A perda da maior floresta tropical do mundo, alerta especialista, exigiria de todos – governo e sociedade – ação urgente de proteção da Amazônia.
O professor titular em Climatologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), João Lima Sant’Anna, atualmente professor visitante na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), falou a uma plateia lotada sobre o tema “A Amazônia e o futuro da humanidade: utopias, entropias e distopias”, em evento realizado no dia 30 de agosto último, no Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH/UFSC).
Combate das queimadas no município de Parauapebas, no Pará. Fotos Bombeiros do Pará/Fotos Públicas.
Sua fala baseia-se na ideia de que a Amazônia é uma extensão da vida humana e que os seus 5 milhões de metros quadrados concentram flora e fauna que já não existem mais no Planeta. Apesar disso, a maior floresta tropical faz parte do imaginário de grande parte da sociedade brasileira ainda como um lugar utópico, ideal, distante e intocado, “tal qual uma visão do paraíso”, que encerra no lema “A Amazônia é nossa” a percepção do senso comum sobre seu território.
Entrevista | Portogente
* Amazônia garante estabilidade climática para agropecuária
A Amazônia concentra 33% do sistema de biodiversidade planetária, 20% das águas doces e 250 povos indígenas que falam diferentes línguas. Eles têm uma convivência harmônica com a natureza, pois consideram que plantas, animais e minerais têm alma. Mas, adverte Sant’Anna, a Amazônia não é nossa faz tempo. A opção pela abertura do território se acentuou nos anos 1970 com os governos militares que optaram por uma estratégia de desenvolvimento que priorizou obras de infraestrutura e integração nacional, abriu estradas no coração amazônico e ligou o leste com o oeste. O desmatamento acompanha rios e grandes rodovias, que servem de entrada para os grileiros, que, segundo ele, já tomaram 40% das terras amazônicas.
“As redes de destruição começam pela queimada, depois entra a pecuária e por fim o agronegócio. Esse processo é irreversível. As últimas queimadas resultaram de acordos entre pecuaristas e grileiros que combinaram o ‘dia do fogo’, onde mais de 15 mil pontos de incêndios foram mapeados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Nasa [National Aeronautics and Space Administration ou Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, agência do governo dos Estados Unidos responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial]”, afirma o professor.
Corpo de Bombeiros Militar do Pará atua com 14 militares em várias regiões do Estado afetadas por queimadas.
Sant’Anna diz que foram desenvolvidos, entre os anos 1970 e 1980, na região, dois projetos fundamentais à sustentabilidade: o Projeto Floram, da Universidade de São Paulo (USP), que realizou centenas de estudos das florestas e biodiversidades, e a Teoria dos Refúgios, de Paulo Ranzolini, que mapeou as áreas que precisam ser preservadas, intocadas e demarcadas para as comunidades indígenas. “Esses dois projetos influenciaram as políticas ambientais na Amazônia nos últimos tempos, produzindo informação para a efetivação de políticas públicas de proteção à biodiversidade e às comunidades. Entretanto as redes de proteção e as estruturas de fiscalização e a legislação vêm sendo desmontadas muito rapidamente, especialmente no âmbito do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] desde o governo Temer.”
O ar condicionado do mundo
O aquecimento global, ensina o especialista, é um fato científico comprovado por todas as estações meteorológicas existentes na Terra. “O único dilema é o quanto esse aquecimento é natural ou de origem antropogênica, pois os climas do passado revelam que mesmo sem humanidade a Terra aquece”, pondera. Ele afirma, enfaticamente, que a Amazônia e seu sistema entrópico é “o ‘ar condicionado’ do mundo”, pois tem o papel de resfriador que impacta na mudança climática e na temperatura média da Terra, devido aos desmatamentos de 20 a 30 mil hectares/ano.
Sem a floresta o clima seria desértico, o que alerta para o risco de savanização e arenização da Terra que impactará a agricultura, na precipitação de chuvas e umidade que levarão aos aumentos de temperatura, ar mais seco e à ausência de água para o abastecimento da população e a produção agrícola, que afetarão de imediata os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, além de um grande efeito nas atividades econômicas de todo o País.
“A noite escura em São Paulo é consequência desse fenômeno originada pelo movimento atmosférico, que circula pela Amazônia e passa pelo sudeste. São os rios voadores, originados pela circulação de massas de água decorrentes da circulação atmosférica. Se continuarem queimando viram as partículas da destruição, com significados inimagináveis para o futuro”, concluiu Sant’Anna, exemplificando a distopia.