Sábado, 23 Novembro 2024

Especial para Portogente

Conversamos com o diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cláudio Maretti. Ele se considera gestor ambiental por profissão, e academicamente um geógrafo, doutorado em Geografia Humana e mestrado em Engenharia (Geotecnia) e graduação em Geologia. Também é vice-presidente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da UICN, na qual se dedica voluntariamente.

Cláudio Maretti 2

Da Diretoria de Ações Socioambientais e de Consolidação Territorial em Unidades de Conservação (Disat) Maretti fala da carga de trabalho que exige muita dedicação para ajudar na transição: “Eu falo como diretor do ICMBio e estou num cargo de confiança e com a responsabilidade de tratar com respeito a proposta que foi vitoriosa nas urnas”.

Entre participações e intervalos no Seminário Nacional de Extrativismo Costeiro Marinho, realizado no Pará, falou sobre licenciamento ambiental, desenvolvimento sustentável, biodiversidade da Floresta Amazônica, mudanças climáticas e relações comerciais do Brasil com outros países.

Quais a tua opinião acerca das propostas do governo de transição de liberalização do licenciamento ambiental no Brasil? Que impactos teria tanto do ponto de vista econômico, como em relação à sustentabilidade ambiental?
Maretti – Eu não vi nenhuma proposta concreta de liberalização do licenciamento pela equipe que faz a transição composta por este e pelo futuro governo. Eu ouvi na campanha reclamações de que há posturas radicais e entraves que devem ser superados. Existe no Congresso Nacional uma proposta de modificação do licenciamento e nesse contexto posso comentar e opinar. Primeiro, é muito dito que o meio ambiente atrapalha o desenvolvimento. Alguns falam que é a ideologização do meio ambiente, radicalismo, xiitismo, alguns falam que é uma visão burocrática de órgãos que não estão preocupados com a produção. Eu acho que existe isso no país e fora do país, no governo e fora dele, nos governos estaduais e municipais, nas empresas, nas organizações. Não vejo essas características negativas nas unidades institucionais que tratam do meio ambiente no atual governo. Essa perspectiva é parcial, pois a defesa do meio ambiente poder ser numa área industrial, urbano, onde a qualidade de vida depende de ar limpo e vegetação, mas nem sempre são condições naturais, mas dependem do planejamento de infraestrutura.

Outro aspecto é a conservação da natureza, que se defende que seja feita de forma indissociada das populações tradicionais, comunidades locais, que vivem em área mais isoladas. Isso tratado de forma integrada visa o desenvolvimento chamado de sustentável, que respeita o modo de vida das pessoas. O atual modelo de vida escolhido pela maioria da sociedade precisa de uma economia pujante, de empregos, de crescimento até certo ponto. Um desenvolvimento que venha junto e não em oposição à qualidade de vida das pessoas. O processo de licenciamento ambiental é na verdade uma forma que a legislação encontra de orientar as decisões que são de Estado e da sociedade brasileira, e não de um grupo ou de um governo. Para que essas atividades possam ser feitas da melhor forma. O licenciamento é um dos instrumentos que pode promover o desenvolvimento sustentável. Essas condições dependem de um planejamento estratégico e de políticas públicas que orientem as atividades econômicas, sociais, ambientais, culturais.

Por que há tantas críticas no atual modelo de licenciamento? O que lhe chama a atenção no debate dos setores que propõem mudanças?
O licenciamento tem sido criticado pela demora ou entrave, pelo excesso de condições ou não autorização de uma atividade e se culpa o órgão público pelo não licenciamento. Ai está o equívoco: o projeto de produção elétrica, de transporte, de produção agrícola, de urbanização ou industrialização que depende do licenciamento teria que vir preparado de acordo com as diretrizes do desenvolvimento sustentável e seria facilmente autorizado. Só que infelizmente há uma luta para descumprir as regras e as normas e os dispositivos legais para passar projetos que não respeitam as condições exigidas, que incluí muitas vezes a saúde das pessoas. O que é inaceitável é que as atividades econômicas privatizem o lucro e deixem os custos da degradação ambiental para o resto da sociedade: como o tratamento da água, das condições de saúde para superar as doenças, do saneamento. Há um elemento importante na proposta de licenciamento que vem sendo discutida hoje, onde há grupos defendendo que os parques e reservas, as unidades de conservação não possam mais opinar de forma conclusiva em termos de autorização da licença ambiental. Isso significa que se vier um projeto de construção de estrada para passar no meio de um parque nacional, um porto em cima de uma reserva extrativista ou o desmatamento numa reserva biológica, o órgão que gere as unidades de conversação, no caso o ICMBio, não teria mais essas condições de colocar limites na autorização desse licenciamento. Há aspectos positivos, como estudos do ICMBio que oferece ferramentas para fazer um planejamento mais adequado.

