Domingo, 24 Novembro 2024

Hiroshima artigo* Graduado em Filosofia pela FFLCH, mestre e doutor em História Social pela mesma instituição. Para quem se interessar sobre o projeto atômico alemão, sua dissertação de mestrado está disponível em A física e o projeto atômico alemães na Segunda Guerra Mundial. Artigo publicado no site da FFLCH/USP, em 06/08/2022.

No contexto da 2ª Guerra Mundial, em 6 de agosto de 1945, a cidade japonesa Hiroshima foi atingida pela bomba atômica “Little Boy”, lançada pelos Estados Unidos. Transportada por um bombardeiro B-29 que sobrevoava Hiroshima a cerca de 9,5km de altura, explodiu no ar a aproximadamente 600 metros do solo. Estima-se que entre 50 e 100 mil pessoas morreram no mesmo dia, vítimas da explosão ou da radiação.

Harry Truman, então presidente dos Estados Unidos, se pronunciou em julho de 1945 exigindo “rendição incondicional” do Japão. Caso contrário, o país sofreria uma "destruição rápida e absoluta”. Hiroshima foi escolhida como alvo, visto que já havia sido bombardeada antes e era a sede de uma importante base militar.

A bomba “Little Boy”, com potência similar a 20 mil toneladas de TNT, causou uma onda de calor acima de 4.000ºC, em um raio de cerca de 4km. Como consequência, uma área de 10km² foi completamente destruída – edifícios ruíram, incêndios provocados pelo calor perduraram por dias, e a população a 11 km do marco zero sofreu queimaduras de terceiro grau.

Três dias depois, os Estados Unidos lançaram uma segunda bomba, dessa vez em Nagasaki. Diante disso, o Japão se rendeu. O número total de quantas pessoas morreram em ambas as cidades ainda é uma incógnita, uma vez que deve contemplar vítimas diretas da explosão, dos efeitos da radiação, e ferimentos em geral. De todo modo, estima-se entre 110 mil e acima de 210 mil vítimas no fim de 1945.

Conversamos com Marcelo Barros Sobrinho, doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sobre o contexto que propiciou o desenvolvimento de armas nucleares nos Estados Unidos e na Alemanha, assim como as consequências disso. Confira:

Serviço de Comunicação Social: Qual o contexto histórico que propiciou a urgência de desenvolvimento de armas nucleares?

Marcelo Barros: A Alemanha havia promulgado, no início do governo de Hitler, já em 7 de abril de 1933, a Lei para Restauração do Serviço Público Civil, que afastava descendentes de judeus e inimigos do regime dos seus cargos, incluindo funcionários públicos pagos pelo governo e aqueles ligados a institutos com apoio privado. Isso afetou amplamente a academia e ciência alemãs, mas não foi suficiente para impedir que uma descoberta essencial fosse feita. O físico-químico Otto Hahn havia perdido sua parceira de longa data, Lise Meitner, que teve que se afastar de seu cargo e sair da Alemanha por conta de sua descendência judaica. No final de 1938, Hahn testemunha algo em seu laboratório que ele, por seu viés prático, não pode explicar, apesar de saber que é importante. Ao invés de recorrer a alguém que havia ficado na Alemanha, ele decide enviar uma carta para a exilada Meitner explicando, com detalhes, os eventos ocorridos. Meitner está passando o feriado de Natal com sua família, entre eles, seu sobrinho Otto Robert Frisch, que, assim como ela, é físico nuclear. Ambos chegam a uma explicação conjunta do fenômeno ocorrido no laboratório de Hahn: trata-se de uma fissão nuclear. Enviam sua explicação para Hahn, que pede sigilo, pelo menos até publicar um artigo com a descoberta. Frisch, porém, conta ao físico dinamarquês judeu Niels Bohr (com quem trabalha), que divulga a descoberta em uma conferência pública, causando uma comoção entre os cientistas presentes, que imediatamente entenderam suas consequências. Dessa forma, a largada da corrida nuclear foi dada: era teoricamente possível construir uma arma de destruição de alcance quase inimaginável, além de ser uma fonte geradora de energia excepcional. Mais do que isso, o fato de a descoberta ter ocorrido no final de 1938 e tornar-se pública já no início do ano seguinte, às vésperas da declaração de guerra à Alemanha por parte da Inglaterra e França, a tornava ainda mais dramática e decisiva. Afinal de contas, tratava-se de uma arma que, sozinha, poderia decidir a guerra a favor de seu desenvolvedor - pelo menos era o que se acreditava na época. A Alemanha iniciaria o seu projeto logo em 1939, liderado pelo físico alemão Werner Heisenberg, mas sem a participação de Hahn. Os EUA começariam seu Projeto Manhattan apenas em 1942, contudo conseguiram lançar 2 bombas já em 1945, algo que a Alemanha nunca chegou perto de conseguir.

