Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da Universidade de São Paulo (USP), consultor político e de comunicação
O populismo se inspira em antagonismos: as demandas das massas contra interesses de elites corrompidas; a nova política, ancorada em programas contra a velha política, caracterizada pelo toma lá dá cá; a reforma das instituições de Estado versus o status-quo.
O cenário social brasileiro é propício a implantar o populismo? Se considerarmos que a corrente tende a caminhar por terrenos atolados em profunda crise econômica, tenha sido ela deflagrada pela esquerda ou pela direita, a resposta é sim. Atravessando um frágil ciclo econômico, com a população descrente nos agentes políticos, desanimada em ver roubalheira e corrupção por todos os lados, o país agasalharia as condições para implantação de uma política populista.
A isso, pode-se acrescer o fato de que o cobertor demagógico é feito de densa espuma emotiva, que se mostra na polarização entre alas, na expressão indignada de grupos contrários, que escolhem a arena das redes sociais para vituperar uns contra outros, expandindo a bílis que escorre pelas veias das correntes guerreiras.
Do desenho acima, seria possível inferir que, se não fizer as reformas necessárias à retomada do crescimento, o governo poderia tentar uma saída pela via populista. Afinal, a demanda por populismo é maior entre as camadas sofridas. Felizmente, tal alternativa é inviável no Brasil por um conjunto de razões.
Em primeiro lugar, é oportuno lembrar que uma solução como essa jamais seria abraçada pelo núcleo que atua na frente econômica encabeçada por Paulo Guedes. Os gestores que com ele trabalham vestem a camisa liberal e jamais iriam topar deixar a coerência de ideário por uma aventura populista. Não topariam bancar a demagogia.
Segundo, nossa “revolução castrense” (militar), essa imaginada pelos generais que estão no governo, tem por meta o desenvolvimento da Nação, com o qual se identificam e que integra o manual governamental que decidiram adotar na administração Bolsonaro. Repelem a volta ao autoritarismo.
Terceiro, há um forte núcleo racional que habita o centro da pirâmide, composto por amplos nichos de classes médias – profissionais liberais, empresários, áreas da intelligentzia -, movidos pela preocupação de ver o país trilhando a rota do meio, onde o Estado do Bem-Estar Social encontra as políticas liberais, âncora da livre iniciativa. Portanto, esse contingente não combina com uma virada populista.
O nosso presidente até pode defender, em seu íntimo, programas ou ideias de grande aceitação popular, como atualização da tabela do Imposto de Renda pela inflação, como prometeu nesses últimos dias, algo que não combina com a ameaça de Paulo Guedes, ansioso para acabar com dedução de gastos com saúde e educação no IR. Pior: se a reforma da Previdência não foi aprovada, faltarão recursos para o Bolsa Família. Foi o que alertou Guedes. Imaginaram a grita geral?
Em suma, o que Bolsonaro pode fazer, e está fazendo, mesmo sob sérias críticas de parcela da sociedade, é o atendimento às promessas de campanha, particularmente a pauta das armas (flexibilização do porte e da posse de armas), a descontaminação ideológica (Escola sem partido), sob a régua da extrema-direita, essa que vitamina a polarização social. Agora, no que diz respeito a dinheiro, isso é competência da equipe econômica. O presidente até dá palpites, mas acaba recuando quando percebe que não pode furar o balão da economia.
O desencanto geral com a política e com os políticos dará um gás extra ao presidente, garantindo-lhe uma trajetória cheia de obstáculos, mas, ainda assim, permitindo que chegue ao outro lado do rio das mortes. A não ser que seja ele o propulsor de uma débâcle estrondosa nos quadrantes de nossa economia. Se isso ocorrer, babau. Ademais, o ciclo petista, e o que se passa ao nosso redor em matéria de esquerda, como é o vulcânico desastre venezuelano, funcionam como antídoto contra a volta do lulopetismo. Lembrando: mantida a decisão do STJ, Luiz Inácio só teria condições de voltar como candidato a partir de 2035, quando terá 89 anos.
Por isso, é viável inferir que a travessia de Bolsonaro, mesmo semeada de minas, pode ir até o fim. Mas seu estilo de atirador acabará viabilizando perfis mais moderados.