Quarta, 01 Mai 2024

Jan Luiz Leonardi* Psicólogo, com doutorado em psicologia clínica pela USP. Coordena o Clube de Excelência em Psicologia Baseada em Evidências e divulga conteúdo relacionado à psicologia todos os dias em sua conta no Instagram (@janleonardi).

"Saúde em primeiro lugar!" é um ditado que atravessa muitas gerações. Provavelmente, todo e qualquer indivíduo que procura um médico, psicólogo, fisioterapeuta ou nutricionista quer receber o que há de melhor para resolver seu problema e melhorar sua qualidade de vida. A grande questão, muitas vezes negligenciada, é: quais são as melhores estratégias de prevenção e de tratamento que existem?

A resposta, infelizmente, é mais intrincada do que gostaríamos. A produção científica é vasta e cresce em ritmo acelerado. Mais de 1 milhão de artigos são acrescentados todo ano ao PubMed (o principal indexador de pesquisas biomédicas), e parte considerável dessas publicações são irrelevantes por causa de falhas metodológicas significativas. Além disso, muitos profissionais confiam excessivamente em suas experiências pessoais e negligenciam a literatura científica. Para piorar, a área da saúde está saturada de opções pseudocientíficas, como homeopatia, reiki, constelação familiar, psicanálise, programação neurolinguística, ventosaterapia e dieta baseada em tipos sanguíneos, para mencionar apenas algumas delas.

A solução para esse cenário caótico reside na Prática Baseada em Evidências (PBE), que pode ser definida como “o processo individualizado de tomada de decisão clínica que ocorre por meio da integração da melhor evidência disponível à perícia clínica no contexto das particularidades do paciente”. O que isso significa?

“Melhor evidência disponível” deixa claro que nem toda informação científica tem o mesmo grau de confiabilidade. Algumas pesquisas são mais precisas do que outras. O profissional que atua com PBE separa o joio do trigo e fundamenta sua atuação apenas em ciência de verdade. A “perícia clínica” refere-se ao conjunto de habilidades que um profissional de saúde desenvolve durante sua formação e prática. Engloba o aprendizado na universidade, pós-graduação, treinamentos, congressos e experiência prática, além do estudo de publicações científicas. As particularidades do paciente abarcam os objetivos, crenças, condição socioeconômica e apresentação clínica, entre outros. Em poucas palavras, com a PBE, o profissional adapta as evidências científicas às necessidades individuais de cada paciente.

Parece óbvio, não é? Em um mundo ideal, toda conduta clínica é embasada em evidências científicas. Porém, nem todos os profissionais da saúde estão familiarizados com a PBE e, entre os que a conhecem, muitos resistem em adotá-la. Há diversas razões para isso. Vou abordar algumas delas. Imagine um médico que investiu anos de estudo e uma quantia significativa de dinheiro em uma técnica específica. Ainda que as pesquisas mostrem que há métodos mais eficazes disponíveis, esse profissional pode se sentir compelido a continuar fazendo mais do mesmo, simplesmente porque já fez um investimento substancial naquilo. Este fenômeno é chamado de viés do custo afundado, que expressa a tendência de insistir em algo por conta do tempo, dinheiro ou esforço que já foi investido no passado.

Outra razão é o excesso de confiança que alguns profissionais de saúde depositam em sua vivência clínica acumulada ao longo dos anos, como se ela proporcionasse informações mais precisas do que aquelas provenientes de estudos clínicos rigorosos. Tal confiança na experiência pessoal, atravessada por crenças, vieses cognitivos e resistência à mudança, pode obscurecer a relevância das mais recentes evidências científicas.

Por fim, uma razão adicional que impede a disseminação da PBE é o déficit de conhecimento científico (ser profissional da saúde não é sinônimo de entender de ciência!). Falta formação na graduação e na pós-graduação sobre validade interna, validade externa, tipos de viés, confusão, causalidade, pergunta PICOT, amostragem, randomização, alocação oculta, cegamento, desfecho primário, desfecho secundário, desfecho clínico, desfecho substituto, significância estatística, significância clínica, etc.

Agora, por que a PBE é tão importante para a sua saúde e de toda a sociedade? Primeiramente, ela garante que as pessoas se beneficiem de intervenções cuja eficácia tenha respaldo científico. Vale ressaltar que nenhum tratamento é 100% eficaz. Dizer que um método é “comprovadamente eficaz” significa que possui uma alta probabilidade de trazer benefícios e pouca chance de causar danos. Além disso, a PBE minimiza o custo de oportunidade, ou seja, o desperdício de tempo e energia em um tratamento inútil quando poder-se-ia receber cuidados de alta qualidade. Ainda, a PBE resolve um problemão atualmente presente em várias áreas da saúde: o dispêndio de bilhões de reais – originários do bolso do paciente, de convênios médicos e dos cofres públicos – em práticas que carecem de embasamento científico e de eficácia demonstrada.

A questão central que todos os profissionais de saúde devem fazer é: "Estou oferecendo o melhor cuidado possível para o meu paciente?" Se a resposta for “não”, é hora de refletir, aprender e evoluir. Toda prestação de serviços em saúde deve ser baseada na melhor ciência disponível, balizada pela perícia clínica e voltada para as necessidades de cada paciente.

Nesse sentido, é crucial lembrar que a responsabilidade não reside apenas nos ombros dos profissionais de saúde. Como pacientes, temos o direito e o dever de nos informar, questionar e participar ativamente de nossos cuidados de saúde. Pergunte ao seu médico, psicólogo, fisioterapeuta ou nutricionista sobre as evidências por trás do que está sendo proposto.

Em última análise, a adoção da PBE não é apenas uma responsabilidade ética do profissional, mas uma necessidade premente para assegurar o bem-estar da população e a sustentabilidade do sistema de saúde, público e particular. A PBE representa o futuro, e esse futuro já é agora.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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