Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC)
Nestes tempos de incertezas, uma boa recomendação é estudar as razões que levaram a China a se tornar a segunda maior economia do mundo com condições de se tornar a primeira até 2030, segundo estudo do HSBC Holdings plc, banco global com sede em Londres. Uma delas – e talvez a principal – foi a política de formação e qualificação dos quadros dirigentes, que privilegiou o mérito e o conhecimento técnico para o desempenho de uma função pública, a chamada meritocracia, uma preocupação que vem desde os tempos imperiais, mas que continuou presente com a ascensão do Part ido Comunista. No Brasil, infelizmente, o que sempre se viu foram indicações políticas para cargos públicos, geralmente, de pessoas desqualificadas para as funções.
Depois de 40 anos de êxitos econômicos, o que se vê agora é a China procurando abandonar a política de exportações maciças de mercadorias de baixa qualidade – que tornou o slogan made in China sinônimo de má qualidade – para substituí-las por vendas de produtos de alto valor agregado, com inovação e tecnologia de ponta. Para tanto, aposta na importação de matéria-prima de países em desenvolvimento, como o Brasil, abrindo negócios em todo o planeta que lhe garantam o abastecimento.
Diante disso, não se vê o Mercosul com uma estratégia de longo prazo para lidar com essa política asiática, sem deixar de lado o intercâmbio com outras potências econômicas, como Estados Unidos, Canadá e União Europeia. Aliás, a palavra que mais tem caracterizado a atuação do Mercosul nos últimos anos é inércia, pois não participa daqueles grandes acordos e até de tratados regionais que costumam definir o futuro das relações internacionais.
Também não se tem visto uma estratégia comum do Mercosul para enfrentar a atual guerra comercial entre Estados Unidos e China, que, provavelmente, não será de curto prazo. Ainda que não seja obrigado a tomar partido nessa guerra, o Brasil e outras economias dependentes estão mais expostas aos reflexos negativos dessa contenda, até porque o aumento de barreiras entre dois dos maiores mercados começa a diminuir os fluxos comerciais no mundo, provocando uma desaceleração do crescimento econômico global.
Seja como for, é fundamental para o Brasil e, portanto, para o Mercosul, que o diálogo comercial com a China e com os Estados Unidos seja mantido em alto nível. Em 2018, as exportações brasileiras para a China cresceram 32% (US$ 66,6 bilhões), para a União Europeia, 20,1% (US$ 41,1 bilhões) e para os Estados Unidos, 6,6% (US$ 28,8 bilhões), em comparação com 2017, o que mostra um desempenho positivo. Já para a Argentina, principal parceiro comercial do Brasil na América Latina, as exportações caíram 15,5% (US$ 14,9 bilhões), especialmente em função da redução nas vendas do setor automotivo.
O que se prevê é que a continuação da guerra comercial entre Estados Unidos e China vai tornar inevitável a reformulação do próprio sistema multilateral de comércio, ou seja, da Organização Mundial do Comércio (OMC), que foi a plataforma internacional que o Brasil mais utilizou nos últimos 20 anos para fazer valer seus interesses sobre as políticas protecionistas europeias e, principalmente, norte-americanas. Se isso ocorrer, parece claro que a alternativa será a intensificação das relações bilaterais ou regionais, como defende o governo norte-americano.
Nesse caso, o Brasil tem muito a perder, pois, atrelado ao Mercosul, protelou o quanto pôde o incremento de negociações bilaterais e regionais, apostando no sistema multilateral. Uma aposta errada que mostra a falta que fazem gestores públicos mais qualificados, capazes de antever os desdobramentos políticos e desenvolver estratégias capazes de contemplar todas as alternativas.