Há crimes contra a sociedade que se perpetuam. Os aditivos nos cigarros fazem parte dessa categoria.
São chamados de aditivos os produtos acrescentados ao fumo para mascarar o gosto repulsivo, potencializar os efeitos da nicotina ou dilatar os brônquios. São preparados com açúcar, essências de maçã, morango, chocolate e outros sabores agradáveis ao paladar infantil. O mais popular é o mentol, que anestesia a garganta para torná-la insensível ao calor e ao efeito irritativo da fumaça.
A combustão desses aditivos forma novos reagentes que se juntam aos 4 mil ou mais inalados a cada tragada. Da queima do mentol, por exemplo, resultam compostos comprovadamente cancerígenos.
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Conscientes de que mais de 90% dos usuários começam a fumar antes dos 25 anos, o objetivo claro da indústria é tornar o cigarro mais viciante e palatável ao público infantil. Essa trama perversa ajuda a explicar por que tantas meninas e meninos se tornam dependentes de nicotina, algumas vezes, aos dez ou onze anos. Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o tabagismo como doença pediátrica.
A partir dos anos 1990, a indústria investiu pesado nessa área. Hoje, os aditivos chegam a representar 10% do peso bruto de alguns cigarros.
Que motivos nos levam a permitir a perpetuação dessa estratégia criminosa?
Em primeiro lugar, o desconhecimento: a maioria das pessoas não se dá conta da gravidade dos malefícios do fumo e da natureza da dependência causada pela nicotina. Na própria imprensa, fumar é tratado como “hábito”.
Hábito? Hábito é começar a barba pelo lado esquerdo do rosto, calçar primeiro o sapato do pé direito ou tomar banho antes de ir para a cama; fumar é dependência de droga. A mais feroz delas, capaz de provocar crises insuportáveis de abstinência em alguns minutos.
Já disse, nesta coluna, que a experiência em cadeias me convenceu de que é mais fácil largar do crack. Mantido longe do crack, das pessoas sob o efeito dele e dos ambientes em que era consumido, o usuário se conforma sem entrar em desespero. O fumante, ao contrário, sem o cigarro ao alcance da mão, enlouquece, esteja onde e com quem estiver – digo por experiência pessoal.
A segunda razão é menos farmacológica: a indústria tabaqueira nega que os aditivos sejam prejudiciais. Inescrupulosos como sempre e com a desfaçatez de quem explora um produto que deve matar 1 bilhão de pessoas apenas no século 21, questionam os pareceres dos especialistas e da OMS, que alertam sobre os perigos dos aditivos e recomendam sua proibição definitiva.
A Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) tem o desplante de ofender nossa inteligência, ao afirmar que os aditivos “não tornam o cigarro mais atrativo ou tóxico e que não há relação direta entre o consumo de cigarros com ou sem aditivos e as faixas etárias dos consumidores”.
Devem nos considerar um bando de mentecaptos, prontos a acreditar que investem uma fábula na fabricação de cigarros “aditivados” e na pesquisa de novas substâncias com as mesmas características, sabendo que eles “não tornam o cigarro mais atrativo”.
Para quem comanda um negócio que ganhou nas cortes americanas o título de a Maior Fraude à Saúde Pública da História, que valor têm as palavras dessa gente?
Há anos a Anvisa tenta proibir os aditivos, mas enfrenta o poder do lobby milionário da indústria e dos políticos cooptados por ela. Apesar da proibição, os aditivos continuam sendo usados por força de uma liminar.
Está para ser julgada uma ação no STJ movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com a alegação de que a Anvisa “extrapolou suas competências, usurpando-as do Congresso Nacional, ao banir os aditivos sem a demonstração de risco imediato e urgente”.
Dá para acreditar que uma associação com a relevância da CNI se preste a esse papel infame? Questiona a competência de um órgão técnico e responsável como a Anvisa para definir o que é nocivo à saúde da população, para atribuí-la aos nobres deputados e senadores.
Justamente a eles? Por que será, não? Até eu que sou meio bobo fico desconfiado.