
A manutenção de equipamentos de içamento e movimentação de cargas está prestes a passar por uma profunda transformação. A tecnologia de gêmeos digitais vem se apresentando como uma aliada poderosa para prever falhas, otimizar inspeções e garantir a segurança dos diferentes materiais utilizados em operações diversas, como em portos e na indústria.
Embora ainda de forma inicial, empresas e pesquisadores ao redor do mundo já aplicam a tecnologia de gêmeos digitais para monitorar em tempo real cargas, vibrações e deformações, obtendo como resultado menos paradas não planejadas, menor custo de manutenção e equipamentos mais seguros com maior disponibilidade.
Mas o que, exatamente, é esta tecnologia de gêmeos digitais? Trata-se de uma réplica virtual do equipamento ou de toda a infraestrutura na qual ele está inserido. Uma simulação computacional que recebe, por meio de sensores de IoT, dados em tempo real do comportamento de cada componente e de sua utilização. Diferentemente de um modelo 3D estático, o que temos é um "organismo vivo" digital, sincronizado com o ativo físico, sendo que qualquer alteração ou condição no mundo real se reflete no modelo virtual quase instantaneamente.
Ao registrar todos esses dados, a simulação pode calcular desgastes efetivos nos materiais em vez de depender de projeções, o que traz muito mais precisão na programação de manutenção, no controle da fadiga e de eventuais anomalias que podem ser antecipadas. Na prática, isso permite um planejamento mais efetivo de paradas para a realização de inspeção e manutenção, o que também aumenta os níveis de segurança.
Impactos na elevação e movimentação de cargas
Nos equipamentos de içamento e movimentação de cargas, como pontes rolantes industriais, guindastes de porto ou gruas de construção, essa cópia digital permite visualizar as cargas efetivas de trabalho. Vibrações, deformações e condições ambientais são analisadas em tempo real com a operação em andamento. Isso viabiliza um acompanhamento 24/7 do estado do equipamento, identificando padrões de desgaste e permitindo até mesmo realizar testes virtuais, simulando cenários extremos, como rajadas de vento ou falhas severas sem arriscar o equipamento real.
Ao avaliar os efeitos no modelo digital, é possível ajustar procedimentos antes de enfrentar essas condições de verdade. Um exemplo prático disso pode ser visto no porto de Roterdã 🇳🇱, onde sensores de vibração integrados ao gêmeo digital das pontes rolantes permitiram detectar problemas mecânicos antecipadamente, resultando em 28% menos paradas de manutenção não programadas nesses equipamentos.
Esta tecnologia traz ganhos de segurança ao monitorar também tensões estruturais e oscilações, prevenindo sobrecargas e situações de risco antes que coloquem em perigo operadores e instalações. Por exemplo, se um guindaste móvel se aproxima de levantar uma carga que excede o limite seguro, ou se ventos fortes impõem esforços além do projetado, o gêmeo digital reconhece o cenário perigoso imediatamente e pode desacelerar movimentos ou emitir alertas automáticos, evitando acidentes.
Além disso, a alta capacidade de realizar testes virtuais ajuda fabricantes e operadores a aprimorar constantemente os protocolos de segurança e os limites operacionais. Esse monitoramento proativo já se reflete em resultados concretos: estudos reportam 40% menos incidentes em operações que utilizam gêmeos digitais, graças à identificação e mitigação de condições inseguras antes de se agravarem.
O potencial dessa tecnologia é ainda uma área a ser amplamente explorada e que faz parte da transformação digital que vem sendo demandada em quase todas as áreas. Atualmente, é um recurso implantado em poucas operações pelo mundo, mas com tendência a ter sua adoção acelerada nos próximos anos.
O setor portuário tem assumido a vanguarda na utilização de gêmeos digitais. Grandes portos globais, como Roterdã, Houston e Tianjin, já implementaram projetos-piloto e relatam ganhos de eficiência e segurança. No Brasil 🇧🇷, o Porto de Santos iniciou em 2024 a implantação de seu gêmeo digital, desenvolvendo uma réplica virtual do canal de navegação e da infraestrutura portuária para monitorar operações em tempo real e antecipar problemas antes que impactem as atividades.
Aplicações em cabos de aço e içamentos
A possibilidade de ensaiar virtualmente manobras complexas, como a movimentação de uma peça excêntrica sob vento lateral, permite refinar o plano de içamento e a definição de pontos de ancoragem antes da execução. Quando a tomada de decisão passa a ser treinada com base em simulações coerentes com o equipamento real, há uma redução significativa de acidentes e danos no material.
Para quem vive o universo de cabos de aço e rigging, a pergunta principal é onde essa tecnologia toca o núcleo do içamento, que envolve cabo, polia e tambor. A resposta passa por três camadas:
A primeira diz respeito à carga e ao ciclo operacional. Um gêmeo que registra, a cada içamento, o peso aplicado, as acelerações, o ângulo da lança e a duração do ciclo constrói um histórico fiel de esforços no sistema. Isso muda a discussão sobre fadiga do cabo, já que a vida útil não depende apenas do tempo transcorrido, mas do número de flexões sob carga ao passar pelas polias e ao se acomodar em camadas no tambor.
A segunda camada é geométrica e envolve a razão D/d, isto é, o diâmetro da polia dividido pelo diâmetro do cabo, além dos raios de curvatura efetivos. Quando o gêmeo mostra que a operação passou a utilizar uma configuração com D/d menor, por exemplo após a troca de uma polia, a predição de vida do cabo deve ser revisada para baixo.
Já a terceira camada é a condição física do próprio cabo, que inclui amassamentos por esmagamento em multicamadas, fios rompidos, corrosão e deformações localizadas. Nessa etapa entram os métodos de inspeção que a engenharia já domina e que podem ser integrados ao gêmeo digital, desde a inspeção visual padronizada até o ensaio eletromagnético do cabo, capaz de detectar perda de seção metálica e falhas internas.
Gêmeos digitais ainda estão no começo de sua curva de adoção, mas já apontam para um horizonte em que a manutenção deixa de ser um departamento reativo e passa a compor a estratégia de performance. Com sensores mais precisos, conectividade industrial confiável e modelos de análise maduros, o gêmeo digital tende a se tornar tão rotineiro quanto o plano de manutenção. Nesse estágio, guindastes, pontes rolantes e sistemas de rigging operarão com parâmetros definidos pelo histórico real de cada ativo, com limites e janelas de serviço calibrados por dados. O efeito disso será uma engenharia mais precisa, menos incerteza e maior disponibilidade de equipamentos convertida em produtividade.