Domingo, 24 Novembro 2024

Bussiinger

“Eu sou eu e minhas circunstâncias”
[José Ortega y Gasset]

Pouco a pouco as denominadas receitas acessórias (receitas alternativas, complementares, de projetos associados, na locução do art. 11 da Lei nº 8.987/95 – Lei de Concessões; ou ancillary revenue, em inglês) foram sendo incorporadas aos contratos de outorgas: concessões, arrendamentos, PPPs etc..

Elas são normalmente definidas como oportunidades de negócios geradas pela existência de uma atividade principal. São mecanismos de financiamento de infraestrutura ou de serviço concedido que não onera diretamente seus destinatários (usuários), nem o Poder Público (PPPs).

Tais receitas podem i) estar associadas diretamente com o objeto do contrato de concessão (exploração da faixa de domínio em rodovias; alguma forma de “land value capture” - taxação sobre a valorização de terrenos próximos a infraestruturas de transporte - 01, 02, 03, 04, 05; um tipo da nossa “contribuição de melhoria” - 02), ou ii) a ele estarem vinculadas de forma indireta (empreendimentos imobiliários associados à implantação de uma linha de metrô, ferrovia, terminal urbano, aeroporto, VLT, BRT, etc). Nestes casos, como decorrência da demanda gerada por atividades comerciais e de serviços complementares à atividade principal, resultante da concentração de pessoas.

Mas, lógico, isso depende de como é definido o empreendimento: se ele já for concebido como para desempenhar “n” funções, prestar “m” serviços; se as respectivas receitas já forem consideradas nos volumes de investimento (CAPEX) e no custeio (CAPEX) do projeto/empreendimento, elas deixam de ser acessórias; certo? É mais ou menos como no futebol: o avanço da linha de zagueiros pode deixar o adversário impedido; ou seu recuo tirar-lhe o impedimento!
Apesar do tema ter entrado no rol daqueles da moda no Brasil (artigos, palestras, eventos, etc), na prática, na vida real, elas ainda lutam para alcançar 2 dígitos % na cesta de receitas dos empreendimentos infraestruturais e de serviços públicos.

Talvez porque ainda se discuta sua natureza e aplicação: se somente beneficiando o usuário (modicidade tarifária) ou também o rendimento/lucratividade do concessionário; se apenas aplicável àquilo que estiver explicitamente previsto no edital ou incluídas no âmbito de iniciativa do outorgado; sua parametrização; a participação (quantitativa) do poder concedente etc..

Internacionalmente, porém, elas ostentam índices entre 20% e quase 50% - este o caso de Hong Kong, talvez o exemplo mais mencionado. Dito de outra forma, segundo a COMET (que congrega os grandes sistemas metroferroviários) e a NOVA (os médios e pequenos) alguns metrôs alcançam faturamento não-tarifário superior a US$ 0,20 por passageiro; chegando até a US$0,45. Destaque, além de Hong Kong, para Shanghai, Londres, Nova Deli e Sydney (o Top-5).
A título de comparação esse índice no Metrô/SP é de U$ 0,07. Ou seja, ainda 1/3 daquele patamar mínimo!

Na palestra de abertura da 22ª Semana de Tecnologia da AEAMESP, recém realizada em SP, Go Hirano da JR-West (ferrovia japonesa, parte do JR Group, que atende 40 milhões de habitantes da região que abrange Tokyo), informou que i) a empresa passou a ser gerida sobre as leis privadas desde 1987; ii) alterou seu estatuto para, a par dos serviços de ferrovia, ônibus e ferry, incluir, como áreas de atuação da empresa, entre outras, a exploração de shoppings centers, lojas de departamento, comércio varejistas, restaurantes, quiosques, cafés, negócios imobiliários (venda e locação), hotéis, agências de viagem; iii) demoliu e está concluindo a reconstrução da tradicional Estação de Osaka, um amplo projeto de “requalificação urbana” na qual explorará tais atividades; iv) as receitas tarifárias de transporte representam 64% das receitas totais; ou seja, os outros 36% são auferidas nas demais atividades (meta de 40% até 2022).

Nessa linha, seu plano estratégico de médio prazo enuncia: “Vamos nos tornar uma empresa que coexiste com as comunidades. Vamos contribuir para o fortalecimento das comunidades através do aumento da qualidade das operações ferroviárias, ampliando a escala de negócios não-transporte, e promover a criação de novas empresas. Para tanto, vamos aprofundar o intercâmbio e a cooperação com os membros das comunidades”.

Três pontos chamam a atenção; apesar de não serem exatamente algo sui generis: i) preocupação e boa coexistência com as comunidades lindeiras; ii) qualidade dos serviços; iii) desenvolvimento de negócios.

Uma linha ferroviária (ou de metrô), já o sabemos, não é apenas uma infraestrutura de transporte: ela é um empreendimento estruturante, vetor da ocupação do território e de desenvolvimento. As regiões metropolitanas do RJ e de SP o comprovam. O interior de SP também.

O X da questão está em estabelecer-se mecanismos que permitam que as riquezas geradas com tais empreendimentos contribuam, ao menos em parte, com os custos de implantação (CAPEX) e custeio (OPEX) desses sistemas: como tem sido observado em estudos de viabilidade recente, são raros os casos em que eles “ficam em pé” apenas com as receitas tarifárias do transporte.

Mas, curiosamente, parece que retrocedemos em relação às experiências deixadas por D. Pedro II quando da implantação das primeiras ferrovias e portos, ainda no Século XIX (Decreto nº 641/1852 e Decreto nº 1.746/1869). Ou da Light (SP e RJ – o “polvo canadense”) na 1º metade do Século XX, que explorava/geria bondes, energia, atividades imobiliárias; entre outras atividades.

Como tantos exemplos no exterior; como outros tantos do Império e da Light, as receitas auferidas nesse conjunto de atividades são essenciais; condição sine-qua-non para que tais empreendimentos estruturantes sejam implantados e, depois, para que sejam sustentáveis econômico-financeiramente.

Por isso seria fundamental que fossem concebidos conjunta e integradamente. Mesmo porque, a receitas por elas geradas estão longe de ser acessórias: podem ser a diferença entre a inviabilidade e a viabilidade de um empreendimento metroferroviário... principalmente em um País com altas taxas de juros e de riscos.


Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.

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