OUT/1992 (quase ¼ de século atrás): Itamar Franco assume interinamente o cargo de Presidente da República, em função do afastamento do Presidente Collor (que veio posteriormente a renunciar, em 29/DEZ/1992, horas antes de ser votado seu impeachment pelo Senado).
Governo interino; incerteza política; inflação de 3 dígitos de % (e crescente!); economia em frangalhos; plano de governo ainda não estruturado. O que fazer? Era a pergunta que certamente povoava a cabeça dos ministros e todas as equipes recém-empossadas.
No Ministério dos Transportes, após discussões que entravam pela noite e varavam finais de semana, o Min. Alberto Goldman, cônscio de que investimentos eram imprescindíveis, mas o orçamento limitado, começou a estruturar programas visando ao envolvimento da iniciativa privada; tanto nos investimentos, propriamente ditos, como na gestão das infraestruturas de transportes:
Autorizadas desde 1988, um programa de concessões rodoviárias foi alinhavado (que resultou nas 5 primeiras federais; algumas já sendo relicitadas); a tramitação da “Lei dos Portos” foi retomada e anabolizada (até ser aprovada em FEV/1993 e balizar as “Reformas Portuárias” da 2º metade dos anos 90 – cujos frutos são colhidos até hoje!), e iniciou-se o processo para segmentação (em 5) da então malha ferroviária federal (base/condição para a desestatização de 1996/97 e, esta, para recuperação de parcela significativa da malha então degradada).
Associando transporte e sistema sanguíneo, e para facilitar a comunicação, as ideias originais foram sistematizadas, no final de 1992, em um opúsculo (de poucas dezenas de páginas) denominado “Reconstruindo as artérias para o desenvolvimento: Um projeto de recuperação do sistema de transportes e de resgate de suas funções básicas” (versões mais detalhadas ao longo de 1993).
Mas como fazer para deflagrar o processo? Eis a questão; o desafio!
Ainda não havia a “Leis de PPPs” (2004), nem as agências haviam sido criadas (2001). Tampouco havia a “Lei de Concessões” (1995) ou, mesmo, a “Lei de Licitações” (1993). O “Programa Nacional de Desestatização” já existia desde 1990, mas, nessa etapa, essencialmente voltado para venda de ativos (empresas): Só veio a ser ampliado, para entrar mais firmemente nas outorgas (concessões, permissões e autorizações) em 1997.
A solução foi organizar-se meio que um “blend”; um sincretismo de leis e normas - algumas delas muito antigas. E, por outro lado, conceber/arquitetar uma modelagem (na linguagem atual!) que procurasse compatibilizar atratividade, segurança, eficácia, simplicidade e clareza.
Um “Exército de Brancaleone” se envolveu denodadamente até que os primeiros resultados começassem a se efetivar; alguns meses depois. Dele é justo que se destaque o saudoso pernambucano José Ivandro Dourado Rodrigues; mente inquieta e visionária; com quem, ademais, deu-se boas risadas.
Da modelagem valem ser relembrados alguns conceitos/instrumentos:
1) Partindo-se do princípio de que em uma licitação dificilmente se consegue obter a melhor proposta (mas a menos pior – pois cada uma tem aspectos positivos e negativos), adotou-se o “modelo das 3 etapas”: Na 1º o foco era no “quem” (seletiva). Na 2º no “o que” (não obrigatoriamente seletiva). Na 3º no “quanto” (seletiva).
Dito de outra forma: Na 1º etapa selecionavam-se as empresas e/ou consórcios que poderiam prosseguir. Na 2º analisavam-se as propostas técnico-operacionais. Uma “comissão de sistematização” (nome advindo de memória da então recente Constituinte!) selecionava (balizada pelo interesse público declarado) e sistematizava aspectos das diversas propostas para compor o que seria a proposta final; aí para embasar a 3º etapa. Esta era submetida aos concorrentes remanescente para cotar o preço ofertado (proposta comercial); encerrando-se o processo.
2) As especificações explicitadas foram posteriormente sintetizadas numa diretriz de fácil memorização/comunicação: “Teto de tarifa; piso de qualidade”.
Ou seja: O balizamento, posteriormente formalizado em compromissos contratuais do outorgado, eram apenas no que se julgava essencial: Qualidade de serviço e preço; inclusive alguns desses parâmetros objeto de oferta na licitação.
Dito de outra forma; como o objetivo do Ministério dos Transportes era viabilizar as outorgas, o que ficava acima dos parâmetros mínimo de qualidade e abaixo dos tetos tarifários era como grau de liberdade do outorgada.
O como era com ele!
Certamente muita coisa mudou nesses quase 25 anos; em termos de legislação, normas, arranjos institucionais, organização da sociedade; etc. etc.
No passado tais conceitos/instrumentos já comprovaram sua eficácia. Será que não poderiam contribuir para destravar as concessões, arrendamentos e PPPs atualmente?
(*) Primeiro da série “Antes que eu me esqueça!”; na qual pretendo compartilhar algumas histórias/experiências, mormente profissionais, que vivi nas últimas 4 décadas... e que, imagino, possam eventualmente ser de alguma utilidade para alguém. Mas, se já me esqueci, me confundi, ou faltou algo relevante, favor me corrigirem!
Frederico Bussinger. Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.