Gérson Marques, Procurador do Trabalho, doutor e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC)
O resultado já sabemos. Passou a Reforma Trabalhista pior do que se engendrava e o modelo de custeio sindical foi profundamente alterado, não tendo o governo realizado nenhum esforço para cuidar de algum modelo viável, alternativo e autossustentável do sindicalismo. E a legislação do trabalho trouxe graves dispositivos precarizantes, aumentou o desemprego e enfraqueceu sensivelmente as entidades sindicais, revelando a falsidade dos discursos manejados no processo de elaboração da nova lei (Lei 13.467).
Tem vazado na imprensa notícias de que o governo cogita revogar, retirar ou deixar caducar a MP 873/19, sobre contribuição sindical, em troca de o sindicalismo articular com seus congressistas o apoio à proposta de mudança na Previdência Social, bem ainda de cessar com as manifestações nas ruas.
Quando o governo altera a legislação sindical unilateralmente, fragilizando ainda mais a sobrevivência dos sindicatos, asfixiando-os, e, depois, chama-os para apoiarem a Previdência Social, em troca da revogação das mudanças que ele mesmo impôs, isso tem um nome muito nítido: manipulação. É um jogo perverso, cuja proposta de paz não é confiável. Não há garantias de que o acordo seja honrado ou por quanto tempo ele durará.
Outro ponto a considerar é que a moeda é extremamente desproporcional, em desfavor dos sindicatos e da sociedade. Abrir mão da Previdência Social dos trabalhadores em troca da cláusula de custeio sindical revelaria uma traição sindical à classe operária, que os sindicatos devem defender. O erro estratégico seria incomensurável e lançaria uma mensagem extremamente pejorativa aos trabalhadores: a de que os sindicatos estariam muito mais preocupados com seus próprios interesses do que com os direitos de seus representados. E este erro seria histórico, de difícil perdão social.
Se o governo, todo empoderado e inebriado com o poder da caneta, chama os sindicatos para estabelecer algum diálogo, é sinal de que a pressão que estes estão impondo está dando resultado, mínimo que seja. Pobres e sem dinheiro, as entidades conseguem, mesmo assim, fazer pressão social, estimulando manifestações que começam a crescer. A cada manifestação, as ruas se enchem mais. Isto deve ser preservado.
Em abril/2017, quando se discutia a Reforma Trabalhista e os sindicatos haviam marcado grandes manifestações nas ruas, o Governo fizera exatamente o mesmo: convidara as entidades para um café, prometendo que não mexeria no sistema de custeio sindical; ou, se a lei o fizesse, o presidente lançaria logo em seguida uma medida provisória revendo tópicos da legislação, especialmente as contribuições sindicais. Algumas entidades acreditaram e, em consequência, saíram das ruas, não participaram mais das manifestações remanescentes, contribuindo para enfraquecê-las.
O resultado já sabemos. Passou a Reforma Trabalhista pior do que se engendrava e o modelo de custeio sindical foi profundamente alterado, não tendo o governo realizado nenhum esforço para cuidar de algum modelo viável, alternativo e autossustentável do sindicalismo. E a legislação do trabalho trouxe graves dispositivos precarizantes, aumentou o desemprego e enfraqueceu sensivelmente as entidades sindicais, revelando a falsidade dos discursos manejados no processo de elaboração da nova lei (Lei 13.467).
Erros tais não podem ser repetidos. Ou eles não geraram aprendizado algum? O momento é, justamente, de resistência, de reorganização da classe trabalhadora, de ir às ruas, de fortificar a ala trabalhista no Congresso Nacional, de unir o movimento sindical. Afinal, ainda há outras maldades por vir, ainda tem a carteira verde e amarela, a negociação individual direta com o empregador, a revogação de direitos constitucionais etc.
E o custeio sindical? Bom, ele virá com a legitimação perante os trabalhadores, de forma totalmente privada, sem a interferência do Estado. A saída para o movimento sindical está nas respectivas categorias, na legitimação, na conscientização política dos trabalhadores; não no Poder Público. E, menos ainda, na aceitação de propostas fustigadas pelo terror, manipuladas por problemas criados pelo próprio governo, que pretende entregar a Previdência à capitalização comandada pelos investidores estrangeiros.
Ademais, o Judiciário já deu resposta à MP 873 e o Congresso não tem se mostrado muito simpático ao seu texto. Por isso, a proposta governamental não reflete equilíbrio negocial algum, segurança nem confiança.
Então: alguma ala sindical vai se deixar enganar para ficar com o capital especulativo ou governista ao invés de ficar com os trabalhadores?