Quinta, 02 Mai 2024

Bussinger 06DEZ2016

Se não é unanimidade, é próximo disso: investimento é condição sine qua non para que o Brasil saia da (profunda) crise que vivemos. Já para a maioria dos analistas, que mais profundamente se debruçam sobre o tema, será necessário um ciclo prolongado de investimentos “pesados” (bem acima de 20% do PIB) para que a economia brasileira mude de patamar.

Talvez por isso investimento passou a ser, já há algum tempo, praticamente a única métrica para se “vender” ou divulgar decisões, projetos ou ações; tanto governamentais como privadas. Uma variante dessa métrica é o valor do ágio ou da onerosidade, no caso de concessões e PPPs.

Na inauguração ou anúncio de uma obra, de uma planta agrícola ou industrial, ou de uma plataforma de serviços é natural que assim seja. Mesmo porque, se não for mencionado, repórteres certamente perguntarão (pois a imprensa tem enorme reverência por números!). Intrigante é que valores de custeio (manutenção, operação, etc), também medidos em R$, US$ ou €, não têm merecido a mesma atenção. Menos ainda indicadores de resultados (qualidade do produto ou serviço, emissões, produtividade, eficiência etc.). Qual a razão?

Curioso, todavia mais, é que investimento passou a ser, também, métrica e presença obrigatória em discursos, artigos, powerpoints, press releases e reportagens sobre programas/ações sociais, ambientais, culturais, esportivos; sobre leis, normas e marcos regulatórios: lembra-se, p.ex., da MP-595 - embrião da significativa mudança do modelo portuário brasileiro? Ela foi anunciada como “Programa de Investimentos em Logística para Portos”, em concorrida solenidade no Palácio do Planalto (6/DEZ/2012).

Com ferrovias, metrôs, VLTs e corredores; assim como com telecomunicações, energia, saneamento, petróleo é o mesmo: a redução do tempo de espera e/ou de viagem, do “aperto” (na condução), de consumo de combustível, de emissões, de tentativas de discagem, de quedas de sinal, de blecautes, de derramamentos, ou de custos/preços; o aumento da capacidade, da regularidade, da confiabilidade, da satisfação do usuário/cliente fica em segundo, terceiro ou quarto planos. Já notou?

A construção lógica, o argumento, a mensagem que passa é mais ou menos essa: há compromisso de investimento? Então pode! As portas se abrem. Por vezes nem bem compromisso; a mera intenção ou perspectiva basta. Investimento passou a ser, assim, algo entre um álibi e um salvo-conduto.

Medir-se a dimensão e implicações de uma decisão apenas pelo investimento; ou pior, pelo seu “valor-de-face” é um reducionismo evidente. Principalmente no caso de concessões, PPPs e arrendamentos portuários. E pode, até, ser enganoso. Por que?

i) É sabido: compromissos de investimentos, no Brasil, raramente são cumpridos em prazo e/ou volume. ii) Investimentos privados, normalmente brandidos como autônomos e autossuficientes, sempre demandam algum investimento público associado. Nenhuma ressalva se esses são conhecidos previamente e, principalmente, combinados. Mas não é isso que muitas vezes acontece: em diversos casos tal demanda só emerge mais à frente, colocando o poder público contra a parede. Nesses, quase que invariavelmente cronogramas são retardados e custos e orçamentos majorados. Mas pode também ocorrer que recursos de outros setores (por vezes mais carentes e/ou onde a relação benefício/custo é maior) tenham que ser drenados para não inviabilizar a meta prometida. iii) Situação similar também ocorre em PPPs formais: é quando o poder público, por razões diversas (contingenciamento de orçamentos, não obtenção de licenças, atrasos em desapropriações, etc) retarda o cumprimento do que lhe cabe; gerando perdas ao parceiro. E, aí, (legítimos) pleitos de reequilíbrio e celebração de aditivos são inevitáveis. iv) Há o caso, também, de investimentos que produzem efeitos colaterais danosos e a serem remediados; até mesmo pelas gerações futuras: a Samarco, em Mariana-MG, é um exemplo vivo e contundente!

Esse rol é exemplificativo. Há várias outras situações que acabam por agregar ao PIB menos que o previsto; e/ou que levam a postergações e/ou redução de benefícios aos usuários/clientes.

Mas pode (no condicional!) haver interações ainda mais complexas. P.ex.: i) determinados investimentos podem implicar em des-investimentos produtivos: quando resulta na substituição do OPEX corrente por um mais barato, menos mal. Mas muitas vezes trata-se, apenas, de “queima” de ativos”. Assim, se se quer adotar essa métrica, seria mais correto considerar-se algo como o “investimento líquido” = investimentos novos menos desinvestimentos. Ainda é cedo para se avaliar; mas esse pode vir a ser o resultado do “boom” de TUPs contíguos a portos organizados que se tem observado desde a promulgação da Nova Lei dos Portos. ii) Um determinado investimento pode, também, inibir a incorporação de uma evolução tecnológica/gerencial (mais eficaz e/ou mais barata) ou, mesmo, dificultar a transferência de ganhos de produtividade/eficiência para o usuário final; para a população, em geral.

Enfim, investimentos, obviamente, são necessários. Mas cabe-lhes ocupar o proscênio?

Não é assim, p.ex., na Europa: o “White Paper” (um tipo de plano estratégico de mobilidade e logística europeu), ou dos documentos setoriais que o antecederam (01, 02, 03, 04, 05, 06) te m como foco questões e variáveis finalísticas: valor de investimento, quando enunciado, normalmente está em plano secundário e condicionado/vinculado.

Tome-se o caso de uma ferrovia; principalmente uma “green-field” (como alguns projetos que integram a carteira do PPI): certamente ela é uma infraestrutura e uma prestadora de serviços.

Não é tão visível, porém, que, além dessas duas dimensões, uma ferrovia, como empreendimento estruturante, é também um agente econômico e social. Não raro um vetor de ocupação de território, requalificação de espaços/comunidades, viabilização de cadeias produtivas, gerador de emprego e renda... dimensões que TIRs, paybacks, ágios, onerosidades, isoladamente, são insuficientes para captar/expressar.

Aliás, a implantação de ferrovias no Brasil, desde o império, em meados do Século XIX, exemplifica claramente essa visão/abordagem. De igual forma, no plano internacional, o manual ferroviário do Banco Mundial (“Railway Reform: Toolkit for Improving Rail Sector Performance”) e de corredores (“Trade and Transport Corridor Management Toolkit”).
Investimentos são, evidentemente, necessários. Imprescindíveis, mesmo, para que o Brasil retome sua trajetória desenvolvimentista – agora pautada pelo desenvolvimento sustentável. Mas eles são, apenas, meios. Ou melhor; até mesmo as concessões, PPPs e arrendamentos portuários são meios; instrumentos.

Difícil, pois, aceita-los como a única métrica de avaliação de projetos ou parcerias. Ou, pior ainda, como salvo-condutos para o empreender.

Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.

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