Segunda, 25 Novembro 2024

Amazônia JAN22Até mesmo as partículas mais finas de poluição impactam os mecanismos de formação e desenvolvimento das nuvens e alteram o regime de chuvas. Estudo realizado na cidade de Manaus (AM) mostrou que, por meio de um processo químico conhecido como oxidação, pequenos aerossóis expelidos por fábricas ou escapamentos de carro, por exemplo, crescem muito rapidamente, atingindo tamanho até 400 vezes maior. E isso interfere na formação das gotas de chuva.

"Entender os mecanismos de formação de nuvens e de chuvas na Amazônia é um grande desafio pela complexidade de processos físico-químicos não lineares da atmosfera”, explica Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e autor do estudo publicado ontem (12/01) na Science Advances.

A descoberta de pesquisadores brasileiros e norte-americanos aumenta a precisão de modelos e de simulações matemáticas sobre as mudanças climáticas. “Essas nanopartículas de poluição [com menos de 10 nanômetros] costumavam ser desprezadas em cálculos e modelos atmosféricos. A atenção era voltada para as partículas com mais de 100 nanômetros, pois são elas que atuam como núcleo de condensação de nuvens [onde o vapor de água condensa e forma gotículas] e alteram o padrão das chuvas. Com este estudo mostramos que, ao longo de sua trajetória na atmosfera, as partículas menores vão se oxidando e crescendo rapidamente até atingirem o tamanho necessário para virar um núcleo de condensação”, explica Luiz Augusto Machado, professor do IF-USP e coautor do artigo.

Os dados foram coletados com auxílio de aviões que sobrevoaram a região de Manaus em baixa altitude, percorrendo cerca de 100 quilômetros (km) da pluma de poluição produzida na metrópole entre os anos de 2014 e 2015. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio da campanha científica Green Ocean Amazon (GoAmazon) e de um Projeto Temático – ambos vinculados ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

“Pouco se sabia sobre a atuação dessas nanopartículas nos regimes de chuvas. Acontece que a região de Manaus é um lugar único no mundo, um laboratório a céu aberto. É uma megacidade rodeada de floresta e distante de outras cidades. Por isso, ela permite entender como uma metrópole modifica um ambiente parecido com o da era pré-industrial”, conta Machado.

Aerossóis são partículas (sólidas ou líquidas) suspensas no ar. Eles podem ser produzidos naturalmente pela floresta, como partículas primárias, ou secundariamente na atmosfera a partir de precursores gasosos (COV) emitidos pelas florestas (aerossóis orgânicos secundários), por exemplo, ou – como o que foi investigado neste estudo – por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis.

Machado explica que os aerossóis com menos de 10 nanômetros, ao serem liberados na região de Manaus por escapamentos de veículos, pela indústria ou durante a geração de energia elétrica, formam uma espécie de pluma de poluição que segue em direção ao sudoeste (por causa dos ventos). Os pesquisadores avaliaram que é durante esse trajeto que as partículas crescem rapidamente.

“É muito difícil avaliar o efeito do material particulado na chuva, pois existe um número grande de variáveis atmosféricas que interferem nessa relação. Por isso, comparamos a linha de poluição com as áreas ao redor, que estão fora da pluma de poluição. O que percebemos é que esse particulado vai crescendo de tamanho rapidamente. A 10 km de distância de Manaus ele já está maior e a 30 km é possível que já tenha atingido tamanho suficiente para se tornar um núcleo de condensação, interferindo na formação das gotas de chuva”, diz.

Impacto variável
Os mecanismos de formação de nuvens são complexos e dependem de muitos parâmetros atmosféricos. No caso dos pequenos aerossóis, eles vão interferir na condensação das gotas de chuva. No entanto, dependendo de como está a condição atmosférica e, sobretudo, a formação de nuvem a cada momento, as chuvas podem ser intensificadas ou reduzidas.

Machado explica que, como há muito material particulado, quando a pluma de poluição entra em contato com uma nuvem, ocorre uma competição pelo vapor d'água lá presente – reduzindo o tamanho das gotas.

“Para que a chuva caia, é necessário que as gotas tenham um determinado tamanho. É o que chamamos de velocidade terminal da gota, que precisa ser menor do que o movimento de ar que está subindo. Caso contrário, a nuvem fica com um monte de gotinha pequena e a chuva não cai”, explica.

Porém, ressalta Machado, caso ocorra um vento vertical muito forte, ele pode levar essa grande quantidade de gotinhas para uma maior altitude, formando partículas de gelo, podendo gerar uma tempestade intensa.

“Percebemos que, conforme esse material particulado vai crescendo, ele se torna núcleo de condensação. Quando encontra uma nuvem pequena e fraca [nuvem quente], chove pouco. O aerossol reduz a precipitação. Mas se a nuvem ganhar potência e se tornar uma cumulonimbus [de grande desenvolvimento vertical], por exemplo, os aerossóis aumentam a precipitação. Ou seja, até mesmo essas pequenas partículas de poluição têm influência na formação das chuvas”, detalha Machado.

Segundo os pesquisadores, o projeto deve continuar de forma ampliada, captando novos dados. A equipe vai realizar este ano o experimento Cafe-Brasil (Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil) com o auxílio de uma aeronave alemã que pode voar a 15 km de altitude. Artaxo explica que estudos similares usando sensoriamento remoto também estão sendo realizados na torre ATTO, de 325 metros de altura, no meio da floresta amazônica (leia mais em: agencia.fapesp.br/29519/).

"Nesse estudo que publicamos agora, coletamos os dados por meio de voos de baixa altitude [4 mil metros]. A aeronave alemã que vamos utilizar para as nossas próximas coletas é um dos mais sofisticados aviões-laboratórios que existem. Desse modo, poderemos fazer um experimento para entender questões físico-químicas fundamentais na produção de aerossóis, nuvens e precipitação que ainda permanecem um mistério para nós", conta Artaxo.

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