Serviço de Comunicação Social: Em que situação se encontrava a Segunda Guerra Mundial quando a bomba atômica foi lançada em Hiroshima?

Marcelo Barros: Em 6 de agosto de 1945, data de lançamento da bomba atômica em Hiroshima, a guerra já havia, basicamente, terminado. Em anos anteriores, havia realmente um grande temor que a Alemanha pudesse construir a bomba, sendo um exemplo as famosas cartas de Albert Einstein para o presidente Roosevelt, pedindo uma providência para combater os alemães também nesse campo. Em 45, os aliados investiram em uma missão secreta chamada Alsos, que reportava diretamente ao General Leslie Groves, líder militar do Projeto Manhattan (uma curiosidade: o nome da missão, Alsos, indica a relação com Groves, por ser uma tradução do seu nome para o grego - grove significa pequeno bosque, arvoredo).

Seu objetivo era investigar o real status do projeto atômico alemão, seu desenvolvimento e se eles estavam próximos de construir a bomba ou não. Além de investigações em campo, foram realizadas diversas entrevistas, com Heisenberg e outros cientistas, comandadas por seu líder científico, o físico holandês judeu Samuel Abraham Goudsmit (que não tinha nenhum envolvimento ou conhecimento sobre o Projeto Manhattan, medida tomada para que, se caísse em mãos inimigas, não oferecesse nenhuma informação sobre o Projeto). Ao fim de suas investigações, chegou à conclusão de que os alemães estavam, na verdade, muito longe de qualquer possibilidade de fabricação da bomba. Eles não haviam sequer conseguido uma reação em cadeia autossustentável. Seus esforços no final da guerra não eram para tentar fazer a bomba, mas sim um reator autossustentável, que era o máximo que poderiam almejar. Meses antes do lançamento da primeira bomba, os aliados já tinham a informação de que os alemães nunca estiveram perto de fabricar a bomba.

Além das entrevistas, dez cientistas alemães foram postos em custódia pelos aliados, oito participantes do projeto atômico alemão e os outros não. Eles foram levados para uma propriedade rural próxima a Cambridge, Inglaterra, Farm Hall, onde ficaram detidos por seis meses, sendo que todas as conversas foram gravadas. Os relatórios feitos com base nessas gravações reforçam a conclusão da missão, incluindo a grande surpresa ao ficarem sabendo do lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki, por acharem que a bomba só poderia ficar pronta após o término da guerra e também por não acreditarem que o Projeto Manhattan estava tão à frente do projeto alemão.

Serviço de Comunicação Social: Em sua análise, quais as maiores repercussões e consequências de ambos o Projeto Manhattan e o Projeto Atômico alemão? Após o fim da Segunda Guerra, como esses projetos foram recebidos pelos organismos internacionais?

Marcelo Barros: O Projeto Manhattan se impôs como modelo contemporâneo de Big Science e sua influência é vasta no que diz respeito ao fazer científico e à política científica. Características suas como aglutinação de competências científicas de diversas partes do mundo (como o físico Enrico Fermi, que fugiu da Itália porque sua esposa era judia e que foi responsável por inovações técnicas fundamentais para a bomba, como o gatilho que a acionava), definição estruturada de lideranças (com o físico alemão Robert Oppenheimer como líder científico e o General Groves, líder administrativo-militar), divisão de tarefas/funções, não divulgação de informações confidenciais (mesmo entre membros do projeto, limitadas ao que deveria ser essencialmente conhecido para funções específicas), mobilização ampla, nacional (esforço que não envolveu apenas grandes recursos financeiros, mas também indústrias, matérias primas e tudo considerado necessário). Em seguida, houve outro grande projeto de Big Science, da União Soviética, que conseguiu desenvolver sua bomba atômica também muito rapidamente, logo em 1949. Bombas atômicas e usinas nucleares se espalharam por todo o mundo, porém as primeiras, de modo muito mais limitado (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte são os únicos países que as detêm), devido principalmente à questão do acesso e enriquecimento do urânio, que tem controle bastante restrito.

