Adalberto Luis Val é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC), bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), membro titular da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho Administrativo da Fundação Bunge
Ainda que, em termos de vocação, empenho e recursos, o Brasil seja uma das maiores potências agrícolas do mundo, a sustentabilidade no agronegócio não é jogo que se ganha só. O tema tem merecido atenção constante da Fundação Bunge, que há mais de uma década prestigia pesquisadores das Ciências Agrárias com um de seus dois prêmios Fundação Bunge concedidos anualmente. Sabemos que a produtividade agrícola sustentável é desafio urgente. Mas também, necessariamente, coletivo – o que torna o jogo bem mais complicado de ser jogado.
No quesito ambiental, as regras parecem claras. É consenso científico que a ação do homem nos últimos séculos tem contribuído para o esgotamento de recursos naturais e para o aquecimento da temperatura média do planeta; que esse aquecimento compromete a produção global de alimentos e de energia; que essa produção precisará crescer para dar conta de uma população estimada em 9 bilhões de pessoas em 2050; e que, portanto, a única forma de resolver esse dilema é investir em eficiência e conservação. Produzir mais, consumindo menos recursos (água e solo), preservando ao máximo a biodiversidade e reduzindo a emissão de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.
São essas as regras do jogo, firmadas em tratados internacionais como o Protocolo de Quioto, de 1997, ou, mais recentemente, o Acordo de Paris. Negociado em 2015 pelos 195 países Parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, o Acordo de Paris estabelece metas globais como manter o aumento da temperatura média da Terra abaixo de 2oC em relação a níveis pré-industriais e alcançar o balanço neutro de emissão de GEE já na segunda metade do século XXI. Para contribuir com tais metas, o Brasil se comprometeu, de sua parte, a reduzir emissões de GEE em 43% até 2030, com base no ano de 2005. Isso, para não falar de outras importantes decisões incluídas no Plano Agricultura de Baixo Carbono, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como aumentar a participação da bioenergia na nossa matriz energética, acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia, recuperar pastagens degradadas e intensificar o uso de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, entre outras.
Mas, então, acontece de alguns jogadores-chave não concordarem com as regras do jogo. É o caso dos Estados Unidos, cujo presidente, em menos de três meses de mandato, reduziu em 31% o orçamento de sua Agência de Proteção Ambiental, proibiu a divulgação de dados científicos por pesquisadores dessa Agência e do Departamento de Agricultura, cortou financiamentos de pesquisas na área e pôs um fim ao Plano de Energia Limpa idealizado pelo antecessor, que regulamentava as emissões de GEE de termoelétricas a carvão, efetivamente tirando os Estados Unidos de campo no que diz respeito ao Acordo de Paris.
Considerando que os EUA são o segundo maior emissor de CO2 do planeta, atrás apenas da China, que mantém-se comprometida com o Acordo, é um grande revés para todos os participantes. Não apenas simbolicamente – abrindo precedente para que outras nações sigam o mesmo caminho –, mas também na prática. Sem a adesão de grandes emissores de CO2, dificilmente será possível manter as temperaturas sob controle, gerando um típico efeito bumerangue, o que já impacta mesmo as regiões mais pristinas do globo, como as calotas polares, os oceanos e a Amazônia. Efeitos do aquecimento que já são notados hoje – diminuição de produtividade de alimentos marinhos, maior vulnerabilidade de lavouras a patógenos, estresses hídricos, etc. – só tenderiam a piorar, por mais que o mundo saiba como evitá-los e tenha recursos para fazê-lo. É como uma seleção de craques perder a partida por gols contra.
Além disso, em termos de desenvolvimento social e econômico – fatores tão importantes quanto a conservação ambiental no tripé da sustentabilidade –, o jogo é ainda mais complexo, já que cada país defende seus próprios interesses e prioridades no mercado internacional. Nesse sentido, tecnologia e recursos naturais, por si só, não bastam. É preciso capacidade de negociação comercial e muita diplomacia para marcar pontos – e para gerenciar crises.
É o que ilustram dois episódios recentes envolvendo a indústria de carne brasileira. O primeiro, em agosto de 2016, quando comemoramos a abertura do mercado americano para a carne bovina in natura. Após 17 anos de negociações, Brasil e Estados Unidos chegavam a um acordo quanto a normas de controle sanitário, permitindo um comércio bilateral entre os dois países. Sete meses depois, contudo, o impacto causado pela Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, dava início a uma série de bloqueios parciais ou totais da carne brasileira em mais de uma dezena de mercados, incluindo China, Hong Kong, União Europeia, Chile, México, Rússia e Egito. Felizmente, hoje, reabertos alguns dos principais mercados que determinaram o embargo, a carne brasileira aparenta ter sobrevivido ao susto.
Vê-se, assim, como o desenvolvimento do agronegócio brasileiro exige uma junção de talentos em diversos campos do saber: Ciências Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências do Clima, Direito Internacional, Comércio Exterior, etc. E exige, igualmente, interlocução e diálogo com os demais países, para que, juntos, sejamos vitoriosos na partida a qual todos precisamos vencer: a segurança alimentar e energética do planeta. O Brasil tem plenas condições não apenas de participar desse diálogo como de conduzi-lo. E é por acreditar nisso que a Fundação Bunge dedica um dos Prêmios Fundação Bunge deste ano à nossa atuação no enfrentamento desse desafio global.