Frederico Bussinger. Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.
“Nós somos o que fazemos. Mas, principalmente,
o que fazemos para deixar de ser o que somos”
(Eduardo Galeano)
“Como o clube construiu alojamento provisório, se não consta do projeto; se não tinha autorização?”; indaga um repórter, arrematando: “A prefeitura não fiscaliza?” Outro engata: “Sem alvará de funcionamento, como o contêiner alojava adolescentes?” Em tom de dever cumprido, o porta-voz esclarece que: i) “sim; fiscaliza!”, dando a entender que a prefeitura fora surpreendida justamente quando em uma fiscalização; ii) desvios de construção e/ou funcionamento já renderam ao clube 31 autos de infração; iii) em OUT/2017 fora emitida ordem de interdição do CT; iv) “o município não tem poder de polícia para interditar um local privado”.
Informações posteriores ajudam a montar o quebra-cabeça: i) Da Prefeitura, que o clube “já” havia pago 10 das 31 multas, e que o alvará não foi emitido pois ele não entregara o certificado dos bombeiros; ii) Dos bombeiros, que o processo (2010) ainda não foi concluído “pois há pendências como mudanças de leiaute e ausência de dispositivos” (incluído aí saídas de emergência?); iii) Da polícia, que fiscalização compete à prefeitura; iv) Do clube, que a transferência para o alojamento definitivo ocorreria na semana subsequente. v) Pelo contexto, supõe-se haver engenheiro responsável pelo projeto original; e que sua ART fora registrada no CREA. Dúvida: também para o provisório?
Personagens podem ser outras. Fatos e circunstâncias distintos. Mas seria exagero imaginar enredos similares quando de outras tragédias do passado recente?
Mesmo que busca de culpado(s) seja normalmente o foco principal do pós-catástrofe, em especial nos primeiros dias, alguma dúvida: i) de que aprovação de projetos, ARTs, autorizações, licenças, alvarás, fiscalização, multa, interdição ... não têm sido suficientes e capazes para evitar acidentes; e, principalmente suas consequências? ii) De igual forma, para impedir que encostas sejam ocupadas; e mesmo após as tragédias, verão após verão, moradores se recusem a deixa-las? iii) Em suma, usando termo em moda, que as governanças vigentes, públicas e privadas, têm se mostrado ineficazes?
Em best-seller dos anos 70 (“Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas”), pai e filho viajam de moto pelos USA. Refletem sobre questões fundamentais do nosso modo de viver. Cruzam com passeata pedindo demolição de chaminé que soltava fumaça preta. Comentam ceticamente: “De que adianta destruir a chaminé, se essa fábrica continuar funcionando?”
No caso, como preconiza o provérbio latino (título), tão ou mais relevante que as investigações dos órgãos policiais e de controle, é difundir-se culturas de riscos, prevenção e manutenção. Também revisar leis, normas, procedimentos, responsabilidades, processos de autorização e licenciamento, esquemas de monitoramento e controle... instrumentos de aplicação (“law enforcement”). E, claro: de forma sistêmica; tarefa a demandar planejamento minucioso e disciplinada gestão.
Sem esse passo, após a comoção dos primeiros dias e confinadas as análises aos autos, a probabilidade de se repetirem tragédias, vítimas e danos como da Boate Kiss, Mariana, Paissandu, Museu Nacional, Brumadinho, CT do Flamengo seguirá bastante elevada.