáveis.

 

“Hoje em dia, com o Governo Federal mandando, tudo demora mais para se resolver, até determinado problema chegar aos responsáveis em Brasília, o portuário e os navios esperam, os caminhoneiros vão destruindo seus veículos aos poucos. Pode parecer saudosismo meu, mas hoje muitos cargos são políticos, tirando o mérito de muitos que já passaram pela administração”, reclama.

 

Mesmo com o fim da CDS em 1980, Mendonça continuou em seu cargo, por ter desempenhado de forma exemplar as suas atividades. Partidário do lema que o comandante é o último a sair da embarcação, ele não saiu de Santos mesmo após as mudanças, pois tinha uma vida estabilizada na região.

 

Os anos se passaram, e em 1993, comandante Mendonça foi transferido de cargo, passando a atuar mais próximo a diretoria da estatal. O melhor dessa última fase, segundo o próprio, foi poder ajudar na formação de novos engenheiros que estavam há menos tempo que ele no porto. “Estava chegando minha hora de curtir um pouco a família. Tive seis filhos e isso ajuda na decisão de você parar ou não”.

Em 1994, o comandante se desligou da Codesp, passando a viver afastado da rotina do Porto de Santos. Mas as histórias relatadas por ele mostram, além de uma memória privilegiada, um amor pela Marinha surpreendente. Lauro Mendonça reconhece que os tempos são outros, mas caso algum jovem lhe questione se deve ou não ser marinheiro, a resposta será uma só: “Sim, seja feliz e dedique-se a carreira. Deixe as ondas guiarem seu caminho, que elas sempre sabem qual a melhor direção para sua vida, com certeza”, encerra de forma emocionada.

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