O Brasil é signatário de vários acordos e protocolos internacionais em torno do consumo verde, para garantir o consumo verde, praticado em alguns países. Certamente o licenciamento é um critério para esse fim. Sendo esses compromissos rompidos, que tipo de impacto econômico causaria para as exportações brasileiras para países que exigem um comportamento ambiental sustentável?
Novamente esse assunto é tratado de forma parcial, os convênios internacionais e os protocolos associados a eles visam o bem comum, inclusive do Brasil. Foi muito comentado na campanha eleitoral o “Acordo de Paris”, que é uma decisão da Conferência Climática, onde são apontadas recomendações genéricas de procedimentos para que cada país apresente de forma voluntária seus compromissos com a redução das emissões que levam ao efeito estufa, a mudança climática global e a adaptação às condições cambiantes do clima. Nada é imposto, nós somos signatários dessas decisões, tomadas coletivamente e interessa ao Brasil que todos contribuam para minimizar as mudanças climáticas mais drásticas, interessa ao Brasil que nos adaptemos.

Na verdade não há grandes convênios, acordos e protocolos de “comércio verde”. O que existem são acordos e decisões que tomamos parte que defendem a conservação da natureza dentro do desenvolvimento do processo produtivo. As iniciativas que defendem o comércio justo e verde poucas vezes são governamentais, mas são certificações que geram um padrão de reconhecimento de produtos. De fato alguns países não aceitam por uma questão de saúde e de padrão de consumo os produtos transgênicos. Muitos países preferem não comprar produtos que tenham na sua cadeia o desmatamento e a degradação ambiental das populações tradicionais. Isso é decorrência de uma postura internacional onde todos estão defendendo o bem comum e é sim possível haver restrições de mercado, pois alguns dos países mais ricos do mundo tem interesse em comprar produtos mais limpos e sustentáveis. Isso não são protocolos específicos de comércio, mas acordos. Muitas vezes no comércio o que impera é a qualidade do produto em defesa do comprador, como por exemplo, na questão da pecuária, quando há uma intervenção por uma razão comercial ou protecionista, a razão principal é a qualidade. Então a rastreabilidade, o acompanhamento da vida de uma vaca, para poder saber a qualidade da carne que vai para um país comprador ajuda a saber das condições ecológicas, mas o que pesa é a qualidade do produto.

Você acredita que essa liberalização poderia ter vantagens econômicas? Que atenderia um tipo de mercado que não tem critérios ambientais para importação, por exemplo?
Não existe um mercado que favoreça um produto não sustentável. O que existem são mercados que querem só o mais barato, que aceitam outras condições. Esses mercados variam muito e tem evoluído. A China quando estava num processo forte de crescimento queria só o barato e entrou com um modelo de relações comerciais internacionais que diminuíram o nível dos padrões até então praticados pelos EUA e Europa que definiam o padrão principal. A gente vende muito para países do Oriente Médio e a Ásia que tem um padrão intermediário. Muitos países do Oriente Médio estão melhorando seu controle, pois tem uma riqueza muito grande com o petróleo e podem selecionar produtos mais especializados em qualidade para a saúde das populações. A possibilidade de ganho pode ser imediata para os produtores com a privatização dos lucros, mas tem como consequência um custo que é levado para a sociedade, pois o prejuízo ambiental e social fica nas costas de todo mundo. O produto mais barato tem mais possibilidade, pois às vezes o produto sustentável é mais caro por que precisa ser reconhecido, legalizado e certificado, pagar os impostos regularmente, e temos dados para comprovar, como o caso da madeira.

