Enio De Biasi é diretor da DBC Consultoria
São inúmeras as divergências que vêm sendo observadas nos julgamentos das turmas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em relação à possibilidade de exclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins.
A demanda nasceu com a permanente morosidade do nosso sistema judiciário. A matéria está pacificada, e, portanto, não deveria causar tamanha controvérsia. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu (RE 574706) que o ICMS não deve compor as bases do PIS e da Cofins. Isso foi em março de 2017! Há mais de dois anos!
Desde então, o mesmo STF não julgou os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional. E na ausência de uma decisão definitiva – trânsito em julgado – a Corte Administrativa vem tratando o tema de forma totalmente disparatada, nas suas diversas turmas.
O que se discute – ou deveria discutir – a partir do julgamento do STF, é o montante do indébito tributário em favor dos contribuintes. Com a vacância jurisprudencial, nasceram diversas interpretações de como apurar o crédito das pessoas jurídicas. Podemos observar, na prática, três cenários distintos no posicionamento dos especialistas e dos executivos das empresas, que apresentamos a seguir.
O primeiro é o CONCEITO JURÍDICO, defendido largamente pelos operadores do Direito, segundo o qual o valor do crédito deve ser apurado sobre o ICMS destacado nas notas fiscais. Esse conceito se alinha ao voto vencedor da Ministra Carmem Lúcia, numa interpretação holística e detalhada do texto produzido pela relatora do Recurso Extraordinário.
O segundo é o CONCEITO ECONÔMICO, que considera, como base de cálculo do indébito, o valor apurado pelos contribuintes na chamada conta gráfica. Ou seja, por essa sistemática, o ICMS a ser descontado das bases de cálculo do PIS e da Cofins é resultado dos débitos (destacado nas notas fiscais) menos os créditos permitidos e incidentes nas aquisições de insumos.
O terceiro é o que chamamos de CONCEITO NORMATIVO, surgido com a expedição da Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, de 18 de outubro de 2018, publicada somente no site da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Numa interpretação absolutamente restritiva e parcial da decisão do STF, a autoridade tributária admite que somente o ICMS efetivamente pago é que deve ser excluído das bases de cálculo do PIS e da Cofins. Empresas com saldo credor de ICMS ou detentoras de incentivos fiscais estaduais, na prática, não teriam direito ao indébito, no mais das vezes. No nosso entendimento, é uma flagrante deturpação do texto jurisprudencial.
A polêmica – e a insegurança – não deveria estar presente nos julgados do Carf. O regimento interno da Corte prevê a aplicação do que tenha sido decidido pelo STF e pelo STJ, em repercussão geral e em recursos repetitivos, respectivamente – e esse é o caso – sem necessidade do trânsito em julgado das decisões. O parágrafo segundo do artigo 62 do regimento diz que “as decisões definitivas de mérito deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do Carf”, sem citar a necessidade do trânsito em julgado.
No mesmo diapasão são as recentes soluções do próprio STF, em questões relacionadas ao tema. Tomemos o que foi recentemente decidido pelo Ministro Celso de Mello, decano da Corte Constitucional (Tutela Provisória na Reclamação 30.996/SP), para quem “cabe registrar, nesse ponto, consoante entendimento jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Corte, que a circunstância de o precedente no ‘leading case’ ainda não haver transitado em julgado não impede venha o Relator da causa a julgá-la, fazendo aplicação, desde logo, da diretriz consagrada naquele julgamento” (grifos são do original).
Em resumo, o Carf deveria, à luz do seu próprio regimento e da farta jurisprudência sobre o assunto, fazer valer o que fora decidido pelo STF. Dois anos para julgar meros Embargos de Declaração parece-nos tempo demasiado e só dão subsídio para os que invocam a insegurança jurídica como um dos fatores do custo Brasil.