Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, professor-pesquisador convidado do "Centre de Recherches Internationales da Sciences Po” de Paris e atua na área de Relações Internacionais.
No início (e sempre), humilhar e ser humilhado eram manifestações individuais, pessoais, corriqueiras, normais. Com o passar dos tempos essa banalidade se transformou numa patologia obsessiva de instituições e não tardaria a virar norma na prática da relação entre impérios e entre estados.
Com a emergência do sistema internacional westfaliano nutrido no imperativo das soberanias, essa patologia ganhou a companhia da busca incessante por status. Ter ou não status passou a componente de reconhecimento e consideração. De 1815 a 1945, esse sistema, essencialmente europeu, marinado em status e humilhação, começou ganhar adeptos voluntários e involuntários de outros continentes.
Os Estados Unidos, que desde a sua independência relutavam em olhar para além de suas fronteiras e menos ainda além-Atlântico, fariam questão de participar da Conferência de Berlim em 1885 demonstrando fagulhas de interesse na extensão do conserto europeu à África. China e Japão seriam impulsionados à modernização para não continuarem fora dos destinos impostos pelo mundo visto pelos europeus. As independências latino-americanas imporiam, durante todo o século 19, relações permanentes de permissividade e constrangimento com suas antigas metrópoles. O imperialismo francês e britânico na Ásia e na África conduziria as mesmas relações em suas novas colônias.
A implosão do império russo e a constituição da URSS no interior da primeira guerra mundial formatariam as bases da tensão Leste-Oeste do após 1945. A intensidade do conflito político e ideológico entre o mundo livre e o mundo soviético até 1989-1991 permitiria alguma acomodação das demandas de atenção e status. Os não-alinhados saídos das conversações de Bandung em 1955 e formalizados no G77 moveriam seus esforços para contar para além da tensão Leste-Oeste. A forte descolonização da África e da Ásia seguida do desejo de autodeterminação levou os novos países ao mesmo propósito de reconhecimento.
Os choques de petróleo dos anos de 1970 levaram alguns países centrais a criar o grupo dos países industrializados – o G4, depois 6 e 7 – para conter os impactos da desestabilização vinda dos países do Oriente Médio. Com fim da tensão Leste-Oeste e a implantação da globalização como realidade internacional, a busca de status e reconhecimento ficou ainda mais ostensiva. Jamais ocorrera tamanha demanda por criação de agrupamentos internacionais com objetivo de sobrevivência e autoproteção. O sistema outrora europeu foi tornado bipolar e agora, após a abertura do muro de Berlim, ganhava a pretensão de ser “unipolar” liderado simplesmente pelos Estados Unidos como derradeira grande potência.
Mas veio o 11 de setembro de 2001 que soterraria essa unipolaridade criando um mundo sem pólos, portanto, “zeropolar”. Nessa “zeropolaridade” a interdependência sistêmica tem alcançado, segundo Badie, seu estado supremo. Todos dependem de todos. Mas sempre há estados que se consideram melhores ou piores que outros. E, nessa plataforma, a humilhação vem se consolidando como componente e norma das práticas dos relacionamentos internacionais