Uma consequência direta do Projeto Manhattan pode ser vista no engenheiro norte-americano Vannevar Bush, que participou do projeto, escreveu um famoso relatório para o presidente Franklin Roosevelt, em 1945 (Science – The Endless Frontier). Ele desejava manter o investimento governamental pesado em ciência e tecnologia, mas com menor interferência governamental, ou seja, os benefícios da Big Science sem seus malefícios. Suas ações levaram à fundação da poderosa agência norte-americana de fomento à pesquisa NSF (National Science Foundation), em 1950.

O projeto atômico alemão, apesar de ser, como mencionado acima, o que iniciou primeiro, não fez com que seu país tivesse a bomba atômica – até hoje não tem. Por outro lado, foi formada uma grande estrutura produtora de energia nuclear. Há planos de fechar todas essas usinas, mas esses planos têm sido adiados ou modificados de tempos em tempos. De modo interessante, Otto Hahn foi o vencedor do Prêmio Nobel de Química de 1944, pela descoberta da fissão nuclear, prêmio recebido e anunciado em 1945 (ele ficou sabendo durante sua detenção em Farm Hall). De forma bastante polêmica e amplamente criticada, Lise Meitner e Otto Fritsch não foram contemplados – e nem citados por Hahn em seu discurso de agradecimento.

No pós-guerra, Einstein se arrependeu de sua insistência com o presidente Roosevelt que culminou no Projeto Manhattan e, no limite, no bombardeio no Japão. Houve, também, uma reação na comunidade científica, no que diz respeito à necessidade do bombardeio em Hiroshima e Nagasaki e também ao alcance e violência dessa arma de destruição em massa. Quanto aos alemães, uma das principais questões se relacionava com o por quê cientistas sabidamente não nazistas, como Heisenberg (chamado de “judeu branco” por nazistas, por não ser anti-semita e por sua proximidade com cientistas judeus) tentaram dar a bomba a Hitler.

A justificativa era basicamente “não fizemos porque não quisemos”. Eles teriam as condições técnicas, mas não estavam dispostos a dar a bomba a Hitler. Porém, fatores diversos impediram que os alemães não fossem bem-sucedidos: lideranças, competências, escolhas técnicas, questões técnicas complexas não resolvidas (gatilho, cálculo da massa da bomba, reação autossustentável, moderador), falta de mobilização nacional (industrial, matérias-primas, etc.), formação de um projeto estilo Big Science, envolvimento político... Não obstante, cientistas como Heisenberg e Hahn se envolveram no esforço de reconstrução alemã.

Referências bibliográficas:
Barros, Marcelo. A Física e o Projeto Atômico Alemães na Segunda Guerra Mundial. 2010. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Bernstein, Jeremy. Hitler's Uranium Club: The Secret Recordings at Farm Hall, New York: Copernicus Books, 2001.
Bush, Vannevar. Science The Endless Frontier: A Report to the President by Vannevar Bush, Director of the Office of Scientific Research and Development, July 1945. Washington: United States Government Printing Office, 1945.

Cassidy, David C. Uncertainty: The Life and Science of Werner Heisenberg. New York: W.H. Freeman, 1992.
Einstein, Albert. Letter to F.D. Roosevelt. 2 de agosto de 1939. Disponível em: https://www.osti.gov/opennet/manhattan-project-history/Resources/einstein_letter_photograph.htm#1\. Acessado em 25/07/2022.
Goudsmit, Samuel A. Alsos. Los Angeles; San Francisco: Tomash Publishers, 1986.
Groves, Leslie R. Now It Can Be Told: The Story of the Manhattan Project. New York: Da Capo Press, 1983.
Irving, David John Cawdell. The German Atomic Bomb: The History of Nuclear Research in Nazi Germany. New York: Da Capo Press, 1983.
Kramish, Arnold. Atomic Energy in the Soviet Union. Stanford: Stanford University Press, 1959.
Powers, Thomas. Heisenberg's War: The Secret History of the German Bomb. New York: Da Capo Press, 2000.
Rose, Paul Lawrence. Heisenberg and the Nazi Atomic Bomb Project: A Study in German Culture. Berkeley: University of California Press, 1998.
Walker, Mark. German National Socialism and the Quest for Nuclear Power: 1939-1949. Cambridge [ENG]: Cambridge University Press, 1989.

Marcelo Barros Sobrinho é graduado em Filosofia pela FFLCH, mestre e doutor em História Social pela mesma instituição. Para quem se interessar sobre o projeto atômico alemão, sua dissertação de mestrado está disponível em A física e o projeto atômico alemães na Segunda Guerra Mundial.

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