Sendo o Brasil um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, a liberação que tramita no Congresso de mais veneno, que impacto causaria nas exportações e nessas exigências que apontamos acima? Nós teríamos potencial ainda no Brasil para uma produção agrícola mais ecológica?
o agrotóxico toca mais diretamente o problema. Os países mais desenvolvidos sobretudo, mas também o Oriente Médio, a Rússia e a China exigem cada vez mais produtos de qualidade e que não afetem a saúde das pessoas. Isto está mais diretamente controlado e toca no interesse dos consumidores. O tema da contaminação por bactérias, doenças podem até vir em primeiro lugar, o que torna aceitável para esses mercados o uso de certos defensivos, antibióticos e agrotóxicos. Mas o excesso de agrotóxicos ou mesmo do uso de produtos que não são aceitos nesses países geram um problema. Essa é uma barreira importante, de interesse comercial, que envolve a situação da saúde e do meio ambiente e é usada por esses interesses. A China por exemplo, por vezes cria restrições para diminuir o preço do produto. O agronegócio brasileiro está metido nessas negociações e a agropecuária produz alimentos que são de interesse imediato das pessoas.

Em relação há Amazônia, considerada o pulmão verde da humanidade: isto é mito ou é fato? A importância da sua diversidade, inclusive vários países pesquisam ali e patentearam sua flora. O que significa abrir mais a Amazônia da forma como está sendo proposta, inclusive com instalação de bases militares e a liberalização dos licenciamentos?
Suas perguntas são super importantes, e trazem algumas suposições que me levam a fazer um contexto. A Amazônia é o conjunto de ecossistemas mais importante do mundo em todos os sentidos. Desde evitar maior poluição do ar, proteção da regularidade das águas e abastecimento urbano, turismo nas áreas protegidas, possibilidades de pesquisas para desenvolvimento industrial de cosméticos, medicamentos e mais recentemente muita inspiração para design industrial e urbano, construções baseadas na organização físicas dos elementos da natureza, dos seres. Os primeiros que utilizam os serviços que a Amazônia oferece são as populações tradicionais, os indígenas, quilombolas, sobretudo os ribeirinhos e extrativistas que encontram ai sua moradia, alimentação e o material necessário para sua sobrevivência e de onde retiram produtos para fazer um pequeno comércio.

Há também a exploração sustentável de essências para cosméticos, produtos não madeireiros, como castanha, óleos, borracha, e a própria madeira quando feita de forma sustentável. O menos sustentável e inteligente é devastar a floresta para fazer a produção homogênea de modelos agrícolas e pecuários que não originários da nossa região, que não são típicos do mundo equatorial e vão sendo adotados por força dos mercados. Há um serviço que a gente cada vez mais fala dele que é o papel da floresta amazônica na circulação atmosféricas e na umidade nesse ar que circula. Há uma comparação entre outros continentes na mesma latitude mostrando que em quase todos os outros casos as regiões são mais desérticas e semiáridas, isso por que em parte o clima é controlado pelas grandes circulações marinhas e aéreas que dependem também do formato da terra, da oscilação, da rotação etc, formando os grandes movimentos de ar.

No caso da umidade ela com frequência vem da evaporação dos oceanos e dos ventos que trazem essa umidade para dentro do continente. A Amazônia consegue, reter, “chupar” mais esse ar do Atlântico, funcionando como uma bomba. Depois expulsa essa umidade da floresta através da chuva, mas também para um ar úmido dirigido para os Andes, onde as montanhas fazem um anteparo que redireciona para o sul da América do Sul, sendo responsável pela qualidade e quantidade das chuvas no sul da Amazônia, no Cerrado, no sul e sudeste do Brasil, no Paraguai, Argentina, Uruguai.

Os elementos que são importantes de considerar nesse interesse pela Amazônia estão relacionados para além de ser o “pulmão do mundo”, que está ultrapassado cientificamente, é a biodiversidade como base para as comunidades tradicionais, a biodiversidade como base do desenvolvimento industrial e é são os processos ecológicos que geram a estabilidade climática que permite a produção agropecuária e o abastecimento das cidades do centro e do sul do país.

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